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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

OS REPTOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

(Da esq. para a dir.): Profa. Maria Tereza Paschoal, Secretária de Educação de Londrina; Prof. Ricardo Vélez Rodríguez, palestrante; Prof. Carlos Henrique Vici, diretor da Unicesumar Londrina.




No dia 16 de outubro tive a alegria de participar, na Unicesumar de Londrina, da abertura da semana de Educação. Pronunciei, nessa circunstância, a palestra que dá título a este post: "Os reptos da educação brasileira". 

Quatro pontos foram desenvolvidos: 1 - "Mais Brasil menos Brasília", princípio basilar da política pública na minha gestão no MEC. 2 - Os desafios do ensino básico e fundamental segundo um dos estudiosos da educação brasileira, o professor Simon Schwartzman. 3 - O futuro da formação de professores, segundo o professor João Batista de Araújo e Oliveira. 4 - As Escolas Cívico-Militares e a Educação para a Cidadania. 

A seguir, faço uma breve síntese dos pontos desenvolvidos.

1 - "Mais Brasil menos Brasília", princípio basilar da política pública na minha gestão no MEC. Cito as palavras de breve artigo que publiquei em novembro do ano passado, pouco depois de ter sido indicado para o Ministério, e que se intitulava: Um roteiro para o MEC: "Enxergo, para o Ministério da Educação, uma tarefa essencial: recolocar o sistema de ensino básico e fundamental a serviço das pessoas e não como opção burocrática sobranceira aos interesses dos cidadãos, para perpetuar uma casta que se enquistou no poder e que pretendia fazer das Instituições Republicanas, instrumentos para a sua hegemonia política". 



Ora, essa tarefa de refundação transitava por um caminho muito simples: enquadrar o MEC no contexto da valorização da educação para a vida e a cidadania, a partir dos municípios, que é onde os cidadãos vivem. 

Acontece que a proliferação de leis e regulamentos sufocou, nas últimas décadas, a vida cidadã, tornando os brasileiros reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista, travestida de "revolução cultural gramsciana", com toda a coorte de invenções deletérias em matéria pedagógica, como a educação de gênero, a dialética do "nós contra eles" e uma reescrita da história em função dos interesses dos denominados "intelectuais orgânicos", destinada a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em soma,  do patriotismo.



Destaquei que o ideal de uma educação básica e fundamental a ser oferecida nos Municípios, constituía a ideia central da política educacional pensada pelo grande Anísio Teixeira (1900-1971). Os Municípios, segundo Anísio, deveriam formular as leis que tornariam exequíveis as funções docentes. As instâncias federal e estaduais entrariam, simplesmente, como variáveis auxiliadoras daqueles municípios que carecessem de recursos e como coadunadoras das políticas que, efetivadas de baixo para cima, revelariam a feição variada do nosso tecido social no terreno educacional, sem soluções mirabolantes pensadas de cima para baixo, mas com os pés bem fincados na realidade dos conglomerados urbanos onde os cidadãos moram.


Essa proposta de uma educação construída de baixo para cima foi, simplesmente, ignorada pela política estatizante com que Getúlio Vargas (1882-1954) pensou as instituições republicanas, ao ensejo do Estado Novo (1937-1946). A educação foi entendida no contexto de uma proposta tecnocrática formulada de cima para baixo. Os cidadãos foram alheados e passaram a ser considerados, pelo governo, como fichas de um tabuleiro de xadrez controlado pela União, sobreposta aos municípios e aos estados.

O princípio "Mais Brasil, menos Brasília", formulado por Jair Bolsonaro, aponta, justamente, para a urgência de corrigir esse deslocamento sofrido pelos cidadãos no seio do Estado autoritário, a fim de que retomem o lugar de prioridade que lhes corresponde. O papel do Ministério é servir aos cidadãos nos seus municípios, no que tange ao processo educacional de crianças e jovens.

2 - Os desafios do ensino básico e fundamental segundo um dos estudiosos da educação brasileira, o professor Simon Schwartzman. Num país continental do tamanho do Brasil, não pode haver um modelo único de educação. O tipo centralizador e monolítico existente é a pesada herança estatizante da tradição que se remonta ao Marquês de Pombal, cujas reformas  educacionais datam de meados do século XVIII. 

O grande problema com que me defrontei durante a minha passagem pelo MEC foi esse: ainda estamos presos a um modelo estatizante, único e ineficiente. Quem exerce o poder de gestão são as corporações de docentes, estudantes e administradores, afinadas com os vícios corporativistas herdados do ciclo getuliano e reforçados nos quatorze anos de desmandos petistas. E as mudanças têm de ser feitas sem parar a máquina. É como trocar o pneu com o carro em movimento.

Em artigo intitulado: "Consenso e dissenso em educação", publicado em 14 de junho deste ano no jornal O Estado de S. Paulo, frisava o professor Schwartzman: "É preciso construir um novo consenso, baseado na ideia de que deve ser possível fazer muito mais com os 5% do PIB que o Brasil já gasta em educação. Com a queda da natalidade, serão menos estudantes, e será possível ter menos professores e pagar mais. A profissão docente precisa ser reformada, com melhores cursos de formação, carreiras associadas ao desempenho, e facilitando o acesso ao ensino de pessoas com outros perfis. A educação infantil deve deixar de ser meramente assistencialista, e ser tratada como etapa essencial de formação. A tolerância com o analfabetismo funcional deve acabar, com o uso de métodos comprovados de alfabetização e acompanhamento de resultados. O segundo ciclo do ensino fundamental precisa ser repensado, e a forma de ensino médio precisa ser efetivamente implementada, inclusive pela ampliação e fortalecimento da educação técnica. O formato do ensino superior precisa ser revisto, criando mais alternativas de formação em diferentes níveis, e a pós-graduação e a pesquisa precisam se tornar menos acadêmicas e mais vinculadas às necessidades do país".

Trata-se, evidentemente, de uma pauta muito ampla que deve ser abordada por partes. Destaco um aspecto, que é enfatizado pelo professor Schwartzman: "A tolerância com o analfabetismo funcional deve acabar, com o uso de métodos comprovados de alfabetização e acompanhamento de resultados". Esse item foi assumido pelo presidente Bolsonaro como uma das suas propostas iniciais de reforma do sistema educacional. No seu primeiro discurso ao Congresso, no início do ano, o Presidente deixou isso bem claro.

Para cumprir com esse objetivo, foi criada no MEC, na minha gestão, a Secretaria Especial de Alfabetização. As duas finalidades básicas seriam definir o método de alfabetização a ser utilizado, levando em consideração os avanços da ciência da linguagem, bem como a definição dos passos pedagógicos a serem percorridos. O "método fônico" seria um dos aspectos.

Era necessário definir, também, a forma em que seria levado em consideração esse método na formação de Mestres. Ora, o trabalho desenvolvido pela correspondente Secretaria ficou, a meu ver, a meio caminho, sem chegar a indicar a forma em que tal método seria aplicado na formação dos docentes.

O caminho a ser trilhado seria o da reestruturação da Carreira Docente, voltando a um modelo semelhante ao das nossas antigas Escolas Normais, como celeiros da formação dos futuros professores para o ensino, nos níveis básico e fundamental. Tratar-se-ia de uma formação que deve ocorrer também em sala de aula, com adequada supervisão da prática pedagógica, tendo como objetivo a preparação do aluno para que, alfabetizado adequadamente, possa se ver livre do analfabetismo funcional, a fim de encarar, com segurança, os outros degraus da sua formação.

3 - O futuro da formação de professores, segundo o professor João Batista de Araújo e Oliveira. Assistimos, neste terreno, a uma complexa situação, segundo o professor João Batista. Ela pode ser sintetizada ao redor de quatro pontos: em primeiro lugar, do ponto de vista dos dados demográficos, o problema é apresentado assim: "Nas próximas décadas teremos redução de nascimentos. Em 40 anos passaremos de 3 milhões para 4 milhões de crianças para cada série escolar. Vamos precisar de menos escolas, menos salas de aula, menos professores" (João Batista Araújo e Oliveira, "O futuro da educação e os futuros professores", in: O Estado de S. Paulo, 06/10/2019, p. A2).

Em segundo lugar, temos o panorama do universo dos professores, que é caracterizado assim pelo professor João Batista: "Nos próximos 12 anos, cerca de 60% dos atuais professores poderão aposentar-se. Oportunidade ímpar para mudar o perfil do plantel".

Em terceiro lugar, aparece o universo dos sistemas de ensino do ângulo dos docentes, caracterizado da seguinte forma: "Nos últimos 20 anos, os sistemas de ensino têm contratado entre 30 mil e 50 mil professores por ano. E temos 1,5 milhão de alunos em cursos de formação de professores, dos quais cerca de 240 mil se formam a cada ano. Oportunidade ímpar para reduzir e calibrar a demanda".

Em quarto lugar, encontramos o panorama dos cursos de formação de professores, que é caracterizado da seguinte forma: "Nos últimos 20 anos sabemos que os alunos que procuram cursos de formação de professores obtêm, em média, 500 pontos no ENEM, que é a nota média do exame. Portanto, metade deles se encontra abaixo dessa média. Para entrar num curso competitivo de qualquer universidade pública é preciso ter 700 pontos, ou mais. Ou seja, os cursos de formação de professores não conseguem atrair alunos com preparo adequado. Não seria difícil recrutar anualmente 30 a 40 mil jovens com esse perfil para o magistério".

O professor João Batista considera que é possível traçar um plano de formação de bons professores para o ensino básico e fundamental, elevando, em primeiro lugar, a pontuação na prova do ENEM dos candidatos, para um limite que chegue aos 700 pontos, que é o patamar exigido para carreiras de alto nível, saindo, portanto, do atual limite de 500 pontos. Esse seria o primeiro passo. O segundo, consistiria em desenvolver estratégias que permitam a canalização de candidatos com excelente pontuação em outras profissões, para a área do magistério. Isso implicaria em modificar as políticas de formação de professores dos atuais cursos de pedagogia, pouco interessantes e mal avaliados, para atrair jovens de outras áreas profissionais, que optariam por obter um plus na sua formação, a fim de se habilitarem para o exercício da docência.

Assim, seria necessário mudar radicalmente o perfil dos cursos de formação de mestres, transformando-os em cursos de magistério de alto nível que formassem, em sala de aula, professores provenientes de outras áreas do conhecimento, a fim de habilita-los nas técnicas pedagógicas. Deveríamos abandonar o atual modelo único das faculdades de pedagogia, para que surgissem modelos alternativos abertos à formação de mestres provenientes de várias áreas profissionais, com domínio de especialidades diversas do conhecimento, sendo os novos candidatos ao magistério formados, também, nas práticas pedagógicas.

Trata-se, portanto, de um roteiro com chances de dar certo. Eis a descrição do mesmo:"O ponto de partida seria criar novas carreiras  e atrair para elas pessoas com perfil adequado. O segundo passo seria experimentar com diferentes formas de treinamento supervisionado em serviço". O autor destaca que a experimentação é essencial, porquanto "não dispomos nem de experiência nem de grande contingente de professores experientes e habilitados para essa função. Mas sabemos o que precisa ser feito. A oportunidade é ímpar: a demanda será modesta nos próximos anos. Se houver vontade de aprender e avançar aos poucos, em vez de querer regular tudo a priori, o tempo está a nosso favor".

Condição sine qua non  para a implantação do novo sistema, seria desengessar a gestão da educação municipal e estadual, hoje refém de uma interpretação cartorial e rígida da Base Comum Curricular, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação e interpretada, de forma unilateral, pelos sindicatos de funcionários e docentes, desconhecendo as diferenças entre regiões e as necessidades concretas dos usuários do sistema.

4 - As Escolas Cívico-Militares e a Educação para a Cidadania. No Estado de Goiás, com as suas cinquenta escolas cívico-militares estaduais e municipais, foi possível enxergar um fato novo, do ângulo da segurança pública: ali onde surgia uma delas, o traficante abandonava o lugar e isso, por si só, já garantia um ambiente de paz que mudava a vida da comunidade para melhor. São evidentes as vantagens pedagógicas do novo modelo: os estudantes passaram a sentir mais segurança, desapareceram as gangues, o bullying sumiu, generalizou-se um ambiente de ordem e respeito pela lei e pelas instituições e as famílias se aproximaram das escolas, voltando a tornar possível a colaboração entre pais e mestres na tarefa educacional. Mutirões foram organizados pelas associações de pais e mestres, a fim de garantir a preservação dos prédios e a melhora das condições ambientais.

Não ocorreu uma militarização das escolas: as funções didático-pedagógicas continuaram a ser realizadas pelos professores, coordenados pelos antigos diretores. Mas a gestão administrativa passou às mãos dos agentes da Polícia Militar (da ativa ou aposentados), que implantaram costumes patrióticos como cantar o Hino Nacional uma vez por semana, içar a bandeira, cumprir um regulamento que prescrevia o uso de uniforme escolar e um comportamento condizente com o ambiente educacional. Os alunos passaram a pôr em prática alguns costumes de ordem e respeito pela autoridade, como ficarem em pé no momento em que o professor entra em sala de aula. Ora, essas práticas cívicas agradaram aos estudantes e pais, implantaram a ordem e a sensação de segurança para os alunos que, tranquilos, passaram a melhor responder aos deveres e atividades acadêmicos. Alguns dos policiais militares que integram a equipe administrativa são escalados para lecionar a disciplina "Educação para a Cidadania", que passou a ser adotada, revivendo a antiga "Educação Moral e Cívica".

Insisto em que não se trata, como a oposição diz, de militarização das escolas municipais e estaduais. É uma realização pontual que somente se torna concreta a pedido de determinada escola. Diante do panorama enorme das nossas escolas públicas pelo país afora, trata-se de uma realização pontual a serviço dos pais e alunos que quiserem implantar tal modelo. No extenso leque de 112.900 escolas municipais e de 71.200 escolas estaduais, o modelo cívico-militar somente se concretizou, até agora, em aproximadamente 250 instituições, sendo prevista a implantação desse tipo de estabelecimentos educacionais em 500 escolas pelo país afora. Uma porcentagem realmente pequena, mas que responde a um sentimento de busca de segurança e de educação para a cidadania por parte das comunidades locais.

Com a finalidade de auxiliar as escolas que quisessem implantar o modelo cívico-militar, foi criada, no seio da Secretaria de Educação Básica, no MEC, a Subsecretaria de Escolas Cívico-Militares, a cuja testa foi nomeada, por mim, a tenente-coronel do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, Márcia Amarilis.

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