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sábado, 19 de março de 2016

A ESQUIZOFRENIA LULISTA


Um caso típico de esquizofrenia política: esse é o mal que acomete a Lula. Nas gravações obtidas com autorização da Justiça das suas conversas telefônicas com autoridades, amigos e militantes, Lula é o iconoclasta radical que não poupa ninguém. Considera-se aquele que pode, como Nero, incendiar não apenas uma cidade, mas o país inteiro. Revela-se uma personalidade megalomaníaca que se sente superior ao resto da Humanidade e, em decorrência disso, com direitos acima da média dos mortais. Não pode ser enquadrado pela justiça, como se isso fosse crime de lesa-majestade. A família do prócer é intocável, sendo criminosa qualquer autoridade judicial que ousar inquirir sobre bens adquiridos e investigar a sua esposa e filhos. Ai de quem duvidar da honradez absoluta do líder e dos seus colaboradores! Pior: o seu vocabulário constitui, como dizia Ruy Castro lembrando Buffon, em artigo memorável (“O estilo é o homem”, Folha de São Paulo, 16/03/2016), palavrório somente escutado em mictório de bar. O Supremo Tribunal Federal é “uma corte acovardada”. As demais autoridades judiciais são autoritárias e devem temer pelos seus atos descabidos de indagar sobre a origem dos bens do apedeuta e familiares. Os oposicionistas são desprezíveis, enfim, ninguém pode sequer tecer comentários negativos em relação ao cacique. Não menciono, obviamente, os palavrões e as expressões chulas com que são acompanhadas as avaliações do ex-presidente sobre os seus desafetos.

Na mesma linha de radicalismo situam-se documentos assinados por Lula, como a denominada “Carta de Olinda”, da lavra dos militantes petistas e com a qual o então candidato iniciou a sua campanha rumo à presidência da República, em meados de 2002. O documento era uma retomada do modelo radical de comunismo escancarado copiado de Cuba. Pau na iniciativa privada, briga com o capital internacional, generosidade oficial em face dos movimentos sociais, busca da igualdade proletária, combate aos ricos, reformulação da política externa seguindo os princípios do Foro de São Paulo, que Lula e Fidel Castro tinham fundado no início dos anos 90, com a finalidade de dar sobrevida, na América Latina, ao cadáver insepulto do comunismo, que tinha afundado no Leste europeu. Com essa plataforma Lula certamente não teria se eleito, e ficaria confinado aos eternos 15% do eleitorado. Lula se revelava, nesse documento, como autêntico líder messiânico que salvaria o Brasil da opressão da odiada burguesia internacional e dos seus filhotes tupiniquins.

A outra cara da dupla personalidade lulista é constituída por outras “Cartas” que, vez por outra, o ex-líder sindical encomenda aos seus marqueteiros e escribas. Uma delas, memorável, de autoria do seu marqueteiro, é a denominada “Carta ao Povo Brasileiro”, com que o candidato que não decolava nas pesquisas eleitorais esperava atrair a classe média na morna campanha de 2002.  Nesse documento, Lula utilizava um linguajar decente, não assassinava o português, revelava-se um socialdemocrata moderado que respeitaria a rotatividade do poder, bem como os compromissos internacionais que, no plano econômico e político, tinha assumido o Brasil. A opinião pública deixou-se seduzir, infelizmente, pela eloquência do documento em apreço e elegeu maciçamente o ex-metalúrgico para o seu primeiro quatriênio.

Outra “Carta” de feição moderada acaba de ser divulgada por Lula (“Carta Aberta” de 17 de Março de 2016) após o mal-estar causado pela revelação das gravações feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça, ao ensejo da trama do Palácio do Planalto e da direção petista para Lula integrar o gabinete da Presidenta Dilma, a fim de livrar o chefe da prisão que os procuradores do Ministério Público paulista tinham requerido e que foi encaminhada pela juíza responsável pela 24ª Vara da Justiça paulista para o Magistrado Sérgio Moro, por entender que este Juiz Federal já tinha adiantado bastante a investigação sobre os mesmos pontos tocados pelos procuradores paulistas. No documento em apreço, Lula se revela como um cidadão comum, que admite ser investigado pela Justiça, embora manifeste ressentimento pelo fato de a sua família ter sido também investigada e critique o fato de o Juiz Federal que o enquadrou para indagação com escolta policial em São Paulo, não ter levado em consideração o seu amplo direito de defesa. Mas a reclamação é feita sem xingamentos. O ex-metalúrgico apresenta-se com humilde reconhecimento de que não teve oportunidade de cursar estudos superiores, o que não lhe impede de ter um agudo senso moral para distinguir o certo do errado. Enfim, Lula é, na sua “Carta Aberta”, uma pessoa normal.


A opinião pública brasileira já matou a charada do duplipensar lulista e não se deixa mais enganar. Lula não convence ninguém com os seus dois estilos contrastantes. Ele é um patife notável, que fez uso do poder sem escrúpulos, que se enriqueceu ilicitamente e que não dá explicações adequadas quando é cobrado pelos seus antigos eleitores. Sem ser a boia de salvamento (que os petralhas imaginavam) para o atual governo em fim de linha, a sua presença é mais um buraco no navio petista, que já faz água. É um peso morto que Dilma, na sua falta de previsão política, convidou para pilotar o navio que é ameaçado pelas tempestades que se desenham no horizonte da Lava Jato e do processo de impeachment que ela enfrenta. Problema dela que termina atingindo também, infelizmente, os cidadãos de bem, pelas dificuldades que a incômoda presença do marujo do caos está criando, na difícil tarefa de reerguer a economia do País bastante abalada pela roubalheira petralha. Lula está mais, como diria Mário de Andrade em Macunaíma (1928), para “herói sem nenhum caráter”.

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