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sexta-feira, 11 de março de 2016

E LA NAVE VA





Os tempos são tensos e os acontecimentos se aceleram com rapidez cinematográfica. Acho que a melhor imagem para retratar o Brasil nestas vésperas das grandes manifestações de 13 de Março é a do filme E La Nave Va de Frederico Fellini (1983), que relata a misteriosa viagem-funeral das cinzas (que seriam lançadas ao mar) de uma cantora lírica em torno à ilha grega onde ela nasceu. Na tresloucada viagem se destaca um nobre que teme pela integridade dos viajantes desse Titanic surrealista, diante da descoberta, no convés do navio, de um grande número de refugiados sérvios que fogem da turbulência desatada em 1914, na véspera do início da Primeira Guerra Mundial. A onírica viagem prossegue em meio a muitos eventos que não colam uns com os outros, mas nos quais se destaca a misteriosa presença, nos porões do transatlântico, de um rinoceronte moribundo acompanhado do seu cuidador que, na filmografia felliniana, segundo os críticos, representaria as organizações sindicais que perdiam força nas lutas sociais que pipocavam aqui e acolá antes da Grande Conflagração. 

Digamos que, para nós, a nave é o Brasil perdido no mare Magnum de acontecimentos que nos atordoam, que ora fazem o dólar despencar, ora fazem a divisa americana subir, acompanhando o sobe e desce das nossas expectativas. A nau perdida no imenso oceano seria o Brasil chefiado pela incompetência dilmista. O nobre que reclama da insegurança da viagem representaria a opinião pública que exprime temores em torno à estabilidade das instituições. O rinoceronte moribundo no porão não poderia deixar de ser o grande chefe que já foi levado a depor, sob escolta policial, e cujo pedido de prisão foi pedido pelo Ministério Público paulista, aumentando ainda mais a tensão entre os viajantes desse Bateau Îvre, diante da expectativa de o líder se refugiar taticamente no ministério dilmista para escapar do duplo enquadramento pela Justiça paulista e pelo juiz federal Sérgio Moro. Estou me lembrando, a propósito de “navios bebuns”, do poema (com o título acima mencionado) que Arthur Rimbaud, em 1871, com apenas 17 anos, escreveu, pouco antes de mergulhar/naufragar na tumultuosa relação com Paul Verlaine. O nosso Navio Bêbado seria, novamente, o Brasil mergulhado nas águas tempestuosas da política, em meio aos calores deste verão que não termina.

Mas nem tudo é incerteza na atual conjuntura. Sabemos que a Magistratura e o Ministério Público, nas suas instâncias federal e estadual, funcionam a contento. Na denúncia apresentada pelo Ministério Público paulista à Justiça, Lula é denunciado por ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro e incitamento à revolta contra as instituições republicanas, particularmente contra o Ministério Público e a Magistratura. Os Promotores paulistas mencionaram na peça acusatória, filme feito pela deputada Jandira Feghali, do PC do B, no qual, em segundo plano (imaginando talvez que estava em off) aparece o ex-presidente pronunciando xingamento inominável contra os Promotores e a Magistratura. Uma vergonha nacional! Segundo a denúncia que culmina com o pedido de prisão do ex-presidente, Lula era o mascote de vendas dos apartamentos do condomínio “Solaris” do Guarujá. O que a juíza da 4ª Vara da Justiça Criminal de São Paulo decidir a respeito, não sabemos. O texto da denúncia é longo (74 páginas) e bem fundamentado. Na parte final do Documento, os promotores paulistas citam o Assim falou Zaratustra de Nietzsche, quando o filósofo diz, pela boca de Zaratustra, que não há super-homens e que todos estão sujeitos à lei.

A equipe de Promotores da operação Lava Jato já tinha lembrado esse princípio há alguns dias atrás, quando Lula foi conduzido pela polícia federal para prestar esclarecimentos. Boa lembrança nestes tempos de cinismo lulopetralha que estabelece o conceito rousseauniano de soberania, segundo o qual uns são mais iguais do que outros, estando os militantes petistas e o seu chefe, claro, livres das amarras da lei. É o velho princípio leninista de pretender erguer um poder não controlado por leis. Bom, claro, apenas para eles. Ruim para o resto. É inaceitável, de todo ponto de vista, o chamado que Lula, irado, fez à militância para que se levantasse contra as decisões da Justiça e que a Presidente tivesse se solidarizado publicamente com ele, repetindo falsas acusações contra os Juízes e Promotores, como se eles fossem militantes partidários.

Que as instituições republicanas passam por uma crise, não há dúvida. Mas nem tudo está paralisado. É bom lembrar, como frisava o ex-presidente Fernando Henrique (“Cartas na mesa”, Estadão, 6 de Março, p. A2) que “(...) Algumas corporações do Estado (...) se robusteceram: partes do Ministério Público e da Polícia Federal, segmentos do Judiciário, as Forças Armadas e partes significativas da burocracia pública, como no Itamaraty, na Receita e em algum ministério, ou no Banco Central”. Esse segmento do Estado, aliado aos que, desde a Oposição, fazem a crítica no Congresso aos atuais desmandos, responderá ao que os brasileiros de bem exigimos nas ruas e avenidas: o fim da impunidade e da corrupção.


De quem será a titularidade do processo no caso do enquadramento do ex-presidente Lula? Da Justiça paulista ou da Justiça Federal, haja vista que corre no Paraná, sob a direção do juiz federal Sérgio Moro, processo similar ao apresentado pelos promotores paulistas? O STF, possivelmente, dirimirá a questão. Resta-nos, aos simples cidadãos, fazermos o nosso dever de casa: Vamos às ruas no domingo 13 para exigirmos o fim deste governo corrupto!

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