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domingo, 12 de novembro de 2017

ESPANHA INVERTEBRADA, SEPARATISMO E NACIONALISMOS


A onda separatista que como coqueluche percorre a Europa e que teve o seu ápice no caso da Catalunha com a declaração de independência, pelo Parlamento Catalão sob a inspiração do líder regional Puigdemont, é um fantasma que, vez por outra, assombra aos espanhóis. José Ortega y Gasset em España invertebrada (1922) debruçou-se sobre o tema, colocando-o no contexto dos nacionalismos locais e do movimento pendular que os acompanha. Para o grande pensador, Espanha estava sofrendo desse mal na primeira metade do século XX (como, aliás, agora, claro que por motivos diferentes).

Os países, como as pessoas, segundo Ortega, precisam de um élan vital que os unifique. A criação dos Estados nacionais foi acompanhada desse tipo de inspiração coletiva. Mas nem sempre se mantém viva a chama do primeiro nacionalismo que conseguiu erguer o grande edifício do Estado Nacional, por sobre as diferenças locais. Por vezes, estas se tornam de grande vulto, como as sombras que, como dizia o nobre jurista peruano José Domingo Choquehuanca (1789-1854), “crescem quando o sol declina”.[1]

Ora, esse élan coletivo explica a grandeza do Império Romano, como explica, também, o rápido crescimento e a pujança do Império espanhol, criado por Fernando de Aragão e Isabel de Castela, no final do século XV, ao unificarem em torno à corte de Madri as dispersas províncias de Galícia, Asturias, Valencia, Catalunha e o País Basco, às quais se juntaram, também, ao longo do século XVI, os Países Baixos, o Milanesado e o Reino de Nápoles. Tudo girou ao redor de um élan ambicioso que estendia o manto castelhano e aragonês, tecido de ideais estratégicos internacionais, na trilha da saída ao Mediterrâneo por parte do reino de Aragão e em direção à África e ao centro da Europa, por parte do reino de Castela.

No contexto dessa Weltpolitik foi construída heroicamente a unidade nacional espanhola. Ora, essa unidade, que deu ensejo à nova oikoumene com motivo da descoberta do Novo Mundo, entrou em refluxo quando, com Felipe II, ao longo do século XVI, o Império espanhol deixou de pensar ousadamente em termos de projetos internacionais, passando a se recolher, como fizera no final da vida Carlos V, nas sombras do mosteiro medieval, tarefa de que se desincumbiu com eficiência, no clima de volta ao passado, Felipe III, ao longo do século XVII. 

Sempre me impressionou muito o paralelo que se pode estabelecer entre os dois primeiros-ministros dos Reis da Espanha e da França, o visconde conde de Olivares e o cardeal Richelieu. Um e outro espelhavam no seu projeto pessoal a índole dos seus soberanos, declinante, no caso espanhol, em ascensão e pujança estratégica, no caso francês. Espanha começou a decair, enquanto a França, com Luís XIV, crescia em projeção internacional.

A consequência dessa perda de élan vital (que está vinculado a um projeto estratégico e não a uma passiva herança de família) acentuou-se no século XIX com a perda das colônias do Novo Mundo e com a independência, na primeira parte do século XX, das poucas que ainda restavam: Cuba e Puerto Rico. Restou a saudade da imensa oikoumene e os espanhóis passaram a cultivar ousado projeto cultural de unidade do mundo ibérico, impulsionados em boa medida pelos ensinamentos pedagógicos do krausismo através da Institución libre de Enseñanza do grande Salvador Giner de los Ríos, que inspiravam a criação de um império cultural da inteligência e do espírito, ao redor do ideal hispanista.[2] Mas, convenhamos, isso era muito pouco para quem construiu um império mundial no qual, como dizia Carlos V, “não se punha o sol”.

A nostalgia da perda do antigo élan imperial foi assim traduzida por Ortega y Gasset nas seguintes palavras: “Pues bien: la vida social española ofrece en nuestros días un extremado ejemplo de este atroz particularismo. Hoy es España, más bien que una nación, una serie de compartimentos estancos. Se disse que los políticos no se preocupan del resto del país. Esto, que es verdad, es, sin embargo, injusto, porque parece atribuir exclusivamente a los políticos pareja preocupación. La verdad es que si para los políticos no existe el resto del país, para el resto del país existen mucho menos los políticos. Y qué acontece dentro de ese resto no político de la nación? Es que el militar se preocupa del industrial, del intelectual, del agricultor, del obrero? Y lo mismo debe decirse del aristócrata, del industrial o del obrero respecto a las demás clases sociales. Vive cada gremio hermeticamente cerrado dentro de sí mismo. No siente la menor curiosidad por lo que acaece en el recinto de los demás. Ruedan los unos sobre los otros como orbes estelares que se ignoran mutuamente. Polarizado cada cual en sus tópicos gremiales, no tiene ni noticia de los que rigen el alma del grupo vecino. Ideas, emociones, valores creados dentro de un núcleo professional o de una clase, no trascienden lo más mínimo a las restantes. El esfuerzo titânico que se ejerce en un punto del volumen social no es transmitido, ni obtiene repercusión unos metros más allá, y muere donde nace. Difícil será imaginar una sociedad menos elástica que la nuestra; es decir, difícil será imaginar un conglomerado humano que sea menos una sociedad. Podemos decir de toda España lo que Calderón decía de Madrid en una de sus comedias: Está una pared aquí /de la outra más distante / que Valladolid de Gante”.




[1] A bela metáfora foi criada por José Domingo Choquehuanca, descendente das nobrezas inca e espanhola, e que desempenhava o cargo de alcaide e justiça mor do distrito peruano de Azángaro, no Departamento de Puno (sul do Peru). Quando o Libertador Simon Bolívar passou pelo povoado de Pucara (2 de agosto de 1825), Choquehuanca o saudou com a famosa arenga que rezava assim: “Quiso Dios de salvajes formar un gran imperio y creó a Manco Cápac; pecó su raza y lanzó a Pizarro. Después de tres siglos de expiaciones ha tomado piedad de la América y os ha creado a vos. Sois, pues, el hombre de un designio providencial. Nada de lo hecho hasta ahora se asemeja a lo que habeis hecho, y para que alguno pueda imitaros será preciso que haya un mundo por libertar. Habeis fundado tres repúblicas que en el inmenso desarrollo a que están llamadas, elevan vuestra estatua a donde ninguno ha llegado. Con los siglos crecerá vuestra gloria, como crece el tempo con el transcurso de los siglos y así como crece la sombra cuando el sol declina”.
[2] Cf. Frederik PIKE, “Making the Hispanic World safe from Democracy: Spanish Liberals and Hispanismo”. Review of Politics, 1971.

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