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terça-feira, 13 de outubro de 2009

CRÔNICA BRACARENSE - PORTUGAL MODERNO E O BATACLÃ DAS MENINAS


A bela Praça da República, no centro de Braga


Este cronista flanando no centro de Braga. À direita, outdoor da recente campanha para as eleições municipais


Banhos romanos recentemente descobertos na parte alta de Braga - A cidade é importante centro de estudos arqueológicos


Damas bracarenses conversam animadamente no fim de tarde na cafeteria A Brasileira - Elas parecem não temer mais "O bataclã das meninas"


Planejamento municipal moderno ampliou, em Braga, as áreas de lazer - Aspecto da Av. Liberdade


Braga: políticas eficientes para preservação do rico passado medieval


Tenda do Conhecimento no centro de Braga: Portugal aposta nas novas tecnologias da informação



O título do meu comentário é meio medieval. Tiremos o meio: é medieval mesmo. É que esta bela cidade, Braga, da metade do tamanho de Juiz de Fora (perto de 200 mil habitantes, aproximadamente), tem tudo a ver com a Idade Média. Desde a imponente Sé (do século XI), passando pela antiqüíssima Faculdade de Filosofia (incorporada hoje à Universidade Católica Portuguesa), até as ruelas e prédios da cidade velha, tudo respira séculos de história. Isso sem falar da remotíssima história pre-romana e romana de Bracara Augusta, capital da Província de Callaecia, que abrangia o norte da Península Ibérica, entre o Mar Cantábrico e a atual Galícia.

Visito regularmente Portugal desde os remotos idos de 1986, quando, pela primeira vez, vim em companhia do saudoso amigo e colega da Universidade Gama Filho e da UERJ, Ítalo Jóia, para participarmos de evento promovido pelo também saudoso Eduardo Abranches de Soveral, ao ensejo do primeiro curso de pós-graduação em Pensamento Português, organizado por ele na Universidade do Porto. O caro Mestre Soveral queria estimular os seus alunos a debaterem temas ligados ao diálogo entre as Filosofias Portuguesa e Brasileira. Esse esforço, empreendido também por Antônio Paim, Antônio Braz Teixeira e José Esteves Pereira, deu ensejo aos Colóquios Luso-Brasileiros de Filosofia, cuja 8ª edição teve lugar recentemente em São João Del Rei, sob a coordenação de José Maurício de Carvalho.

O interessante de Braga é que a tradicional cidade constitui um paradigma do que é, hoje, Portugal, no meio da Europa unificada. É um país que descobre a sua tarefa no mundo globalizado, dando relevo à tecnologia da informação e às aplicações da mesma em setores muito concretos como os softwares para a indústria aeronáutica (Portugal está fechando um contrato, com essa finalidade, com o Massachussets Institute of Tecnology – MIT). Também são contempladas aplicações da informática para a gestão do conhecimento. Ora, essas variáveis permitem a este pequeno país passar a competir, com qualidade, ao lado de potências mais extensas e com economias altamente industrializadas como a Espanha, França, Inglaterra ou Alemanha. Nesse esforço de modernização estão comprometidas Universidades como a do Minho, com sede em Braga, e a tradicional Universidade Católica Portuguesa (com campi em Braga, Porto e Lisboa). A proverbial disciplina dos scholars portugueses está a mostrar que é possível abrir a vida acadêmica às exigências tecnológicas da atualidade, sem sacrificar os estudos humanísticos nem o bom nível das pesquisas e do ensino. Portugal está evoluindo rapidamente para se transformar, como a Irlanda, em reconhecido centro de alta tecnologia da informação. As Universidades brasileiras terão muito a ganhar se souberem explorar este novo terreno de cooperação acadêmica.

Chama-me a atenção, em Portugal, a vitalidade da gestão municipal. Neste final de semana houve processo eleitoral para renovar as Câmaras de Vereadores, em todo o país. Conversando com professores da Universidade e com pessoas comuns, vejo que há um movimento conservador no critério de renovação das Câmaras Municipais. É claro que nas recentes eleições houve mudanças significativas, como em Lisboa, onde o eleitorado deu espaço aos socialistas na organização da Câmara Municipal. Mas o que se observa no país, em geral, é que os cidadãos conferem um voto de confiança ao partido que está fazendo gestão responsável dos serviços municipais. Em Braga, por exemplo, governam os socialistas de tendência mais conservadora há várias décadas. Em Évora, para dar outro exemplo, desta vez no sul do país, era proverbial a qualidade da gestão municipal efetivada pelos comunistas, na década passada. A vida municipal é pujante em Portugal e aí reside o segredo da sua democracia. Afinal, como diz o ditado popular, “as pessoas moram no município”. E é aí que deve começar a vida democrática. Lembro Tocqueville que dizia ser o Município a escola primária da Democracia.

No Brasil, pelo contrário, temos centralização demais e vida municipal de menos. Os sucessivos governos – e o petista foi o que mais exagerou na dose – tornaram os Municípios reféns da União. É vergonhoso ver como os Prefeitos, humilhados, têm de ir em romaria a Brasília para mendigar o Fundo de Participação dos Municípios, que o Governo Federal distribui a conta-gotas e com critérios clientelísticos. Nova lição que nós, Brasileiros, devemos aprender dos Portugueses. A nossa sociedade seria infinitamente mais justa, se os Municípios pudessem contar com os recursos que arrecadam. E se aqueles Municípios que não conseguem se sustentar com os próprios recursos passassem a integrar outras unidades municipais. Exagerou-se, no Brasil, na dose de criação de Municípios, sem que muitos deles tivessem a capacidade mínima para sustentar as suas Câmaras Municipais e gerir os seus próprios recursos. Daí a dependência do favor da União.

Uma breve anedota que me foi contada por um professor universitário português. Há vários anos, as damas tradicionais da sociedade bracarense oficiaram ao Prefeito da cidade, a fim de que tomasse medidas contra as casas de prostituição. Tinha acontecido o seguinte: jovens brasileiras organizaram, no município, o “Bataclã das Meninas”, com tremendo sucesso. Também pudera! Os maridos encontravam em casa, ao regressar, no final do expediente, esposas vestidas de preto e com o tradicional “buço”. Não poucos deles corriam ao famoso “Bataclã”, onde encontravam jovens jeitosas. Resposta do Prefeito às senhoras bracarenses: “não posso derrubar, com portarias municipais, as leis do mercado”. Bom, a estória, certa ou não, revela, de todas as formas, as mudanças sociais que este país passou a experimentar com o ingresso na Comunidade Européia. Portugal não foi engolido pelos vizinhos mais poderosos, como muitos temiam. Encontrou o seu nicho de mercado, numa Europa cada vez mais agressiva em termos comerciais. E as relações sociais mudaram no sentido de as pessoas descobrirem as coisas boas da vida, como a liberdade individual e a alegria do lazer, abandonando ranços tradicionalistas. Acho que a estória do “Bataclã das Meninas” tem muito de pilhéria. Vi, hoje de tarde, na Cafeteria “A Brasileira”, na exclusiva Rua de São Marcos, no centro nobre da cidade, conversando animadamente e tomando cerveja, a um grupo das outrora damas tradicionais da sociedade bracarense. Elegantes, bonitas, sem nada que lembrasse as donas de casa vestidas de preto e com buço. Portugal mudou e para melhor. Viva a modernidade!

2 comentários:

  1. Gostei! Você, com este artigo, conegue derrubar aquele preconceito que AINDA temos contra nossos antepassados lusitanos. Aliás, temos preconceitos contra todos os nossos antepassados: pretos, índios, cobra d´água, saci, etc. Somos um povo preconceituoso, metido a besta, e que não passa, na cabeça dos gringos, de bundas femininas volumosas e apetitosas, que mulheres nuas expõe na Carnaval. A verdade é que este é um país que poderia ter sido mas não foi. E temo que nunca será.

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  2. Papito:
    Me encantó tu artículo sobre Braga. Seguro que deberíamos aprender con nuestros ancestros. Pero es cierto lo que dice la gatosinha. Tenemos prejuício de mirarnos en el espejo. Por eso debe ser que no tenemos memória.

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