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quarta-feira, 6 de abril de 2016

OS SOFISTAS E A REAÇÃO SOCRÁTICA

 
Os ensinamentos sofísticos segundo uma gravura francesa para ilustrar a obra de François Rabelais, Gargântua e Pantagruel (1564).
Com os Sofistas, Atenas virou o núcleo da reflexão. Os Pré-socráticos tinham aberto a sua meditação ao Cosmo e ao papel desempenhado pelo Homem nele. Neste novo período, Atenas ocupa o lugar central. Como organizar a cidade? Como participar da sua vida econômica, política e cultural? Essas são as novas preocupações, de que se desincumbiram, em primeiro lugar, os Sofistas. Entre os estes, destacam-se: Protágoras de Abdera (490 a. C.- 415 a. C), Híppias de Elis (460 a. C.-400 a. C.), Górgias de Leontinos (485 a. C. – 380 a. C.), Isócrates de Atenas (436 a. C-338 a. C.), etc. Uma frase de Protágoras sintetiza o espírito que marcou a reflexão dos Sofistas: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são e das coisas que não são, enquanto não são". Tudo é relativo às ambições humanas e à participação do Homem na Polis. A Retórica será a nova ciência que abre caminhos para a participação nos negócios atenienses. A elite social busca desaforadamente preparar os seus jovens para a nova “profissão”, que consiste em, mediante a argumentação clara e a palavra rápida, convencer os concidadãos de que o candidato é capaz de “falar em público” para defender os interesses de quem o elege.

Os sofistas eram, em geral, estrangeiros que tentavam a sorte em Atenas. As aulas de retórica eram bem pagas. E aqueles que tivessem sucesso encontrariam uma fonte certa de enriquecimento e de participação na vida da cidade. A Sofística era a chave de ouro para quem vinha de fora com a finalidade de tentar o sucesso rápido. A filosofia era utilizada como fundamento prático para a arte da retórica. Não interessava muito o aprofundamento conceitual nos problemas. A preocupação consistia, basicamente, em vender a arte da retórica, a fim de que o formando pudesse se sair bem nas discussões na praça pública ou “ágora”. Os sofistas estavam ali onde fossem chamados.

Os escritos dos Sofistas se perderam no tempo. Chegaram até nós fragmentos ou referências feitas principalmente por Platão, que foi o seu principal crítico. A essência dessa rejeição podia-se sintetizar assim: a vida da Polis é a culminância da vida do Homem, aquilo que lhe garante o pleno desenvolvimento espiritual e moral. Portanto, na formação dos jovens para a participação na vida ateniense, não pode ocupar o lugar alguém inescrupuloso que busca apenas o sucesso material. Platão considerava que a educação da juventude para a política deveria ser dever do Estado.   

Platão julgava que os sofistas não eram filósofos. Apesar disso, eles deixaram importantes contribuições à filosofia. Foram os primeiros a fazer uma distinção entre a physis (ordem natural) e a nomos (ordem humana). Afirmavam não haver uma verdade absoluta. Ensinavam que o que existia eram simples opiniões. Protágoras, com o seu princípio de que “o homem é a medida de todas as coisas”, defendia que cada homem seria a medida e o fundamento da sua própria verdade.

Os sofistas eram considerados como praticantes da polimatia, ou seja, tratavam de qualquer assunto. Falavam – como diriam os Escolásticos mais tarde, “de omni re scibili et de quibusdam aliis” [“acerca de tudo quanto pode ser sabido e de algumas outras coisas”]. Organizaram os seus ensinamentos num currículo integrado pelas seguintes disciplinas: gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música, deitando, assim, as bases para o sistema de formação da enkiklios paideia ou cultura humanística e enciclopédica que antecipava, na Antiguidade, o que hoje conhecemos como Ensino Básico e Humanístico.
Para os sofistas, a virtude poderia ser ensinada através dos seus longos discursos. Esta consistia, fundamentalmente, na arte da argumentação para convencer os outros e, assim, galgar degraus na vida da Polis (ou na Política). O ensino consistia numa profissão que deveria ser remunerada. Protágoras foi o primeiro sofista a aceitar pagamento pelos seus ensinamentos.

Os sofistas discutiram a sabedoria recebida dos antigos, bem como a heroicidade da civilização ateniense, alicerçada no espírito de luta para defender a Polis. As práticas culturais não eram mais do que convenções elaboradas entre cidadãos. Não haveria, portanto, na estrutura legislativa da Polis ateniense nada de sagrado. Toda a moralidade deveria ser referida a esse contexto de construção de consensos entre os cidadãos. O papel da Nomos (Lei) consistia em fixar momentos dessa convenção, que poderia ir se ajustando às necessidades do momento. Os pensadores clássicos, que surgiram da reação das elites atenienses contra esta visão descaradamente prática da existência, arrolaram os Sofistas como superficiais, corruptos e imorais.

Além do conhecido princípio de Protágoras de que "o homem é a medida de todas as coisas", surgiu dos ensinamentos sofistas a teoria do contra-argumento: contra qualquer argumento podia se opor outro argumento que tivesse maior verossimilhança perante o público. Os sofistas foram considerados, assim, os precursores da prática da advocacia. Eles cobravam dos seus clientes pela efetividade da sua argumentação em favor dos interesses daqueles. Eram, destarte, considerados por muitos, na sua época, como guardiões da democracia, ao defenderem a variedade de pontos de vista, levando sempre em consideração os interesses dos clientes. Sofística era originalmente o termo dado às técnicas ensinadas pelos sofistas. Com a crítica deflagrada pelos clássicos, este termo terminou perdendo a sua significação original e passou a ser considerado como uma espécie de defesa da mentira.

O principal ensinamento sofístico consiste, pois, numa visão relativa de mundo, a partir da defesa dos interesses individuais. Tal ensinamento entrava em choque direto com a hipótese dos pensadores metafísicos de que há um ser que fundamenta tudo e que é inamovível. A metafísica não era uma das preocupações sofísticas. Apenas interessava a retórica.

A Sofística defende o relativismo prático, destruidor da moral antiga da Polis, alicerçada no sentimento de honra e no valor de quem luta pela defesa da Cidade-estado. Os Sofistas eram chegados, em teoria do conhecimento, ao empirismo, e, do ângulo ético, se inclinavam pelo hedonismo e o utilitarismo. O único bem desejável é o prazer. A única regra de conduta é o interesse particular. Górgias declara plena indiferença em face de qualquer moralismo. Os sofistas consideram ser a lei um fruto arbitrário, sedimentado pela pura convenção. A natureza humana não é a racional, mas é apenas sensível, animal, instintiva.

A realização da humanidade perfeita consiste, portanto, única e exclusivamente no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos outros. Ora, tal domínio é necessário para possuir e gozar os bens terrenos, levando em consideração que estes são limitados e buscados freneticamente pelos demais homens. A verdadeira justiça, conforme à natureza material do homem, exige que o forte domine o fraco em seu proveito.

Quanto ao direito e à religião, a posição da Sofística é simplificadora, também, como na gnosiologia e na moral. A sofística desenvolveu uma forte crítica contra o direito positivo, em nome do direito natural. Mas este direito natural (bem como a moral natural) não seria o direito fundado sobre a natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal e instintiva. O direito natural é, portanto, o direito do mais poderoso, pois numa sociedade em que estão em jogo forças brutas, a força constitui o único elemento de ordem.

SÓCRATES (469-399 a. C.) E O DIÁLOGO COMO MÉTODO PARA A REFLEXÃO FILOSÓFICA

Sócrates serviu como hoplita (infante) no exército de Atenas. De temperamento religioso, foi avisado, pelo seu concidadão Querofonte, de que o Oráculo de Delfos o tinha declarado “o mais sábio dos atenienses”. Consciente de que os deuses o chamaram para uma missão de moralização de Atenas, dedicou-se a levar os seus concidadãos a que se conhecessem a si mesmos (seguindo a máxima délfica), mediante o exame das concepções que outros julgavam possuir a respeito de determinada virtude. Sócrates adotou o diálogo como forma de reflexão. Depois de duas ou três tentativas de dialogar com ele para responder aos seus questionamentos, o interlocutor se calava, derrotado. (Situa-se, aqui, o caráter aporético ou problemático do diálogo socrático). O interlocutor era conduzido à inevitável conclusão: “só sei que nada sei”, a partir da qual poderia começar a ser escutado “o demônio interior” (a voz da razão dentro de si). Nisso consiste a maiêutica (ou arte de dar à luz os conceitos), que é a disponibilidade para a sabedoria, que conduz à catarse, ou purificação das ilusões egoístas. Alicerçado nesse seu método de interiorização à procura da verdade, Sócrates partiu para uma crítica radical à Sofística, a qual consistia, segundo o pensador, no domínio da doxa (ou da opinião).
 
A morte de Sócrates (1787). Tela do pintor francês Jacques-Louis David. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque.
O filósofo, conseqüentemente, afrontou os poderosos da cidade e teve de encarar a fúria deles. Condenado à morte pelo Areópago de Atenas, ofereceu a sua vida como testemunho da validade da doutrina que ensinava. Segundo o ensinamento socrático, para bem agir não bastava alguém se pautar pelo que estava estabelecido pelo costume ou as leis da Polis, sem levar em consideração a voz da consciência. Sócrates, como Jesus, aperfeiçoou o conceito da moral, exigindo uma raiz de autenticidade no comportamento humano, que deveria se basear em convicções enraizadas no fundo da alma. O pensador grego tornou-se, assim, o precursor do modelo da ética da autenticidade, que seria sistematizado séculos mais tarde, por Immanuel Kant (1724-1804), na sua Fundamentação da metafísica dos costumes.

Platão (427-347 a.C.) realizou a sistematização da tradição socrática na Academia, fundada por ele em 387 a.C. e que funcionou durante aproximadamente 800 anos até 529 d.C., (quando foi encerrada por ordem do Imperador Justiniano I). Platão conservou a tradição do seu mestre nos Diálogos que levam o nome de “aporéticos”. O sentido geral do pensamento platônico é de superação das coisas fenomenais, apreendidas pelos sentidos (onta gignoména). É preciso ir dessas coisas até o ser verdadeiro, a Idéia (eidos). O domínio das Idéias é apresentado como aquilo que é estável, permanente. O domínio das coisas sensíveis, por sua vez, é apresentado como o reino do movimento. Mas, se há essa dualidade de domínios, existe, portanto, o problema da mediação entre ambas as instâncias.

Platão estendeu uma ponte entre esses dois pontos, que se apresentavam contrários no pensamento pré-socrático. De um lado, o Ser é imobilidade (o representante desta versão foi, sem dúvida, Parmênides de Eléia, embora o seu pensamento levasse em consideração, também, a finitude e o movimento). O segundo ponto, contrário ao anterior, pressupõe que o ser é mobilidade (sendo o representante desta versão Heráclito de Éfeso, embora ele reconhecesse, por sua vez, o pano de fundo de permanência em relação ao qual ocorre o movimento).

Numa primeira fase do pensamento platônico, o ser da Ideia é apresentado como permanência e imutabilidade. Mas, na segunda fase do seu pensamento, Platão coloca, cada vez mais claramente, o problema da relação das Idéias com as coisas. Paralelamente, é colocada a questão da relação das Idéias com o Sumo Bem. Destarte, Platão introduz o tema do movimento no reino das Idéias. Evidentemente, não se trata do mesmo movimento das coisas. O movimento das Idéias diz relação à ordenação do Cosmo. É o movimento da manifestação do Ser. 

Na atual conjuntura brasileira, em que se defrontam duas atitudes fundamentais: a do vale-tudo dos marqueteiros e dos seus associados, os políticos chamados de pragmáticos, dispostos a tudo comprar ou vender de acordo com as suas conveniências de momento, de um lado, e, de outro, a atitude dos representantes do Ministério Público e da Magistratura (secundados pelos milhões de cidadãos que reclamam justiça nas ruas e nas redes sociais), que tentam restabelecer os princípios da transparência e da ética na gestão do Estado, são de grande atualidade os ensinamentos dos Sofistas e dos seus críticos, representados inicialmente por Sócrates e, depois, por Platão e Aristóteles.

Bibliografia

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