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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

CRÔNICA BRACARENSE II – AS MULTIPLAS FACETAS DE BRACARA AUGUSTA E GUIMARÃES


Panorâmica da cidade de Guimarães, desde o Castelo


O autor desta crônica no Castelo de Guimarães.


Estátua de Afonso Henriques, fundador da Monarquia Portuguesa, em Guimarães


Guimarães: berço da nacionalidade portuguesa


Catedral de Braga: construída no século XI, é um belo exemplo do estilo românico português




Museu arqueológico Dom Diogo de Sousa, situado na parte alta de Braga: passado celta e romano belamente preservado


Parque arqueológico das Termas Romanas, na parte alta de Braga


Banhos romanos na parte alta de Braga: o "caldarium", entrada da piscina de águas quentes


Aviso indicativo das ruínas romanas da antiga Bracara Augusta



“Bracara Augusta”: foi este o nome dado pelos romanos à cidade de Braga, em 16 a. C., quando a fundaram em homenagem ao Imperador Augusto. Diocleciano a elevou ao rango de capital da província romana de Callaecia, que se estendia por todo o noroeste da Península Ibérica, abarcando a atual Galiza portuguesa, bem como a Galícia espanhola, e indo das margens agrestes do Rio Douro até as praias do Mar Cantábrico, no país basco, na Espanha. A Callaecia integrava as regiões (ou conventus juridici) de Braga, Astorga e Lugo. O distrito de Braga abrangia 24 cidades, sendo um dos principais centros administrativos dos Romanos na Península Ibérica.

A pré-história da região se perde no nevoeiro dos tempos. Ao longo das Idades do Bronze e do Ferro, foi habitada pelos Brácaros, tribo celta em cuja lembrança os Romanos cunharam o nome de Bracara, ou Braga. O Cristianismo chegou à região antes do ano 303, em plena Era Apostólica. Por esse tempo ocorreu a perseguição de Diocleciano, bem como o martírio de São Victor, originário de Braga.


Quando os Bárbaros invadiram o Império Romano no século V, os Suevos apoderaram-se da antiga Callaecia, convertendo Bracaria Augusta na capital do novo reino. Em 448 o rei dos Suevos, Réquila, convertia-se ao Cristianismo, 50 anos antes do batismo de Clóvis, rei dos Francos. Em 585, o reino dos Suevos foi conquistado pelos Visigodos. A partir de 716, com a invasão muçulmana, a cidade de Braga foi várias vezes arrasada. A lenta reconquista dos reinos cristãos da Península Ibérica, das mãos dos muçulmanos, começa com o reinado de Afonso III de Astúrias (866-910), mas somente a partir do século XI é que Braga volta, de forma definitiva, ao domínio dos cristãos. A bela Catedral da Sé, em estilo românico, data desse tempo.

A cidade de Braga, bem como a região que a circunda, incluindo Guimarães, é testemunha viva desse precioso passado. Não é à toa que um dos cursos que mais se destaca na Universidade do Minho, na sua sede bracarense, é o de arqueologia. Devemos lembrar, outrossim, que Braga possui um dos mais belos museus arqueológicos da Península Ibérica, o denominado “Dom Diogo de Sousa”, com coleções de objetos dos períodos do Paleolítico e da Idade do Ferro recolhidos na região do Minho, bem como com utensílios provenientes da velha cidade (Bracara Augusta), que revelam a integração dessa urbe ao Império Romano e destacam as tecnologias da época no trabalho do vidro e da cerâmica, por exemplo, ou aspectos da vida religiosa e familiar dos habitantes. Na parte inferior do museu encontra-se, excelentemente preservada, uma habitação da época romana, ornada com um mosaico, em estado de conservação tão perfeito quanto os espaços domésticos achados em Pompéia e Herculano. Além do Museu Arqueológico, a municipalidade de Braga abriu para visitação, na parte alta da cidade, as antigas Termas Romanas, com um magnífico trabalho de recuperação arqueológica que em breve possibilitará a abertura ao público de um Teatro, anexo às Termas. Subindo pela Avenida Liberdade, que corta o centro da cidade, o visitante pode observar, outrossim, os trabalhos de reconstrução de uma necrópole da época romana, bem ao lado de exclusivas lojas de moda e joalharias.

No que tange à história medieval, é evidente que Braga possui, também, monumentos de renome, como a já mencionada Sé, além de outras Igrejas. Mas o grande centro da memória medieval da região do Minho é a belíssima cidade de Guimarães, Patrimônio Cultural da Humanidade. O burgo encontra-se rodeado de monumentos pré-romanos (denominados de citânias ou castros) como Briteiros, Sabroso, Picoto de Santo Amaro, etc. constituídos por construções em pedra que se remontam à cultura celta. Guimarães foi fundada na Alta Idade Média, no século X, ao redor da primitiva fortaleza construída em 968. O Castelo de Guimarães teve grande importância na primeira etapa da história de Portugal, pois foi nele que se firmou o poder de Afonso Henriques sobre o Condado Portucalense, no exato momento em que ele foi aclamado “príncipe” pelos guerreiros de antigas famílias senhoriais, em 1128. As origens da Nação Portuguesa confundem-se com a história do Castelo de Guimarães, que foi o centro da primeira monarquia, instituída em 1139 por Afonso Henriques, na batalha de Ourique. Em 1179 o rei português recebia o reconhecimento da Santa Sé, após hábeis negociações que garantiram a independência definitiva em relação a Castela. Após longa época de abandono, durante os séculos XVI a XIX, o Castelo de Guimarães foi reconstruído nos tempos do Estado Novo, na década de 1930, sendo hoje uma magnífica jóia da arquitetura medieval, plenamente recuperada, ao lado do Palácio dos Duques de Bragança.

É flagrante a rivalidade existente entre Braga (180 mil habitantes, aproximadamente) e Guimarães (51 mil habitantes), do ponto de vista do significado de ambas as cidades para a história de Portugal. Se a primeira representa, a meu ver, o passado grandioso da cidade romana (Bracara Augusta), a segunda urbe, identificada com as origens medievais da Nação, pode ostentar, com justiça, a honraria de ser a Capital Histórica de Portugal. Do ponto de vista do visitante, Guimarães é uma jóia arquitetônica bem representativa do que é um autêntico burgo medieval, ao passo que a velha Braga sintetiza, de forma harmoniosa, todas as fases históricas da região do Minho, desde as suas origens pré-romanas, passando pela capital imperial da Callaecia e do reino dos Suevos, até se projetar para os tempos modernos, como centro comercial e universitário.

Do ângulo da história portuguesa contemporânea, Braga e Guimarães, bem como a cidade do Porto, vizinha delas, constituem as fontes do pensamento libertário e das políticas democráticas inspiradas nesse espírito. Foi do Norte de onde surgiram as forças liberais e democráticas que venceram aos comunistas, que tinham tomado posse do Estado Português após a “Revolução dos Cravos”, em meados dos anos 70. Essa onda liberal-democrática partiu para refundar as instituições republicanas num contexto de defesa das liberdades, do mercado e da abertura à Europa. Processo que, hoje, felizmente, está consolidado e garante a plena inserção do velho Portugal na modernidade.

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