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domingo, 26 de abril de 2020

O DESPOTISMO ORIENTAL COMO TIPO SOCIOLÓGICO: A RÚSSIA E A CHINA


Os conceitos sociológicos fundamentais para entender o Estado Patrimonial foram desenvolvidos, basicamente, por dois grandes pensadores alemães do século XX: Max Weber (1846-1920) e Karl Wittfogel (1896-1988). Para entendermos o que se passa na América Latina no plano político, com a presença diuturna de Estados autoritários que tentam aberturas democráticas, mas que, volta e meia, derrapam no autoritarismo, torna-se necessário lembrarmos alguns conceitos básicos desses autores.

É o que tentarei fazer nas próximas páginas, tendo como ponto referencial a exposição sumária do pensamento de ambos os sociólogos Aproximarei o conceito de Patrimonialismo de duas formações sociais nas quais, segundo Weber e Wittfogel, vingou, na modernidade, a modalidade patrimonialista de Estado: a Rússia e a China. Farei essa aproximação, em decorrência do fato de estes países se apresentarem, a partir do século XX, como modelos a serem seguidos, na implementação das “revoluções” e / ou das medidas reformistas que tencionam os países latino-americanos, como alternativa ao modelo proposto pelo mundo desenvolvido, nos Estados contratualistas em que vingou a economia capitalista.

Serão desenvolvidos, neste artigo, três itens: I - O Patrimonialismo contraposto ao Feudalismo, segundo Max Weber. II - Patrimonialismo e Despotismo Oriental, segundo Karl Wittfogel. III – A Rússia e a China, no contexto dos BRICs.

I - O Patrimonialismo contraposto ao Feudalismo, segundo Max Weber.

Max Weber entende o Estado como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força dentro de um determinado território”.[1]

Portanto, a noção básica de Estado, para ele, é a de violência legalizada. A política, nesse contexto, pode ser definida como o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar na divisão do mesmo, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado. O poder, para Weber, pode ser valorizado em si mesmo, sem que necessariamente tenha que estar referido a outros fatores, por exemplo, os econômicos. O Estado, suposta essa concepção da política e do poder, só pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos que exercem a dominação. Surgem, aí, estas questões: em que condições se submetem aqueles e por quê? Em que justificativas internas e em que meios externos se apoia essa dominação?

Weber distingue três tipos puros de dominação legítima, que não se materializam, enquanto tais, mas que podem caracterizar, em maior ou em menor grau, misturando-se, as concreções históricas do Estado. Esses três tipos de dominação são: a racional, a tradicional e a carismática. Na primeira, a autoridade de quem exerce a dominação alicerça-se na crença da comunidade respectiva na legitimidade da ordem estabelecida. Na dominação tradicional, a autoridade alicerça-se na crença da comunidade em certas tradições que a consagram. Na dominação carismática, a autoridade alicerça-se na crença da comunidade no valor excepcional que para ela encarna uma determinada personalidade.

No seio da dominação tradicional, Weber distinguiu dois tipos básicos: o Patrimonialismo e o Feudalismo. No contexto deste último, prevalece o “feudalismo de vassalagem ocidental”, cujo caráter fundamental reside no fato de que o poder do nobre proprietário da terra (ou barão) não procede diretamente do soberano, ensejando, assim, relações não de subordinação pura e simples, mas de caráter contratual, que implicavam, evidentemente, numa limitação do poder deste último.

O exemplo mais puro deste tipo de feudalismo é encontrado por Weber na Inglaterra, onde vários fenômenos concomitantes contribuíram para a limitação do poder do monarca, entre os quais cabe mencionar: a - a conservação da grande propriedade fundiária em mãos dos barões; b - o papel desempenhado pela gentry (classe média rural), que não se deixou burocratizar pelo príncipe; c - o poder desenvolvido pelos juízes de paz; - a participação dos notáveis no governo, graças à instituição parlamentar; - a redução, ao mínimo, da administração burocrática.

O Patrimonialismo é caracterizado por Weber como aquela forma de dominação tradicional em que o soberano organiza o poder político de forma análoga ao seu poder doméstico. Ao lado da organização do poder político segundo o modelo doméstico, é igualmente essencial ao Patrimonialismo a estruturação do quadro administrativo, através do qual se exerce a dominação. Quando esse quadro recebe do soberano, ou conserva, com o consentimento dele, determinados poderes de mando e as suas correspondentes vantagens econômicas, temos o que Weber chama de dominação estamental.

A expressão mais extremada da dominação patrimonial é, para Weber, a patriarcal, que é caracterizada como pré-burocrática.  Nela, a autoridade não se baseia no dever de servir a uma “finalidade impessoal e objetiva” (como acontece na dominação racional), obedecendo a normas abstratas, mas justamente no contrário: na submissão ao pater-famílias, em virtude de uma devoção rigorosamente pessoal. A expressão original do patriarcalismo é a autoridade paterna no seio da comunidade doméstica. O Patrimonialismo é uma extensão dessa autoridade tradicional para além das fronteiras do lar, conservando o aspecto doméstico de uma administração não racional e os traços privatizantes da autoridade unipessoal e do direito costumeiro, sendo que no âmbito patrimonial, como frisa Weber, a submissão pessoal ao senhor “garante como legítimas as normas procedentes do mesmo”.[2] 

Weber encontra no Antigo Egito, no Império Chinês e na Rússia Czarista três casos típicos de dominação patrimonial. O Antigo Egito foi o primeiro regime burocrático-patrimonial. Desenvolveu-se originariamente a base da clientela real. A necessidade de uma política unitária, em decorrência das condições físicas, levou a um aprimoramento burocrático mediante a ascensão da casta dos escribas e a institucionalização do trabalho compulsório da população livre nas obras públicas. O resultado desse modelo de dominação patrimonial é assim caracterizado por Weber: “Todo o território pareceu ser um só e único oikos (domicílio) real, junto ao qual, como entidades aproximadamente equivalentes, existiam só os oikos (domicílios) dos sacerdotes do templo. E assim foi tratado, do ponto de vista jurídico, pelos romanos”.[3] 

Além dos trabalhos hidráulicos, feitos na China mediante um sistema de serviço compulsório dos habitantes livres, Weber salienta a presença de um fator que reforçou o Estado Patrimonial: a religião oficial. Esse papel foi desempenhado pelo confucionismo, que dava base à virtude cardeal da piedade filial, não só no meio doméstico, mas também no âmbito das relações de subordinação dos funcionários em relação ao soberano, dos funcionários inferiores em relação aos superiores e, principalmente, dos súditos perante o estamento burocrático e o monarca. Em relação ao outro caso-tipo de dominação patrimonial, o Estado russo, Weber salienta a supremacia do Czar, mediante a atomização da nobreza, graças ao sistema de sinecuras criadas pelo soberano ao redor dos cargos tschin, que estavam à testa do estamento burocrático e do exército.

Weber enfatiza o caráter centrípeto do Patrimonialismo, que conduz a pôr em prática medidas tendentes à concentração e à perpetuação do poder unipessoal do monarca. Isso leva à valorização, no contexto patrimonialista, das funções administrativas apropriadas ou controladas pelo soberano, como instrumentos que garantem o seu poder. Por isso, sob esse ângulo, o Patrimonialismo colide frontalmente com o Feudalismo, que promove a redução das funções burocráticas. A fim de controlar qualquer surto de dignidade (de autoridade baseada nos sentimentos de independência e honra das camadas nobres), a dominação patrimonial manipula as massas desprotegidas mediante o paternalismo de Estado, ensejando assim o ideal do “pai do povo”, tão comum em contextos patrimoniais, como o russo. Essa idéia associou-se à permanência do Patrimonialismo na época moderna, pelo menos no Ocidente.

Outras práticas patrimonialistas dirigidas ao fortalecimento do poder central do monarca são as cargas tributárias, a concessão de sinecuras aos servidores fiéis, o desmembramento da propriedade fundiária a fim de impedir o fortalecimento da nobreza, a divisão de competências entre os funcionários locais para que não acumulem poder excessivo, o emprego de funcionários totalmente dependentes, a organização de exércitos armados e mantidos pelo soberano (exércitos patrimoniais), a utilização, por parte do senhor patrimonial, dos serviços de intermediação por delegação aos senhores territoriais locais (no caso em que tivesse sido impossível a eliminação total da autoridade deles), etc.

O caráter de intermediação por delegação conferida pelo soberano patrimonial aos senhores territoriais locais, bem como a feição dinâmica do seu relacionamento com eles, são explicados por Weber nestes termos: “A camada dos senhores territoriais locais exige, sempre (...), que o príncipe patrimonial não atente contra o seu próprio poder patrimonial sobre os súditos, ou o garanta diretamente. Por conseguinte, exige, sobretudo, a supressão de qualquer intervenção dos funcionários administrativos do príncipe na esfera de seu domínio, quer dizer, exige imunidade. Pela sua natureza, o senhor territorial pretende ser a autoridade por meio da qual o soberano deva entrar em relação com os súditos. À sua autoridade deve subordinar-se a responsabilidade criminal e tributária dos mesmos. A ela deve ser confiado o recrutamento militar, a arrecadação e a aplicação dos impostos. E como o senhor territorial deseja aproveitar para si mesmo a capacidade de prestação (de serviços) dos súditos (...), reduz, no possível, ou determina a parte que deve corresponder ao soberano patrimonial”.[4] Exemplo desse relacionamento – magnificamente ilustrado, aliás, por Oliveira Vianna (1883-1951)[5] em Populações meridionais do Brasil e em Instituições políticas brasileiras – foi a administração colonial do Brasil.

A utilização da força armada por parte do soberano patrimonial, é colocada por Weber em estreita relação com os serviços extraordinários que podem ser exigidos aos súditos, sendo, de outro lado, como já frisamos, um meio eficaz para garantir a dominação. O “exército patrimonial” pode ser de muito diversa procedência; essa tropa poderá compor-se de escravos dominados patrimonialmente, arrendatários, colonos, jovens recrutados dos povos submetidos, súditos recrutados por conscrição entre as massas camponesas, etc.  Oliveira Vianna faz uma detalhada análise da forma em que o patronato rural brasileiro organizou verdadeiros exércitos patrimoniais de mulatos, índios e mamelucos, para proteger o latifúndio e ampliar os seus domínios.

Frisávamos que a dominação tradicional, para Weber, abrange dois tipos fundamentais: o Patrimonialismo e o Feudalismo. A distinção entre ambos, no entanto, não é estática, mas dinâmica. Quer dizer: o trânsito das formas patrimoniais de dominação às feudais realiza-se, através da presença de elementos que se contrapõem ao poder unipessoal do príncipe, de forma que, historicamente, organizações sociais como a inglesa que, em determinados períodos, estiveram submetidas a uma dominação com fortes tendências patrimoniais podem, graças ao desenvolvimento de forças sociais novas, evoluir até formas diferentes, semelhantes às provenientes do mundo feudal. É de capital importância salientar a importância da descoberta ensejada pelos estudos de Weber: o moderno constitucionalismo europeu veio do Feudalismo que, em alguns casos, conseguiu superar o Patrimonialismo. Assim explicaríamos as democracias sociais do continente europeu e, logicamente, a primeira materialização da democracia representativa na Inglaterra, após a Revolução Gloriosa de 1688 e o advento da Monarquia Constitucional. 

Em outros países, no entanto, como na Península Ibérica e no leste europeu, a história do Patrimonialismo seria mais longa, projetando-se até os nossos dias. Segundo o próprio Weber[6] salientou, a adoção do sistema representativo deve ser valorizada, como modalidade de fixação dos limites em que se pode exercer a violência. Em outros termos, o sociólogo alemão remete ao conceito de legitimação-dominação no contexto do governo representativo, o único que permite passar de um Obrigkeitsstaat (Estado das autoridades) de inspiração patrimonial, a um Volksstaat (Estado do povo), que revive a tradição feudal de controle moral ao poder. Mas, para isso, reconhece a necessidade de ser fortalecido o Parlamento, incumbindo-o de funções de governo e de controle sobre o aparelho burocrático do Estado, e colocando-o a salvo de vícios que poderiam esvazia-lo como, por exemplo, a adoção de uma modalidade exclusivamente corporativa de representação.

O Patrimonialismo é, portanto, passível de superação, se chegando até formas de governo que adotem a democracia representativa. Podem surgir, no entanto, elementos modernizadores que visem, apenas, aprimorar “de forma planejada a capacidade tributária” do Estado, bem como criar monopólios que funcionem racionalmente. Nesses casos, a atuação racionalizadora do Estado Patrimonial torna-se semelhante à administração burocrática, sem chegar, contudo, à superação do Patrimonialismo. O único motivo (que leva o soberano patrimonial a aceitar esse tipo de atuação racional) é o perigo representado pela concorrência de vários poderes patrimoniais inferiores. Nesse contexto, o poder patrimonial busca se apoiar nos estamentos profissionais, a fim de conjurar o risco de desestabilização do seu poder unipessoal.[7] Essa parte da doutrina weberiana ensejou, no seio da sociologia brasileira, a significativa contribuição representada pelo conceito de patrimonialismo modernizador.

II - Patrimonialismo e Despotismo Oriental, segundo Karl Wittfogel.

Este autor ensejou, no seio do marxismo, uma ampla discussão ao redor do conceito de despotismo oriental com a publicação, em 1957, de sua obra que leva o mesmo título[8] e que foi considerada, no mundo comunista, como assaz provocadora.[9] Marxista alemão, no primeiro pós-guerra escreveu obras teatrais, bem como estudos de sociologia geral e realizou pesquisas de história econômica e social da China (campo no qual é considerado um dos pioneiros). Durante vários anos Wittfogel foi disciplinado membro do Partido Comunista, tendo recebido de Trotsky (1879-1940), em 1923, a incumbência de estudar as características despóticas da Rússia czarista. No entanto, Wittfogel preferiu pesquisar, diretamente na China, o modelo asiático assinalado por Karl Marx (1818-1883) e que foi denominado, posteriormente, de “despotismo oriental”.

Durante alguns anos, Wittfogel foi um dos especialistas do Komintern para assuntos do Extremo-Oriente, tendo colaborado em importantes revistas. Como o próprio autor confessa, desde 1920 as suas pesquisas sobre o despotismo oriental eram mal vistas por Josef Stalin (1878-1953), que temia ver desmascarada, pelos próprios intelectuais do Partido Comunista, a feição despótico-oriental que empolgara a Revolução Bolchevique e o regime instaurado em 1917. Em 1931, após a publicação da obra intitulada: Economia e sociedade na China, Wittfogel foi censurado pelo PC, no debate realizado em Leningrado sobre o modo de produção asiático. Em 1933, o sociólogo alemão foi internado pelos nazistas num campo de concentração. Libertado, empreendeu nova viagem de estudos na China (1935-1937). Em 1938, quando Stalin condenou oficialmente a chamada “tese geográfica”, que visava censurar a teoria asiática de Marx, Wittfogel teve de se refugiar nos Estados Unidos, onde ensinou história chinesa na Universidade de Washington (em Seattle), a partir de 1945 até sua morte, ocorrida em 1988.

Wittfogel, como marxista, interessou-se pela análise acerca do modelo de produção asiática, que sempre constituiu motivo de grande perplexidade para os partidários daquela doutrina, porquanto sugere que o modelo desses modos de produção (em que se baseavam para afirmar a substituição do capitalismo pelo socialismo), somente poderia ser aplicado à Europa. Se a doutrina da sequência histórica dos modos de produção (escravagismo, feudalismo, capitalismo, socialismo) não se revestisse de universalidade, então as famosas previsões marxistas quanto à marcha inexorável da humanidade para o socialismo ver-se-iam minadas pela base. Além disto, sendo o Estado uma criação da sociedade, como poderia dar-se o fato – expresso precisamente no modelo asiático – de que se tenha criado um Estado mais forte do que a sociedade? Radicalizando dessa forma a questão, Wittfogel iria identificar a origem do Estado mais forte do que a sociedade, nos grupos sociais que se formaram em torno das áreas irrigadas.

No detalhado estudo que o sociólogo alemão dedicou à questão, o essencial consiste no fato de que a agricultura irrigada estabelece um tipo de propriedade que não se pode transmitir por herança ou, em outros termos, que não se pode fracionar. Esse tipo de propriedade exigiu um sistema defensivo contra as populações circunvizinhas sujeitas às intempéries naturais, bem como trabalhos regulares de conservação e toda uma administração centralizada. Esses fatores ensejaram instituições políticas extremamente estatizadas e submetidas a um poder central de tipo patrimonial e absolutista. Ao fazer essa identificação, Wittfogel automaticamente ultrapassava a camisa de força em que o marxismo pretendera enquadrar a realidade, retomando a melhor tradição da sociologia alemã, iniciada por Weber.

As mais representativas manifestações das sociedades hidráulicas apareceram, segundo Wittfogel, na Índia, na China, no Meio Oriente e, no continente americano pré-colombiano, na América Central, no México e no Peru. Além disto, tais formas de organização social foram transplantadas a outras civilizações. Exemplo ilustrativo dessa incorporação de estilos governamentais despóticos (áreas geográficas que Wittfogel denomina de zonas marginais ou submarginais, em relação aos centros de economia hidráulica) são os traços encontradiços na Rússia pré-mongol e o processo ulterior de introdução do despotismo oriental naquela região do mundo, independentemente do desenvolvimento da agricultura irrigada. Tal foi o caso, também, de Bizâncio, dos califados árabes (incluída a Península Ibérica durante os oito séculos de dominação muçulmana), da Turquia otomana, etc.

Essas influências, no entanto, bem como a que, no decorrer do século XVI, proveio da Turquia otomana, não foram as responsáveis pela perda de identidade feudal da Rússia de Kiev. A influência decisiva, que destruiu a fidelidade kieviana e deitou os alicerces do Estado despótico de Moscóvia e da Rússia pós-moscovita, foi ensejada pela dominação tártara, no decorrer do século XIII até 1480, quando Ivã III (1440-1505) tornou o Principado de Moscou independente da dominação da Horda Dourada. Embora vencidos pelos russos no século XV, os tártaros imprimiram à sociedade da Rússia fortes tendências centralizadoras e estatizantes, num contexto despótico, como os recenseamentos para fins tributários, a tendência a diminuir o poder dos nobres tornando-os funcionários públicos, a diminuição da propriedade fundiária em poder daqueles e o aumento das propriedades territoriais do Estado. Para Wittfogel, é claro que o desenvolvimento cada vez mais estatizante seguido pelo Estado russo, ao longo dos séculos XIV, XV e XVI, foi conseqüência da duradoura dominação oriental que tinha sofrido e que o tornava “pelas suas instituições organizativas e aquisitivas, comprometido com o caminho do estatismo despótico, baseado no serviço ao Estado”.[10] Tudo isso aconteceu na Rússia de uma forma submarginal, sem que fosse necessário o desenvolvimento de uma economia hidráulica e conservando, durante vários séculos, muitas aparências feudais.

No decorrer do século XX, as mais completas materializações do despotismo asiático foram, sem sombra de dúvida, a Rússia e a China, as duas maiores expressões do Estado Patrimonial. A temida “restauração asiática” foi, para Wittfogel, o traço marcante que encarnou o totalitarismo russo, e que esvaziou de qualquer conteúdo democrático o regime instaurado a partir da Revolução de 1917. A respeito, o sociólogo alemão escreve:

“Eis o terrível segredo da revolução que Lenin concebeu e realizou. Para inúmeros intelectuais e operários em muitos países, essa revolução era um chamado à pregação do Socialismo na Rússia: um chamado a lutar por esse Socialismo e, se fosse necessário, a morrer por ele. O que acontece quando essa revolução perde a sua bandeira, o seu poder unificador? O que acontece se se comprova, segundo as próprias palavras de Lenin, que essa revolução conduz, não ao Socialismo, mas a uma nova forma de despotismo oriental? Quem, com exceção dos privilegiados, aceitaria morrer pela restauração asiática?”[11]

Referindo-se ao quadro natural da sociedade hidráulica, Wittfogel salienta que as relações entre homem e natureza nunca foram estáticas. Muito pelo contrário, o homem sempre transformou a natureza que o rodeava. Ele, frisa Wittfogel, não deixa, jamais, de agir sobre o meio natural. Ele o transforma constantemente. E utiliza forças novas todas as vezes que os seus esforços o fazem ter acesso a empresas de nível superior. A respeito, frisa: “(...) Em condições institucionais iguais, a diferença do meio sugere e permite – ou exclui – o desenvolvimento de formas novas de tecnologia, de subsistência, de poder social.[12]

O potencial hidráulico das regiões da terra pobres ou carentes de água atualiza-se em condições históricas bem específicas. Tais condições dão-se no momento em que o homem aprende a utilizar os processos de reprodução do mundo vegetal, materializando a possibilidade da agricultura, em regiões dotadas de recursos hídricos independentes das chuvas. É assim como surge a agricultura hidráulica, ou uma agricultura de irrigação, em grande escala. Semelhante atividade iria exigir administração centralizada, mais precisamente, a direção estatal. É, então, quando aparecem, no sentir de Wittfogel, “reunidas as condições favoráveis a formas despóticas de governo e sociedade”. Os registros históricos, por ele compulsados, evidenciam que o homem tende a um modo de vida especificamente hidráulico, como reação a um meio pobre em água, num contexto em que se ache suficientemente desenvolvida a propriedade privada, longe da influência dos centros poderosos de agricultura pluvial.

Para Wittfogel é claro o seguinte princípio: em condições históricas iguais, diferenças naturais fundamentais causam, eventualmente, fortes diferenças institucionais. Esse princípio aplica-se aos casos em que o trabalho humano se desenvolve num meio de agricultura pré-industrial, com recursos hídricos diferentes das chuvas. Levando em consideração que, para a produção agrícola, são necessários elementos como plantas úteis, terra arável, umidade conveniente, temperatura apropriada e uma configuração adequada do terreno, a ação humana deve remediar a ausência de um desses fatores essenciais. Quando falta o fator umidade, a única solução é o trabalho coletivo, a fim de fazer frente à falta de água.

Apesar da importância atribuída aos fatores naturais, a aparição da economia hidráulica não é algo que acontece de maneira determinística. Pois a história, frisa Wittfogel, ofereceu, sempre, “uma escolha autêntica e o homem nunca foi o instrumento passivo de uma forma irresistível e unilinear, mas um ser que pensa, que participa ativamente da criação do seu futuro”.[13] Pressuposta essa liberdade humana fundamental, o autor salienta que os modelos de agricultura hidráulica consolidam-se quando uma comunidade de pioneiros descobre importantes reservas de água numa região fértil, mas carente de irrigação. Em decorrência das exigências técnicas para o controle da água, esses grupos humanos ensejam um processo institucional que conduz muito além do ponto de partida. Os seus sucessores organizam colossais estruturas políticas e sociais. E fazem isso com o sacrifício de inúmeras liberdades. Essa é a remota origem do Estado hidráulico.

Wittfogel considera que, nas sociedades regidas por um Estado hidráulico, encontram-se estas características: uma divisão específica do trabalho, intensificação da agricultura e desenvolvimento da cooperação em larga escala. A divisão do trabalho abrange vários tipos de atividade, como trabalhos preparatórios e de proteção para garantir a irrigação, bem como trabalhos pesados e indústria pesada que visam garantir a distribuição de água, mediante a construção de reservatórios e canais, em grande escala. A divisão do trabalho, nas sociedades hidráulicas, abarca, também, outras atividades como o estabelecimento do calendário e o desenvolvimento da astronomia, ligada ao controle das águas. Encontra-se, também, uma série de trabalhos não hidráulicos (enormes estruturas defensivas, caminhos, palácios, capitais, túmulos e templos), cujas características essenciais são o estilo monumental (Grande Muralha chinesa, Pirâmides Astecas ou do Antigo Egito, etc.) e a significação estratégica para a defesa do Estado.

Referindo-se ao caráter estatal da economia hidráulica, frisa Wittfogel: “O poder do Estado hidráulico sobre os trabalhadores é maior do que o poder das empresas capitalistas”.[14] Isso porque o funcionamento das obras exigidas pela economia hidráulica necessitava de um fundo de organização que (abarcasse) o conjunto, ou, pelo menos, os nódulos dinâmicos da população do país. Em conseqüência, os administradores desse modo de organização preparam-se, de uma forma excepcional, para a administração do poder supremo.[15]

Assim, o Estado hidráulico desempenha numerosas funções organizativas e produtivas, sendo o único motor dos grandes empreendimentos de preparação e de proteção e dirigindo grandes empresas industriais não hidráulicas. No entanto, Wittfogel salienta que o Estado hidráulico difere dos Estados totalitários modernos, pelo fato de que ele se baseia na agricultura e só dirige uma parte da economia do país. Difere, outrossim, dos Estados liberais, baseados na propriedade privada industrial, pelo fato de que, sob a forma original, cumpre funções econômicas no contexto do trabalho servil. Trata-se de um Estado mais forte do que a sociedade. Tal fato afeta a esta de forma profunda, pois ao controlar não só as construções hidráulicas, mas também as relações de trabalho, esse Estado desenvolve um controle social que termina por impedir a iniciativa e o poder da sociedade, impedindo às forças não governamentais de contrabalançarem o poder hidráulico centralizado. A respeito, o sociólogo alemão frisa:

“A essas forças rivais faltam os direitos à propriedade e a força organizacional que, na Antiguidade grega e romana, bem como na Europa medieval, estiveram na base do poder das forças não governamentais. Nas civilizações hidráulicas, os detentores do poder impediram o fortalecimento organizacional de todos os grupos não governamentais. O Estado chegou a ser mais forte do que a sociedade.[16]

III - A RÚSSIA E A CHINA NO CONTEXTO DOS BRICS.[17]

O conceito de BRICS, como se sabe, é recente. Não traduz uma realidade simples, mas uma relação complexa entre várias unidades nacionais que não possuem uma política comum, mas que têm alguns pontos que as aproximam, outros que as distanciam, no complexo cenário do mundo globalizado. Daí a importância de se partir para uma abordagem dessa temática à luz da metodologia dos estudos monográficos, sugerida por dois ícones da sociologia brasileira: Sílvio Romero (1851-1914) e Oliveira Vianna (formuladores da tendência conhecida como “culturalismo sociológico”). Somente nos aproximando, dessa forma, da genérica realidade abarcada pelo nome de BRICS, conseguiremos iluminar a questão e ir entendendo os aspectos mais relevantes.

De outro lado, o embaixador Marcos Azambuja[18] (1935) deixou claro que seria uma redução simplista atribuir o surgimento da temática dos BRICS a um alto executivo da Goldman Sachs, quando é de domínio público que o conceito da importância crescente dos “quatro grandes emergentes” (Brasil, Rússia, Índia e China) já tinha trânsito no seio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), bem como em foros internacionais. Hoje, a denominação de BRICS abarca, também, a África do Sul.

A fim de esclarecer a temática dos BRICS, adotando a metodologia monográfica apontada, analisarei, neste trabalho, as perspectivas que se descortinam, no mundo globalizado, para dois integrantes desse grupo: a Rússia e a China, levando em consideração, de outro lado, como objeto formal da minha pesquisa, a perspectiva do “Estado Patrimonial”, encontradiço, aliás, em todos os integrantes do grupo.

1 – A Rússia.

Um século. Mais de cem milhões de mortos, pelo mundo afora, em nome da Revolução que prometia mudar a face da Terra. Purgas sangrentas no país de origem, a Rússia, efetivadas sem dó pelos herdeiros bolcheviques do antigo Império dos Czares. Esperança de libertação que, à semelhança da Revolução Francesa, passou a se espalhar pelo mundo como estrela de esperança, mas que terminou, após 70 anos de domínio totalitário sobre a sociedade, desabando como castelo de cartas. Não foi disparado um tiro no grande movimento insurrecional que em 89, percorreu o Império Soviético, dando fim a um modelo de poder unipessoal que pretendeu se tornar eterno. O Império Bolchevique morreu de dentro para fora, como diz Ortega que fenecem os Mitos.

Uma das notas dessa revolução foi a determinação inabalável dos seus líderes, notadamente de Lenin. "Temos diante de nós - frisava o líder dos bolcheviques em dezembro de 1900, no primeiro número do panfleto Faísca - a força inimiga em toda a sua plenitude, atacando e eliminando os nossos melhores elementos. Nós devemos tomar este poder e nós o tomaremos ".[19] Foi exatamente o que aconteceu 17 anos depois. Para Alexis de Tocqueville (1805-1859) a Revolução Francesa ficou marcada na memória da Humanidade porque se apresentou como uma Revolução Religiosa que prometia mudar a natureza humana. Se tivesse assistido à Revolução de Outubro de 1917, Tocqueville aplicaria a esta as mesmas palavras com que se referiu ao caráter salvífico da Revolução Francesa. Ambas, afinal de contas, eram filhas da Religião Civil rousseauniana.

O Império Czarista, ao longo dos três séculos de duração da Dinastia Románov, se revelou como uma grande máquina expansionista.[20] O jornalista e historiador britânico Simon Sebag Montefiore (1965), no seu livro intitulado: Os Románov - 1613-1918, escreve: "Era difícil ser Czar. A Rússia não é um país fácil de governar. Vinte soberanos da dinastia dos Románov reinaram por 304 anos, de 1613 até a derrubada do regime czarista pela Revolução de 1917. Sua ascensão começou no reinado de Ivan, o Terrível, e terminou na época de Raspútin. (...). Estima-se que o Império Russo aumentou cerca de 140 quilômetros por dia depois que os Románov chegaram ao trono, em 1613, ou mais de 520 mil quilômetros quadrados por ano. No final do século XIX, eles governavam um sexto da superfície da Terra - e continuavam em expansão. A construção de impérios estava no sangue dos Románov".

A Rússia, segundo Antônio Paim[21], recebeu uma dupla herança do denominado "despotismo asiático": a proveniente de Bizâncio e a decorrente da dominação mongólica. Disso resulta uma circunstância que, em geral. se perde de vista: a concentração do poder total em mãos da burocracia czarista.

Os bolcheviques derrubaram o czarismo e o substituíram por um regime totalitário. Implantaram a "ditadura do proletariado", a fim de estabelecer o regime que redimiria todos das injustiças: o comunismo. Mas, o que de fato ocorreu foi a implantação, pelos revolucionários, sob a liderança de Lenin (1870-1924) e Trotski (1879-1940), da ditadura do aparelho revolucionário sobre os proletários russos e sobre o resto da antiga sociedade czarista. Esse primeiro passo foi reforçado pela longa e sanguinolenta ditadura stalinista. Marx não acreditava na implantação do socialismo pela via democrática das eleições e dos partidos ligados aos sindicatos. Enquanto nos países da Europa Ocidental, apareciam formas variadas de social-democracia e a maior contribuição, nesse terreno, era dada, na Alemanha, por Eduard Bernstein (1850-1932), firmava-se, na União Soviética, uma forma de totalitarismo e se consolidava, como frisou o ativista iugoslavo Milovan Djilas (1911-1995), o domínio totalitário de uma "nova classe", a dos burocratas do partido comunista, ao redor dos seus líderes.[22]

Lenin elaborou a proposta de passagem do autocratismo russo para o totalitarismo comunista. Stalin consolidou essa passagem, mediante a utilização da máquina do Estado, para exterminar qualquer oposição e para converter a indústria russa numa espetacular máquina de guerra. O trabalho preliminar de Lenin consistiu em aplainar o caminho para a pregação do marxismo ao povo russo, traduzindo os conceitos complexos do hegelianismo em fórmulas práticas. O pai de Lenin tinha sido professor primário e conselheiro do Czar para assuntos ligados aos camponeses. Quando saiu da longa prisão a que o governo czarista o condenou em Samara, Lenin assumiu as funções de pedagogo e líder da revolução.

A doença da Revolução de 1917, como das demais Revoluções comunistas do século XX, consistiu no primado do bem particular da Nomenclatura sobre o resto. Lenin deixou claro o tipo de República almejada pela Revolução, quando fixou duas coisas: em primeiro lugar, indicando qual seria o ideal institucional, definindo-o como "um poder não controlado por leis" e ao descrever qual seria o processo revolucionário acalentado por ele, ao frisar que "uma revolução sem pelotão de fuzilamento de nada vale". Essas foram as duas colunas institucionais, nitidamente despóticas, que sustentaram a Revolução de Outubro.

O bárbaro assassinato, em Moscou, em outubro de 2006, da jornalista Anna Politkovskaya (1958-2006), deixou claro que a liberdade de imprensa, na Rússia, está seriamente ameaçada pelo Estado autoritário,[23] mesmo depois da queda do Império Soviético. O processo de democratização do país sofre, ainda, com a estrutura do poder ferreamente controlada pela burocracia, centralizada ao redor dos organismos de segurança, cujo chefe continua sendo o presidente Vladimir Putin (1952). Trata-se de um contexto político que é, sem dúvida, patrimonialista. A Rússia, aliás, tinha sido considerada por Max Weber e Karl Wittfogel, no século passado, como paradigma desse tipo de dominação, cuja nota característica consiste em que o poder é exercido, pela elite dominante, como se fosse a sua propriedade familiar.[24]

Para os países latino-americanos que se debatem entre várias modalidades de populismo patrimonialista (de cunho totalitário em Cuba e, possivelmente, na Venezuela, de feição telúrica na Bolívia e no Equador, de modalidade estamental-operária na Argentina, de tipo messiânico-sindical no Brasil, de feição familístico-exportadora no Paraguai, de clientelismo armado na Colômbia, etc.) é de grande valor estudar o processo de evolução do patrimonialismo num país como a Rússia. As nossas realidades, em que pese as diferenças históricas, assemelham-se em não poucos pontos, do ângulo do poder que exercem as respectivas burocracias em ambos os contextos, no seio de uma cultura altamente privatizante do espaço público por clãs e patotas.

De forma semelhante a como Adolf Hitler (1889-1945) destroçou a intelectualidade alemã, a fim de erguer à liderança do país as mediocridades de que se compunha a elite do Partido Nacional Socialista alemão, Lênin e Stalin (1878-1953) fizeram outro tanto na Rússia: eliminaram, simplesmente, todos aqueles que fossem capazes de pensar ou elaborar uma visão da União Soviética e do mundo, diferente da que eles professavam.[25] A mentalidade que se estabeleceu no poder era essencialmente unilinear, o que fez com que ficasse comprometido o processo de consolidação da Rússia como nação moderna. Isso se viu agravado com a perpetuação, sob Stalin, das erráticas políticas agrícolas de Lenin, que levaram, pura e simplesmente, como lembra Antônio Paim, ao desaparecimento dos empresários rurais.

O próprio líder da revolução bolchevique tinha, aliás, uma visão bastante ingênua do que era a economia industrial, imaginando que esta se reduziria a simples controle cartorial, pelo Estado, sem maior preocupação com as questões técnicas.[26] Em 1937, depois de Stalin ter eliminado os velhos bolcheviques que lhe faziam oposição, somente 17,7% dos secretários regionais do Partido Comunista e 12,1% dos chefes urbanos do mesmo tinham educação superior, enquanto 70,4% (dos chefes regionais) e 80,3% (dos chefes urbanos) somente tinham recebido educação primária. Ou seja: o velho ditador nivelou o país por baixo, de forma a não ser incomodado.[27]

Quadro bastante fiel desse processo de morte da inteligência foi traçado por Piotr Schelest (1908-1996), primeiro-secretário do Partido Comunista ucraniano entre 1963 e 1972, com as seguintes palavras: “Quase cada dia, ou melhor, cada noite, havia detenções de trabalhadores na fábrica. Muitos trabalhadores qualificados, engenheiros, até o chefe do corpo de bombeiros, eram detidos. Mais de oitenta pessoas. Alguns regressaram à fábrica, mas guardavam um silêncio total sobre o que lhes aconteceu, ou acerca dos motivos da sua detenção. De muitos detidos não voltamos a ter mais notícias. Desapareceram. As acusações como inimigos do povo ou oportunistas apareciam constantemente na imprensa, na rádio e nos discursos dos ativistas do partido. Todos desconfiavam de todos; o pai do filho, o filho do pai. As denúncias contaminavam tudo e todos. Foi um tempo muito duro e nós sobrevivemos por casualidade”.[28]

Desaparecido Stalin, o centro do sistema foi sendo ocupado por burocratas pertencentes à antiga nomenklatura, formados na mentalidade de enriquecer a partir do Estado, passando rasteira em todos quantos se opusessem às suas tacanhas ambições. Era como se tivesse sido organizada uma grande Igreja com bispos “orçamentívoros”. Poch-de-Feliu escreve a respeito: “De forma parecida aos ministros da Igreja, os nomenklaturistas eram administradores coletivos de grandes riquezas de propriedade estatal, que a ideologia apresentava como patrimônio social. O convívio com elas fazia-os parecer bispos zelosos do patrimônio que administravam, sem ser donos dele. Depois de 1964, na URSS, institucionalizou-se a época do aparelho, do alto funcionário nomenklaturista como dono coletivo do país. É claro que a existência do aparelho vinha de antes. O fato novo era a sua emancipação política. Com Stalin, o aparelho tinha sido a mão direita do temido caudilho. Eliminados os perigos de morte nas suas relações internas, com Kruzhev (1894-1971), o aparelho tinha se emancipado e, a partir de então, os secretários gerais passaram a ser delegados e primus inter pares de um aparelho institucionalizado como dono coletivo do país”.[29] A nomenklatura soviética passou, portanto, a administrar o público como propriedade privada, preservando, assim, a característica básica da cultura patrimonialista.

No seio dessa cultura de enriquecimento privado às custas dos bens públicos, os nomenklaturistas passaram a se considerar superiores à lei. Os estatutos legais valiam para os outros, não para eles. Podiam praticar, sem risco, qualquer tipo de desvio de dinheiros públicos. Ninguém, na cúpula, via nada nem sabia de nada. O pacto era para que cada aparelho se enriquecesse, sugando a parcela de riqueza nacional por ele administrada. Nesse cinismo em que o público confundiu-se com o privado, os interesses pessoais e familísticos passaram a valer mais do que a preocupação com o bem do país. A respeito, escreve o jornalista catalão Poch-de-Feliu (1956): “Entre os nomenklaturistas não havia respeito pela lei. Sabiam, por própria experiência, que as leis soviéticas eram frequentemente simples carcaças, instrumentos do capricho ou da necessidade do poder, aplicáveis aos simples mortais, mas não a eles. Embora houvesse muitas atitudes enérgicas ao longo do país, o clima, sobretudo no topo da pirâmide, levava a colocar os interesses pessoais e de grupo, especialmente a possibilidade de utilizar qualquer situação favorável para a ascensão, à frente dos interesses gerais do país. Nesse clima, as boas intenções logo se esgotavam”.[30]

Mas, se a burocracia do sistema estava bastante contaminada pela corrupção, a ineficiência e as tendências patrimonialistas, no entanto, é bom recordar, ao mesmo tempo, que a sociedade russa é tremendamente rica em inteligência, em capacidade de trabalho e em cultura. Por força dessa riqueza social, não tudo foi negro na administração soviética. Os russos conseguiram erguer uma poderosa máquina de guerra e colocaram a seu serviço uma indústria pesada bem desenvolvida. Cientistas de primeira linha se formaram, ao ensejo dos planos quinquenais. De outro lado, o patriotismo russo sempre esteve presente na alma do povo, o que teve como resultado uma sociedade tremendamente combativa, que deu provas de grande heroísmo, ao rejeitar, com denodo, as invasões de que foi vítima desde os primórdios da sua história. A derrota de Napoleão Bonaparte (1769-1821), no início do século XIX, bem como a resistência dos russos às potências do Eixo, na Segunda Guerra mundial, são provas desse valor.

Esse foi o pano de fundo em que se desenhou a glasnost de Michail Gorbatchev (1931). Representante da geração nova de tecnocratas cansados com a pachorrenta burocracia, este estadista decidiu pôr em marcha um movimento de contestação às antigas estruturas, partindo de dentro do próprio sistema, numa espécie de “autoritarismo instrumental”, que lembra a frase do general João Figueiredo (1918-1999): “Juro fazer deste país uma democracia e prendo e arrebento quem se opuser”.

A estratégia de Gorbatchev consistiu, basicamente, no seguinte: ir substituindo, de maneira rápida, os antigos dirigentes do Partido, por lideranças mais afinadas com os anseios da sociedade civil, de um lado, e com as exigências da elite tecnocrático-militar, de outro. A União Soviética caiu de podre, mas a Rússia não foi deitada por terra, definitivamente, em virtude dessa ação planejada por Gorbatchev. Não havia como sustentar, por mais tempo, a velha árvore carcomida pelos ávidos cupins da burocracia, instalada no interior dos aparelhos.[31]

A respeito da forma tipicamente patrimonialista em que a burocracia do Partido Comunista dominava o país, como se fosse a sua posse, escreve Poch-de-Feliu: “Em mãos da nomenklatura concentravam-se a autoridade, a produção, a administração, a distribuição, a criação e a interpretação da ideologia. A sua coluna vertebral era o Partido de Estado, uma instituição que não tinha nada a ver com os partidos políticos de um sistema plural. O Partido, não os seus membros, que eram nominalmente 20 milhões, mas os seus funcionários, era a parte decisiva do Estado. O Partido apresentava-se como genuíno representante da sociedade civil, mas, na realidade, a sua presença impedia a separação de poderes e o estado de direito, ou seja, privava à sociedade civil do oxigênio necessário para a sua existência. Economicamente, o Estado-Partido usurpava as funções do mercado: determinava as necessidades, fixava os preços e distribuía os recursos. Os postulados da ideologia oficial castravam ou retardavam o pensamento livre e a espontaneidade, e criavam, além do mais, uma atmosfera social fechada e pesada”.[32]

A tarefa de que se desincumbiu Gorbatchev e a sua equipe não foi fácil. Destaquemos, em primeiro lugar, que ele encarnou, de maneira decidida, como, aliás, já o tinham feito os seus antecessores comunistas, a tradição monárquica herdada do czarismo (um outro traço patrimonialista). Centralização total do poder nas suas mãos. Somente assim pode ser entendido o complexo processo de engenharia política que deu ensejo à Glasnost e à Perestroika. Gorbatchev devia administrar quatro segmentos diferentes: os anti-estalinistas, os partidários do “socialismo com rosto humano”, os tecnocratas vinculados às Forças Armadas e a pesada burocracia do sistema, popularmente chamada de O Lamaçal.

O que ocorreu na Rússia, entre o final da década de oitenta do século passado e o final da primeira década deste século, foi muito rápido e corresponde a esses fenômenos de “aceleração da história”, em momentos pico que acontecem raras vezes. O processo pode ser sintetizado assim: Gorbatchev conseguiu controlar O Lamaçal, mudando rapidamente toda a cúpula do Partido Comunista, por elementos afinados com o interesse que ele perseguia, de tornar o sistema favorável à aceleração das forças produtivas, criando um mínimo de racionalidade e conferindo espaço à livre iniciativa.

O movimento começou com uma audaciosa abertura no terreno cultural e da livre expressão. Imprensa e intelectuais registraram, com surpresa, a velocidade com que o discurso mudou, em questão de meses, nas mesmas pessoas, indo da defesa incondicional da pachorrenta burocracia e do controle de tudo pelo Partido, até a audaciosa defesa dos novos objetivos da produção, do mercado e da abertura, incluídos aí os direitos humanos. Tudo isso, é bem verdade, embalado na retórica ortodoxa: as medidas reformistas implementadas a partir do Executivo eram novas exigências da antiga revolução leninista, que foi desviada do seu curso por um bando de bastardos e corruptos. A rápida ascensão de Boris Yeltsin (1931-2007), ambicioso e conflitivo dirigente provincial do Partido, explica-se desta forma: ele intuiu, rapidamente, qual era a ordem do dia formulada pelo Secretário-Geral do PC, adaptou-se a ela e ascendeu à máxima liderança do sistema, na cidade de Moscou.[33]

O embate entre Gorbatchev e Yeltsin foi a luta entre dois estilos de czarismo: o encarnado por Gorbatchev, um estrangeirado proveniente de família estruturada de classe média rural, refinado, casado com uma intelectual, profundo conhecedor das leis pela sua formação de advogado na Universidade de Moscou, a escola que formava a elite do país, aberto ao diálogo com as sociedades ocidentais; e o estilo materializado em Yeltsin, um campônio rude, filho de pai violento que o surrava desde a infância, formado em engenharia numa universidade de província, aventureiro que perdeu dois dedos da mão esquerda ao desmontar, ainda rapazola, uma granada que roubou do quartel do Exército Vermelho na sua cidade natal, beberrão, surfista ferroviário, briguento, casado com uma dona de casa que nada tinha de intelectual. Yeltsin, como todo mundo sabe, ganhou a parada. Ele se afinava melhor com o cidadão russo médio, que terminou valorizando mais o seu populismo do que a sofisticação de Gorbatchev.[34]

As últimas etapas da evolução russa foram marcadas pela guerra contra os separatistas chechenos. A luta contra o fundamentalismo, os atentados de que foram vítimas cidadãos russos em Moscou e em outras cidades, a tremenda capacidade de luta desse povo da região montanhosa do Cáucaso, fizeram com que a balança do poder pendesse para o aparelho de segurança chefiado por Vladimir Putin. Este, frio como gelo, bem como o seu fiel colaborador, Dimitri Medvedev (1965), caracterizam-se pelo pragmatismo grão-russo, que faz com que desenvolvam uma complexa política de manutenção dos pactos comerciais com o Ocidente, ao mesmo tempo em que apertam o parafuso da segurança interna e azeitam, de novo, a máquina de guerra, tudo financiado com os fartos dólares da exploração do gás natural e do petróleo do Mar Cáspio e da Sibéria.

Quais as alternativas que, no sentir dos estudiosos, restam para a Rússia, na atual quadra do seu desenvolvimento histórico? Mencionemo-las:

A - A Rússia, após Gorbatchev, entrou no mundo e o mundo entrou nela. É pouco provável um retrocesso que a segregue do convívio com o Ocidente. É pouco provável, também, que os novos czares assinem embaixo de um manifesto contra a globalização. As forças de segurança que, hoje, controlam o poder na Rússia deverão estabelecer limites ao terror de Estado exercido contra dos dissidentes, a fim de não aumentar as arestas com os países ocidentais.[35] Até quando Putin conseguirá manter, de um lado, as aparências de legitimidade constitucional do sistema e, de outro, exercer o controle sobre a cúpula do aparelho de segurança do país, a FSB, que é a real detentora do poder? Pergunta que fica na incerteza. A respeito, escrevem os historiadores Yuri Felshtinsky (1956) e Vladimir Pribilovski, na parte final da obra intitulada: A era dos assassinos – A nova KGB e o fenômeno Vladimir Putin: “Assim como nossos leitores, tudo o que podemos fazer é aguardar e observar com muita atenção o desenvolvimento dos acontecimentos na eternamente imprevisível Rússia”.[36]

B - Os russos podem trilhar o seu próprio caminho e apresentá-lo ao mundo, enveredando por uma globalização “com rosto humano”, diante da globalização chefiada pelos americanos e pelo seu estilo de capitalismo financeiro agressivo. Claro que, ao fazê-lo, ressuscitarão velhos sonhos patrimonialistas, ao insistir, em face da crise financeira internacional, num “capitalismo de Estado” como forma de evitar a crise do cassino global. Ora, esse tal capitalismo não seria outra coisa senão o velho sistema econômico patrimonialista, que consiste em montar empresas de fachada, financiadas com os generosos recursos oficiais, a fim de distribuir dividendos, como se diz hoje no Brasil, “entre os amigos do rei”, no caso russo, do czar de plantão e os seus amigos. É o que parece estar acontecendo, de fato, na Rússia atual, com o controle crescente, pela burocracia política chefiada pelos organismos de segurança, sobre o sistema produtivo, notadamente as empresas ligadas ao gás natural e ao petróleo (fala-se, em Moscou, em termos ufanistas, da Rússia como “Superpotência energética”).

Não podemos esquecer, a esta altura, a tradição milenar da “Santa Mãe Rússia”, que se estruturou desde os inícios do grande império e uma de cujas etapas decisivas foi a concepção messiânica da liderança russa, ensejada pelas conquistas de Ivã IV o Terrível (1530-1584), o primeiro a adotar o título de “czar”, em 1547. À luz dessa antiga tradição, atualizada pelo frade místico Filofei de Pskov (1465-1542) na sua obra intitulada: Moscou, a Terceira Roma,[37] a Rússia estaria chamada a desempenhar um papel salvífico da Humanidade, na trilha da crença de que haveria três centros, na história do Cristianismo: Roma, Bizâncio (Constantinopla) e Moscou. À capital russa corresponderia, no sentir de Filofei, encarnar o papel salvífico do Cristianismo e da Humanidade, sendo que essa constituiria uma etapa definitiva da história da salvação, porquanto não haveria uma “quarta Roma”. Nesse contexto de crenças milenares, se entende o papel desempenhado pela Igreja Ortodoxa Russa, no que tange à preservação de serviços previdenciários ao povo, quando do desmantelamento do Império Soviético, bem como as esperanças, volta e meio renovadas, do caráter salvífico da Rússia no cenário mundial.  
  
A propósito do papel geopolítico da Rússia contemporânea, frisa Roberto Colin: “O objetivo de Putin é fazer da Rússia um ator independente na arena internacional, mediante o fortalecimento do Estado (...). A ênfase de Putin na força e na unidade tem por objetivo contrabalançar a sensação de insegurança (um traço psicológico com raízes profundas na história russa), ocasionada pelo colapso financeiro de 1998, pela expansão da OTAN, pelo terrorismo dentro da Rússia e pelo unilateralismo norte-americano”.[38]

Nesse esforço ensejado pela atual liderança russa, deve ser ressaltado o plano desenvolvido por Yegor Guidar (1956-2009) – que foi primeiro ministro entre junho e dezembro de 1992 - no sentido de consolidar uma classe média forte, ao redor da qual se concretizasse a entrada, na Rússia, da economia de mercado, mediante a participação dos antigos burocratas soviéticos como  novos proprietários das pequenas e médias empresas estatais privatizadas. Isso teria conduzido, na Rússia, “(...) à criação de numerosa classe média, ainda que entre estes haja quem se comporte como novo rico”, conforme destaca o professor Antônio Paim.[39] Embora se trate de processo que ainda não se consolidou, tudo leva a pensar que, após a derrubada do regime soviético, as coisas mudaram na Rússia, notadamente com o aparecimento da nova classe média, a partir da qual se poderia solidificar uma modernização política alicerçada nela.

C - À sombra da política energética agressiva que está em desenvolvimento, a Rússia costurará, no decorrer das próximas décadas, nexos mais estreitos com a União Européia. Os russos já deixaram claro aos seus vizinhos ucranianos e aos europeus ocidentais em geral, que são eles os que controlam as chaves do gás natural que abastece a todos e que serão duros na negociação do precioso combustível. Esse jogo se traduzirá em melhores condições de venda do gás natural que, logicamente, beneficiarão aos russos. A respeito, frisa Roberto Colin: “A interdependência energética deverá garantir uma relação estável entre as partes no médio e no longo prazos. O aumento da importância do petróleo e do gás como elementos de poder nacional, além de outras questões, acelerou a evolução da autopercepção e da autoconfiança da Rússia como importante ator internacional. A arena mais relevante para a realização dessa percepção tem sido a Europa”.[40]

D - No terreno das relações internacionais, a Rússia deve ter um cuidado especial com a identificação do seu inimigo principal, (seguindo a trajetória da cultura milenar do povo russo que visou, sempre, a identificar o desafeto da vez, em todas as épocas). Isso, com a finalidade de não trombar de frente com inimigos mais poderosos (especialmente a China, a Comunidade Européia, os Estados Unidos e o Japão), que sejam capazes de cortar os investimentos necessários ao desenvolvimento econômico. Trata-se de uma consideração bem pragmática, num mundo em que o que prevalece, talvez, seja um tipo de epicurismo nas relações internacionais. O inimigo principal dos russos parece ser, nestes conturbados tempos, o terrorismo internacional, identificado com aqueles grupos que ameacem o Estado russo. Estariam nesse patamar os separatistas chechenos e, também, os membros do autodenominado “Estado Islâmico”.

Neste plano das relações internacionais, convém destacar que os russos continuaram com a sua estratégia tradicional de garantir uma saída para os “mares quentes”, visando à exportação de petróleo e gás natural  pelo Golfo Pérsico. Sob esse viés, deve ser analisada a participação russa na guerra civil da Síria, como um dos aliados do regime de Damasco, bem como a tradicional preocupação com o Irã, tradicionalmente considerado como protetorado russo. A questão ucraniana (e a ocupação da Criméia situa-se nesse contexto) deve ser inserida, outrossim, no contexto da preocupação russa de garantir a livre expansão do seu comércio de óleo e gás natural.

E – No conjunto das potências mundiais, certamente se destaca a China, como aquela com a qual a Rússia deverá desenvolver uma política mais prudente no decorrer dos próximos decênios. Não se trataria, evidentemente, de voltar às hostilidades que marcaram as relações com a China no período da Guerra Fria. A atitude da Rússia, em face dessa variável é, hoje, muito mais pragmática, diante de um competidor mais populoso e que ostenta índices de crescimento econômico muito por cima do resto do mundo. A atitude russa oscilará, segundo os estudiosos, entre buscar conter os avanços comerciais da China, mediante alianças com as potências Ocidentais e procurar uma relação de parceria com o gigante chinês (com pactos na área de exploração de petróleo, como, de fato, tem acontecido).

Nesse contexto de freios e contra freios, o papel da Índia, como potência emergente, é importante para a Rússia, pois se apresenta como significativo comprador de armas russas. Ora, esse comércio possibilitará, aos indianos, continuar com a tarefa de organizar um dos maiores e mais avançados exércitos do mundo, sem aumentarem a sua dependência do Ocidente, notadamente dos Estados Unidos.[41] No caso da América Latina, os russos continuarão a espalhar o comércio de armamentos, como já o fazem há várias décadas. O principal comprador é, hoje, o regime ditatorial venezuelano, que obteve dos dirigentes do Kremlin a autorização para instalar uma fábrica de rifles de assalto kalashnikov, que trará muitas dores de cabeça, no futuro, aos vizinhos do regime de Caracas. 

F – Uma pedra no caminho da União Soviética. Chernobyl (1986) foi, com certeza, o sinal de alarme do fim do império soviético. A corrupta burocracia do PC não conseguiu elaborar um manual de procedimentos minimamente aplicável, no caso de um acidente nuclear de vastas proporções. A falta de transparência, em face do trágico acidente, foi total. Sacrificou vidas humanas na Ucrânia e na Bielorrússia. E espalhou gases radiativos pelo mundo afora. A usina de Chernobyl tornou-se, assim, a enferrujada locomotiva que tocou o alarme do fim da nomenclatura comunista.

2 – A China.

Nas últimas décadas do século passado houve uma descoberta importante: A China existe! O mundo assistiu, perplexo, após o ciclo maoísta, à entrada em cena desse gigante do Oriente, que pretendia, nada mais, nada menos, do que ocupar um lugar ao sol entre as potências mundiais, não apenas ostentando a sua máquina de guerra, como fizeram os soviéticos, mas se convertendo, de fato, em grande nação capitalista! Essa novidade foi traduzida por Gang Yang (1953), um membro importante do PC chinês, no seu ensaio intitulado: As três grandes tradições da nova era, com as seguintes palavras: “A simples existência da China cria um problema para os registros ocidentais sobre a história mundial. A Bíblia não dizia nada sobre a China. Hegel (1770-1831) via a história mundial como tendo começado na China e terminando, em uma crescente perfeição, com a civilização alemã. A tese do fim da história, com Francis Fukuyama (1952), simplesmente substitui a Alemanha pelos Estados Unidos. Mas, de repente, o Ocidente descobriu que, no Oriente, existe essa tal de China: um grande império, com uma longa história e um passado glorioso. Um completo novo mundo acaba de surgir”.[42]

Foi impressionante o belo espetáculo com que os chineses abriram as Olimpíadas de Pequim no verão de 2008. Nessa mega encenação da mitologia chinesa formadora da identidade nacional, não foi feita nenhuma menção a Mão-Tse-Tung (1893-1976). Era como se os sessenta e tantos anos de comunismo não tivessem existido. O que foi ressaltado no evento, para que todo mundo guardasse na memória, era a mensagem de que a China possui uma identidade própria, muito anterior às ideologias ocidentais (e o comunismo é, indiscutivelmente, uma delas). A grandiosidade do movimento matematicamente ritmado de centos de figurantes, as assombrosas mutações de sombras e de luzes, os conhecidos dragões em alegres circunvoluções, o barulho ensurdecedor de centenas de tambores, tudo tinha uma mensagem que apelava para um passado mais remoto. Os chineses queriam mostrar ao Planeta que foram formatados em moldes diferentes, que se confundem com as brumas dos tempos da sua história de milênios. O Confucionismo era, certamente, uma das idéias-chave dessa apresentação. O Confucionismo que valoriza a riqueza pelo trabalho, o comércio, a disciplina rigorosa. Essa era a cara da nova China que se apresentava ao mundo no milênio que, então, começava!

Por esse motivo, não poderia deixar de iniciar a minha exposição sobre a presença da China no contexto dos BRICS, sem fazer referência ao pano de fundo da milenar história desse povo. O Império Chinês é, certamente, um dos mais antigos e poderosos que conheceu a Humanidade, ao longo da sua história. Quatro mil e quinhentos anos, aproximadamente, é a idade da sua saga. Mal poderíamos entender o que se passa, hoje, na China, sem apreendermos essa rica história, na qual um dos elementos prevalecentes é o cultivo diuturno das ciências a serviço da organização do Estado e da Sociedade.
A longa história da China pode-se identificar percorrendo as etapas das doze principais dinastias,[43] que foram aparecendo com o correr dos séculos, dando identidade a esse imenso país. Elas são as seguintes:

2.1 – Dinastia Yang-Chao (2500 a C). Contemporânea da cultura do Indo e do Antigo Império Egípcio. Apareceu um milênio após a construção da cidade de Ur, na Suméria. Esta dinastia dominava sobre milhares de aldeias espalhadas numa longa faixa às margens do Rio Amarelo, de Kansu e Shensi até Shansi, Honan e Xantung. Características deste período foram produtos têxteis, cerâmica pintada e agricultura primitiva.

2.2 – Dinastia Chang (1520-1030 a C). Trabalhos em bronze. Arte da “escapulamância” ou de predições e registros gravados em omoplatas de boi ou em cascos de tartaruga.

2.3 – Dinastia dos Estados Guerreiros com primazia da casa Tcheu (povo do oeste) – (1027-318 a C). Primeiro intento de feudalização e Cultura Peripatética (sábios e os seus discípulos que viajavam de uma cidade a outra, com a finalidade de aconselhar os príncipes feudais). Representativa dessa cultura foi a Academia de Xuan, em 318 a C.

2.4 – Dinastia Chin, sob o imperador Che-Huan-Ti (Di) – (221-202 a C.). Unificação da China sob um regime de despotismo hidráulico, que efetivou a padronização da língua chinesa. O denominado Império de todos sob o Céu, era governado pelo imperador, servido por um eficiente sistema burocrático que, como frisa o historiador e filósofo da ciência britânico Colin Alistair  Ronan (1920-1996), “veio a servir de padrão para todos os governos chineses posteriores; dividiu o país em províncias, iniciou uma padronização em larga escala (dos pesos e medidas, da largura das estradas, do tamanho das carroças, etc.) e uniu várias pequenas estruturas de defesa para formar a Grande Muralha, provavelmente o maior projeto de construção de todos os tempos”.[44]

2.5 – Dinastia Han (202a.C.–265 d.C.). Iniciada pelo imperador Wu Ti. Consolidação do Mandarinato. Adoção da doutrina de Confúcio (551a.C.-479a.C.). Implantação da diplomacia expansionista alicerçada no comércio, acompanhando a “rota da seda”. Invenção do papel. O Budismo hindu penetra na China. Romanos e sírios romanos visitam o país.

2.6 – Dinastia Wei, de índole militar, iniciada pelo general Chin (265-490). Regime militar, em decorrência da reação da sociedade chinesa, em face das invasões mongólicas. Desenvolvimento paralelo da ciência.

2.7 – Dinastia Tang, de índole comercial e militar, preservando a burocracia do Mandarinato (490-919). Construção do Grande Canal Imperial, no qual trabalharam 5,5 milhões de pessoas, sendo que 2 milhões morreram durante os trabalhos. Confronto com os muçulmanos, na batalha do Rio Talas (751), que marcou o fim da expansão chinesa para o Ocidente, bem como do avanço dos muçulmanos no Oriente. Tratado do imperador Tang com o califa Harun-al-Rashid (763-809), chefe muçulmano imortalizado nas Mil e uma noites. Intercâmbio cultural com Pérsia e Síria. Expansão do Budismo e entrada de religiões estrangeiras (cristianismo, maniqueísmo, zoroastrismo). Florescimento da arte e da literatura.

2.8 – Dinastia Sung, marcada pela instabilidade, decorrente das invasões mongólicas (960-1279). Apesar da agitação política, registra-se a presença de uma grande atividade cultural (em ciência e tecnologia, principalmente). Empurrados pelos mongóis, os chineses transferem o governo para o sul, estabelecendo a capital em Hangzhou.

2.9 – Dinastia Yuan (mongólica) (1279-1368). Abertura da sociedade a muçulmanos e estrangeiros ocidentais, como, por exemplo, Marco Polo (1254-1324). Melhoria das estradas e das vias navegáveis. Publicação do Grande Atlas por Zhu-Su-Ben. Estabelecimento, em Pequim, de importante observatório astronômico.

2.10 – Dinastia Ming, após a derrota dos mongóis pela elite chinesa (1368-1644). A capital do Império é fixada em Pequim. Avanços da pesquisa em botânica. Chegada dos jesuítas. Os chineses abandonam o domínio do mar, abrindo o Oceano indico aos árabes e aos portugueses.

2.11 – Dinastia Manchu (1644-1912). Assimilação, pelos chineses, da ciência ocidental. Enfraquecimento da figura do Imperador e progressiva adoção dos modelos ocidentais, em matéria política.

2.12 – Regime republicano (iniciado em 1912). Três momentos podem ser destacados: da proclamação até a ascensão de Mão, período maoísta e período contemporâneo, em que o comunismo chinês se reformula no contexto do Confucionismo e com a abertura ao capitalismo ocidental, sem abandonar, contudo, a Instituição do Mandarinato, controlado pelo Partido Comunista.

Não há, no mundo de hoje, sobre a Terra, uma nação que tenha, como a China, uma memória cultural que abarque 4.500 anos. Esse fato confere aos chineses uma característica única no seio da globalização. Eles constituem o único país identificado com uma civilização milenar, que foi acumulando, ao longo das centúrias, memória invejável, que se preservou, em decorrência da existência de um estamento que cuidou, sempre, dessa tarefa de manter vivo o DNA cultural ligado ao exercício do poder: o Mandarinato.

Os chineses inseriram, na sua cultura, duas importantes tradições: por um lado, de férrea unificação e de defesa; por outro, de expansão comercial. A primeira tradição sedimentou-se muito cedo, com a dinastia Chin (entre 221 e 202 antes de Cristo), quando da unificação do país, após o ciclo conturbado dos Estados combatentes. Essa unificação deu-se de modo feroz, mediante a eliminação das forças oponentes ao poder central do soberano. E sedimentou a prática defensiva do vasto império mediante o isolamento do mundo exterior, garantido pela construção da Grande Muralha (com quase 5.000 quilômetros de extensão), uma obra somente possível graças ao modelo de despotismo oriental, que foi reforçado, alguns séculos mais tarde, com as obras hidráulicas empreendidas pela dinastia Tang (490-919).

A segunda tradição, de expansão comercial, nasceu também muito cedo, ao longo da dinastia Han (202-265), e foi acompanhada pela adoção do Confucionismo. Essa tradição viu-se reforçada em momentos posteriores como a dinastia Tang, e, especialmente, ao longo da dinastia mongólica Yuan (1279-1368), mediante a efetivação de grandes trabalhos de construção de vias de comunicação, o incremento da navegação e a publicação do Grande Atlas (tudo isso, evidentemente, em função da expansão comercial).

A novidade da China atual repousa, justamente, na retomada, nos atuais momentos de agressiva globalização, desses dois elementos culturológicos, que funcionam, como diria o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), à maneira das “sístoles e diástoles do coração do Estado”. Afirmação de uma política defensiva, pensada ao redor do conceito de “Mundo Murado”, ao mesmo tempo em que ocorre o desenvolvimento de uma agressiva expansão comercial. Abertura à ciência e à tecnologia ocidental, sem, no entanto, renunciar à preservação da própria identidade. Um aspecto não pode ser equacionado, na mentalidade da elite dirigente chinesa, sem que o outro seja, também, levado em consideração.

Uma palavra sobre o conceito de Mundo Murado. A propósito, escreve o cientista político britânico Mark Leonard (1974): “O fio condutor que liga as idéias emergentes da China sobre globalização é uma busca por controle. Pensadores chineses querem criar um mundo onde governos nacionais possam ser mestres de seu próprio destino, ao invés de se sujeitarem aos caprichos do capital global e da política externa americana. Eles querem investimentos, tecnologia e acesso ao mercado, mas não querem absorver valores ocidentais. Seu objetivo não é isolar a China, mas, sim, permitir que a China se junte ao mundo nos seus próprios termos. Em resumo, eles querem impedir que a China continue sendo achatada pela globalização”.[45]

Mundo Murado seria, portanto, a construção de uma globalização econômica presidida pela China como potência hegemônica e como formatadora de uma nova escala de valores, que incluiriam, certamente, o capitalismo, mas sobre bases diferentes das elaboradas pela cultura americana, no modelo que os chineses passaram a denominar de “Capitalismo Rio Amarelo”. Tal modelo capitalista “encoraja o uso de dinheiro público para inovação, um impulso de proteger a propriedade pública e reformas graduais de Zonas Econômicas Especiais”. Ora, esse modelo estaria seduzindo, na atualidade, não apenas países africanos. “Em sua busca por imitar o sucesso chinês, - frisa Leonard - países tão diferentes como Rússia, Brasil e Vietnã estão copiando a política industrial ativa de Pequim, que usa dinheiro público e investimentos estrangeiros para construir indústrias de capital intensivo. Esses países (...) desaceleraram – por vezes até mesmo reverteram – os programas de privatização que adotaram nos anos 1990”.[46]

Como o poderio americano ainda é muito grande, pensam os intelectuais chineses, convém, por enquanto, administrar o declínio dos Estados Unidos, de forma a que não seja por demais acelerado (uma queda excessiva impediria aos chineses de se beneficiarem, como o fazem agora, da tecnologia e dos recursos financeiros fornecidos pelos americanos). Mas, ao mesmo tempo, trata-se de que a China ganhe degraus no mundo globalizado, polarizando outros países ao redor do seu modelo de capitalismo marcado pela forte presença do Estado e por valores provenientes do patrimonialismo chinês.

O modelo de gestão do Estado chinês assemelha-se, a meu ver, ao do patrimonialismo modernizador getuliano, em que o Executivo governa alicerçado nos Conselhos Técnicos Integrados à Administração. Justamente para garantir a criatividade em todos os aspectos da gestão pública, o governo chinês dá grande importância, hoje, ao desenvolvimento da sua elite pensante. Os chineses têm feito, nas três últimas décadas, um esforço notável em prol de constituir centros de pesquisa de ponta e para preparar quadros para os mesmos. Esses centros agem como órgãos permanentes de consulta do Estado. Um exemplo: a CASS, que é a mais alta organização de pesquisa acadêmica nos campos da filosofia e das ciências sociais, reúne 50 centros de pesquisa, que abrangem 260 disciplinas e 4 mil pesquisadores em tempo integral. Essa elite realiza “a busca da China por autonomia intelectual”, sob o férreo comando do governo, que não desmobilizou, de forma nenhuma, os seus mecanismos repressivos, mas que também não toma medidas sem prévia consulta aos cientistas. Diríamos que as regras do jogo foram claramente assinaladas: você, como intelectual, pode participar desses organismos (nos quais será muito bem pago), pode até criticar o governo, mas em tudo isso há um limite: a manutenção incólume da estrutura de poder do Partido Comunista. Avançar o sinal tem como resposta a eficaz repressão que faz desaparecer dissidentes ou que, se necessário, não duvida em mandar passar os tanques por cima de ativistas ousados, como aconteceu na Praça Tiannamen em 1989.

Dentro desse marco de tolerância, muito bem delimitado, os pensadores chineses estão preocupados com uma dupla pesquisa, que visa a reconciliar dois objetivos concorrentes: como ter acesso aos mercados globais, protegendo a China, ao mesmo tempo, “da ventania da destruição criativa que poderia (desabar) sobre seu sistema político e econômico”. Em outros termos, eles tratam de responder à indagação acerca de como “a China virá para desafiar o mundo achatado da globalização americana com um Mundo Murado, de criação própria”.[47]

Algo ficou de fora da escala de valores da civilização chinesa, nessa evolução de séculos que deságua na atual globalização? Certamente, o valor ausente é o da liberdade, na forma incondicionada e simples em que vingou na civilização ocidental, como direito inalienável do indivíduo, que o leva a organizar o poder de baixo para cima, a partir do reconhecimento dos direitos individuais à vida, à liberdade, às posses, como apregoava John Locke (1632-1704).

Justamente os problemas enfrentados, a ferro e fogo, pela China contemporânea, dizem relação aos espaços em que a ameaçadora forma da liberdade individual passou a inspirar o funcionamento das instituições: o Tibet, Taiwan e Hong-Kong. No caso tibetano, é claro que a China sempre encontrou uma não sintonia figadal com a forma de liberdade religiosa, que se traduzia em instituições teocráticas liberais no regime de Lhasa, que levaram Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) a imaginar, no século XVII, uma China protocristã, convertida ao budismo tibetano, que faria aliança com o Ocidente, contra o Islã.  No caso taiwanês, os chineses não aceitam o modelo republicano de liberdades presente na “província dissidente”. No caso de Hong-Kong, o regime de liberdades individuais concedidos aos cidadãos dessa cidade, encontra um limite na repressão contra os que avançam nas suas críticas ao governo de Pequim. Se houver, nas próximas décadas, um confronto armado em que a China se engaje, certamente ele começará por Taiwan. A experiência de Hong-Kong situa-se no contexto do vasto experimento democrático dos chineses, como uma “Área Especial”, em que vigora a liberdade de comércio, mas em que foram garantidas, preventivamente, as instituições que ligam essa província ao governo central da China, sem que haja a possibilidade de emergirem formas contestatórias de gestão.

 O elemento que seduz, na China contemporânea, é, certamente, o fabuloso desenvolvimento econômico, que age como uma espécie de chamariz para a modalidade de capitalismo “Rio Amarelo”. As características dele quebram todas as expectativas estatísticas. Como frisa conhecido estudioso: “A escala da China é impressionante; é quase impossível, para nós, entender suas estatísticas vitais. Com um habitante a cada cinco do globo, a entrada da China no mercado mundial, quase dobrou a força de trabalho global. Metade das roupas e calçados do mundo já têm uma etiqueta onde se lê Made in China; e a China produz mais computadores do que qualquer outro lugar do planeta. O apetite voraz da China por recursos está devorando 40% do cimento do mundo, 40% do carvão, 30% do aço e 12% de energia. A China está tão integrada na economia global que seus prospectos têm impactos imediatos em nossas vidas diárias: ao mesmo tempo em que dobra o preço do petróleo e corta pela metade o custo dos nossos computadores, mantém a economia dos EUA em circulação, mas afunda a indústria calçadista da Itália”.[48]

Terminemos destacando as perspectivas que se abrem, para a China, nesta quadra do seu desenvolvimento histórico:

A – Mudança de rumo, não abandono do Patrimonialismo e retomada, sob Xi Jinping (1953), atualmente, da ortodoxia comunista. A China, com certeza, está longe de sair da tradição patrimonialista que já tinha sido apontada, nela, por Weber e por Wittfogel. Continuará o poder a ter “donos”. O abandono temporário do comunismo maoísta no final do século XX não significou, de forma nenhuma, um rompimento com a tendência à privatização do poder por parte de uma elite ou de uma casta. O Mandarinato chinês se modernizou. Tornou-se o gestor de uma nova Sociedade Limitada capitalista. O capitalismo chinês não é uma economia aberta às sociedades anônimas. É um modelo de capitalismo dirigido desde o Estado. Ou seja, é um modelo capitalista administrado pelo Estado Patrimonial. Os proprietários da Sociedade Limitada são os dirigentes do Partido Comunista, hoje ferreamente controlados pelo “novo Imperador, Xi-Jinping. Acionistas minoritários são aceitos. Mas não podemos deixar de ter dúvidas quanto ao alcance do poder deles em face dos interesses do Mandarinato. Quem não se ajustar – como aconteceu com a Google – tem de arrumar as malas e ir embora.

B – Inserção da prática democrática no contexto do Patrimonialismo de tipo estamental-confuciano. A China pós Mao mudou a base cultural da dominação patrimonialista. O antigo comunismo foi trocado por uma versão afinada com a secular tradição confuciana. Se vivo fosse, Napoleão diria: “arranhai um chinês, encontrareis um confuciano”. Lembremos que o grande general já tinha dito: “arranhai um russo, encontrareis um tártaro”. Ora, o Mandarinato chinês se reciclou, deixou de vestir trajes de militante camponês para aderir ao terno e gravata, engavetou Marx e desengavetou Confúcio. O Mandarinato, que é o estamento dominante do poder, professa essa milenar religião da disciplina, do trabalho, do comércio, do capitalismo à la chinesa. Professa e fortalece a crença de uma “democracia dos melhores” nas várias instâncias da administração. “Democracia dos melhores” que consiste em eleger unicamente aqueles candidatos mais capazes, que se afinem, também, com o conceito oficial de “Mundo Murado”.

Assim como em algumas regiões surgiram as áreas econômicas especiais, também o governo de Pequim estimulou, há algumas décadas, uma experiência de democracia à la ocidental no remoto município de Pingchang, sob a orientação de um dos intelectuais do Partido Comunista mais preparado em matéria de inovações, Yu Keping (1959), diretor do Centro de Inovações do governo. No entanto, esta é uma experiência que mais parece, como diríamos no Brasil, “para inglês ver”, ao não ultrapassar os limites estreitos de um remoto município do interior; experiência que, se apresentar riscos, pode muito bem ser suspensa, de forma instantânea, pelo governo central.

Os chineses cultivam ousadas iniciativas no terreno da cultura, hoje, por exemplo, investindo pesadamente em Hollywood, de forma a explorar as “contradições do Ocidente” em torno à impossibilidade da prática da democracia liberal.

Por baixo de todo esse movimento político e cultural, Francis Fukuyama destaca que a China vive, sob o viés político, um processo semelhante ao acontecido na Rússia. Para esse cientista político, frisa Antônio Paim, “(...) se o sistema político chinês não levasse ao governo representativo, posteriormente democratizado, daria por equivocada a sua teoria”.[49]

A expectativa é de que a classe média chinesa aumente de forma considerável nos próximos anos, chegando, em 2025 a, aproximadamente, 75% dos 1,5 bilhão de habitantes do gigante asiático. Com essa projeção, teríamos uma significativa participação desse contingente populacional, com capacidade de consumo, na sociedade chinesa. Converter-se-ia a China, assim, numa das maiores democracias representativas do mundo.[50]

C – Reforço ao Patrimonialismo de regimes ao redor do mundo, na Ásia, na África, no Oriente Médio e na América Latina. A forma pragmática em que a nova liderança chinesa está se relacionando com os diferentes países nessas regiões é muito especial. Não questiona direitos humanos nem liberdades fundamentais (como fez, por exemplo, com o ditador do Sudão, com os generais da Birmânia, com os irmãos Castro em Cuba ou com o líder da “Revolução Bolivariana” em Caracas). Interessa a Pequim que as relações econômicas andem bem. De forma indireta, via pragmatismo comercial, os chineses terminam reforçando os regimes de patrimonialismo tribal na África, de estalinismo atômico na Coréia do Norte, de patrimonialismo macunaímico e populista na América Latina, de terrorismo fundamentalista dos Aiatolás, no Irã. Os Mandarins vêm com bons olhos os problemas que esses países causam à diplomacia européia e norte-americana. É uma forma indireta de ver reforçado o seu poder no cenário internacional. Só não toleram, e aniquilam, qualquer intento de patrimonialismo islâmico no seu próprio território, como fizeram com os revoltosos da província de Xianjiang em 2007 e 2008.

D – Reforço à presença militar chinesa em potências emergentes e em países do terceiro mundo. Essa estratégia inclui venda de armas e visitas de oficiais latino-americanos à China. A propósito, o estudioso e diplomata do Timor Leste, Loro Horta (1977) informava: “Desde 2000, a China emprega uma estratégia diplomática paciente e de amplo escopo em relação à América Latina. A nova ofensiva sedutora do Exército de Libertação Popular (ELP) vem se consolidando de forma gradual, numa posição segura. As iniciativas, além da venda de armas, permitem cada vez mais ao ELP criar uma base para a cooperação militar de longo prazo, num futuro não muito distante”.[51] Nos últimos anos, formaram-se em academias militares chinesas mais de 100 oficiais representantes das três forças de 12 países latino-americanos. Esses números tendem a aumentar e a tornar cada vez mais forte a presença militar chinesa no subcontinente latino-americano. É o fenômeno que os estudiosos chamam de “diplomacia militar da China”.

E – Modelo estatal de financiamento da pesquisa. Aqui radica um dos gargalos para o regime de Pequim alcançar os Estados Unidos. No sistema americano, o próprio Estado estimula as indústrias privadas a realizarem trabalhos de pesquisa nas áreas mais sensíveis para o desenvolvimento tecnológico do país. Mas a pesquisa é financiada, apenas em parte, pelo setor público. Compete à iniciativa privada desenvolver os trabalhos, a fim de manter a competitividade em face das exigências do Estado. A iniciativa privada, estimulada, arca com o ônus da pesquisa. Na China, o financiamento é inteiramente estatal. Conseguirá o regime de Pequim desenvolver o volume de pesquisas em alta tecnologia que o país precisa, para superar os seus competidores ocidentais, notadamente os Estados Unidos? Conseguirão os chineses criar e manter, por longo tempo, um regime adequado de liberdade intelectual, sem o qual as pesquisas não avançam? Por enquanto, em áreas muito sensíveis, ainda eles dependem da tecnologia ocidental.

F - Uma pedra no caminho chinês. O episódio de Wuhan, de dezembro de 2019, constitui, sem dúvida, a pedra no sapato do regime chinês. A eclosão e expansão, em questão de semanas, pelo mundo afora, do perigoso vírus Covid-19, parece ter se originado de uma pesquisa secreta do governo chinês com vírus letais, que escapou ao controle, pelo fato de não terem sido observados os rígidos procedimentos previstos para tal empreendimento. Inicialmente, o médico que chamou a atenção para o surgimento, em humanos, de tal vírus, e que terminou se convertendo numa das primeiras vítimas, doutor Li-Wenliang (1986-2020) foi punido e calado pelas autoridades comunistas locais. Quando o acontecimento transbordou e se tornou notícia internacional, o governo de Pequim interveio, rapidamente, e construiu a narrativa que coloca o próprio sistema como o primeiro a controlar o vírus e oferecer uma solução eficaz. Um hospital de grande porte foi construído em questão de dias. A narrativa oficial está sendo questionada pela imprensa internacional, e futuros estudos mostrarão o grau de responsabilidade do governo comunista. Wuhan, sem dúvida, poderá passar à história como a Chernobyl (1986) dos chineses. Em homenagem póstuma feita ao Dr. Li-Wenliang, em Hong-Kong, um ativista dizia: “Estamos tristes porque ele foi o primeiro a informar sobre o novo vírus. Tentou dizer a verdade e foi repreendido. Depois disso, toda a informação foi abafada”.[52]

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 NOTAS




[1] WEBER, Max. “A política como vocação”. In: Ensaios de Sociologia. (Tradução de Waltensir Dutra).  4a. Edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 98.
[2] WEBER, Max. Economía y sociedad. (Tradução ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría, et alii). 1a. Edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 1944,  vol. IV, p. 131.
[3] WEBER, Max. Economía y sociedad. Ob. cit., vol. IV, p. 175-178. É interessante observar como Weber já assinalava um aspecto que posteriormente foi desenvolvido por Karl Wittfogel: o dos condicionamentos geográfico-hidráulicos da dominação patrimonial. Contudo, Weber não chegou a analisar em profundidade essas variáveis, salientando, unicamente, a sua concorrência junto aos outros elementos que integram a tipologia ideal da dominação estatal-patrimonial. 
[4] WEBER, Max. Economía y sociedad. Ob. cit., vol. IV,  p. 188-189.
[5] Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. 1a. Edição num único volume. (Antônio Paim, organizador). Brasília: Câmara dos Deputados, 1982. 
[6] WEBER, Max. “Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. Uma contribuição à crítica política do funcionalismo e da política partidária”. In: Weber, Max, Textos selecionados. (Tradução de Maurício Tragtenberg).  2a. Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pg. 1-85. Coleção Os Pensadores.
[7] Cf. WEBER, Max. Economía y sociedad, ob. cit., vol. I, p. 249-252.
[8] WITTFOGEL, Karl. Oriental despotism. A comparative study of total power. Chicago University Press, 1957, 2a. Edição, 1959. Foi consultada a edição francesa intitulada: Le despotisme oriental. Étude comparative du pouvoir total.  (Versão de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.
[9] Cf. SOFRI, Gianni. O modo de produção asiático. História de uma controvérsia marxista. (Tradução de Nice Rissone). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 109. 
[10] WITTFOGEL, ob. cit., p. 269.
[11] WITTFOGEL, ob. cit., Introdução. P. IV.
[12] WITTFOGEL, ob. cit., p. 24.
[13] WITTFOGEL, ob. cit., p. 31.
[14] WITTFOGEL, ob. cit., p. 66.
[15] WITTFOGEL, ob. cit., p. 42.
[16] WITTFOGEL, ob. cit., p. 69.
[17] Este ensaio foi publicado pela Revista Liberdade e Cidadania (vol III, nº 9, jul-set. 2010), com o título: “Os BRICS e a globalização: perspectivas da Rússia e da China”.
[18] AZAMBUJA, Marcos. “O clube dos BRIC, onde tamanho é documento”. In: PEREIRA, Antônio Carlos et alii. A política externa do Brasil – Presente e futuro. Brasília: Fundação Liberdade e Cidadania, 2009 p. 31.
[19] NENAROKOV. 1917 - A Revolução mês a Mês. Trad. de S. Victorovna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 4
[20] Cf. MONTEFIORE, Simon Sebag. Os Románov - 1613-1918. 1ª edição brasileira. (Tradução de C. Carina e outros), São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 19.
[21] Cf. PAIM, Antônio. A querela do estatismo, 2ª edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 30.
[22] Cf. PAIM, Antônio. Marxismo e descendência. Campinas: Vide Editorial, 2009.
[23] POLITKOVSKAYA, Anna. Um diário russo. (Prefácio de John Snow; tradução de Nivaldo Montigelli Jr.). Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
[24] Cf. WEBER, Max. Economía y sociedad. 1a. Edição em espanhol. (Tradução ao espanhol a cargo de José Medina Echavarría, et alii). México: Fondo de Cultura Económica, 1944,  4 volumes. Cf. WITTFOGEL, Karl. Oriental despotism. A comparative study of total power. Chicago University Press, 1957. 2a. Edição, 1959. Foi consultada a 1ª edição francesa intitulada: Le despotisme oriental. Étude comparative du pouvoir total.  (Versão francesa de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.
[25] Cf. VOLKOGONOV, Dimitri. Os sete chefes do Império Soviético. (Tradução, a partir da edição inglesa, a cargo de Joubert de Oliveira Brízida). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
[26] Cf. PAIM, Antônio. Marxismo e descendência. Campinas: Vide Editorial, 2009, pgs. 106; 124.
[27] Cf. POCH-DE-FELIU, Rafael. La gran transición. Barcelona: Memoria Crítica, 2003, p. 6 seg.
[28] Cf. POCH-DE-FELIU, Rafael. La gran transición. Ob. cit., p. 6-7.
[29] POCH-DE-FELIU, ob. cit., p. 9.
[30] POCH-DE-FELIU, ob. cit., p. 10-11.
[31] Cf. VOLKOGONOV, Dimitri. Os sete chefes do Império Soviético. (Tradução, a partir da edição inglesa, a cargo de Joubert de Oliveira Brízida). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 386, seg. 
[32] POCH DE FELIU, ob. cit., p. 11.
[33] GORBACHEV, Mikhail. Perestroika – Novas idéias para o meu país e o mundo. 26ª edição atualizada com a avaliação de Gorbachev sobre o rumo das reformas. (Tradução de J. Alexandre). São Paulo: Editora Best Seller, 1988.26ª edição atualizada com a avaliação de Gorbachev sobre o rumo das reformas. (Tradução de J. Alexandre). São Paulo: Editora Best Seller, 1988. POCH-DE-FELIU, Rafael. La gran transición. Ob. cit., p. 20-55. VOLKOGONOV, Dimitri. Os sete chefes do Império Soviético. Ob. cit., p. 411-423.
[33] Cf. BROWN, Archie; SHEVTSOVA, Lilia (organizadores). Gorbachev, Yeltsin & Putin – A liderança política na transição russa. (Tradução de Sérgio Bath). Brasília: Universidade de Brasília, 2004.
[35] Cf. KAROL, K. S.; NIVAT, Anne, et alii. “Tchétchénie: l´engrenage de l´horreur”. Le Nouvel Observateur. Paris. Nº 1982 (31 Outubro – 6 Novembro 2002): p. 32-37.
[36] FELSHTINSKY, Yuri; PRIBILOVSKI, Vladimir. A era dos assassinos – A nova KGB e o fenômeno Vladimir Putin. (Tradução de Marcelo Schild). Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 2008, p. 379. 
[38] COLIN, Roberto. O ressurgimento da grande potência. Florianópolis: Letras Brasileiras, 2007, p. 122.
[39] PAIM, Antônio (organizador). O patrimonialismo brasileiro em foco. (Obra em colaboração, com a participação de: Antônio Roberto BATISTA, Paulo KRAMER  e Ricardo VÉLEZ Rodríguez). Campinas: Vide Editorial, 2015, p. 62.
[40] COLIN, Roberto. O ressurgimento da grande potência. Ob. cit., p. 122. A respeito dos vaivéns sofridos pela nova pretensão russa de se firmar como parceiro importante perante a Europa, escreveu o professor Antônio Paim, na sua obra, já citada: O patrimonialismo brasileiro em foco (pgs. 63-64): “(...).  Ao balancear o ano de 2014 em sua fala oficial, Putin indicou que as sanções contra a Rússia aplicadas pelos Estados Unidos e parte da Comunidade Européia objetivam impedir que a Rússia reconquiste a posição de grande potência, que espera obstar basicamente evitando o isolamento econômico. Tal posicionamento sugere que a política energética que instituiu (...) tem em vista, precisamente, a reconquista do papel que chegou a desempenhar na política européia. A conclusão em apreço deveria orientar o debate da experiência russa de privatização, com vistas a colher ensinamentos. Em primeiro lugar, a ambição de grande potência que se supõe tivesse chegado a nortear a ação dos governos militares, se é que existiu, deve ser considerada como abandonada. Assim, deveríamos associar os objetivos perseguidos na política energética praticada no país, estritamente, à questão do patrimonialismo. Em segundo lugar, não perder de vista que o objetivo primordial perseguido diz respeito ao que visariam as medidas tendentes a enfraquecer o Estado Patrimonial. Devem estar orientadas precipuamente à criação de grupos sociais extensos, interessados na economia de mercado. Como temos enfatizado, a suposição de que poderia ter surgido estrutura governamental democrática na Rússia, é assumida apenas por uma parte da ciência política norte-americana, talvez simplesmente apressada em justificar o empenho de certos Círculos do Partido Democrata, em restaurar o clima da Guerra Fria. A melhor tradição nessa esfera situa-se do lado dos que levam em conta o peso das tradições culturais, cujo coroamento pode ser apontado no livro, de Samuel Huntington (1927-2008), O choque de civilizações (1996). (...)”.
[41] COLIN, Roberto. O ressurgimento da grande potência. Ob. cit., 2007, p. 121.
[42] Apud LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial. (Tradução de Icaro Bonamigo Gaspodini). São Paulo: Larousse do Brasil, 2008, p. 17.
[43] Cf. RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge – Volume II Oriente, Roma e Idade Média. (Tradução de Jorge Enéas Fortes; revisão técnica de Yedda Botelho Salles). Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p. 12-17.
[44] RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge – Volume II Oriente, Roma e Idade Média. Ob. cit., p. 14.
[45] LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial. (Tradução de Icaro Bonamigo Gaspodini). São Paulo: Larousse do Brasil, 2008, p. 134.
[46] LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial. Ob. cit., p. 137.
[47] LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial. Ob. cit., p. 29.
[48] LEONARD, Mark. O que a China pensa? – O despertar chinês está moldando a nova ordem mundial. Ob. cit., p. 18.
[50] Cf. SECIUK, Cristina. “Classe média chinesa: o próximo (e promissor) mercado da indústria brasileira”. Gazeta do Povo, Curitiba, 14/09/2019. A respeito do crescimento da classe média na China, frisa Cristina Seciuk: “Atualmente, 60% dos chineses vivem nas cidades e, deles, 40% têm renda anual entre US$ 10 mil e 13 mil, mas essa faixa ainda deve crescer consideravelmente num futuro próximo. Segundo Larissa Waccholz (Sócia da Wallya – Butique de Negócios e Investimentos, que assessora investidores chineses) a projeção é que, por volta de 2025, a população urbana chinesa na classe média passe desses 40% para 75%, implementando, muito rapidamente, o viés de consumo que a gente já percebe".
[51] HORTA, Loro. “A influência militar da China na América Latina”. In: Military Review, Janeiro-Fevereiro 2009, p. 30.
[52] TV GLOBO., “Morte de médico que alertou para novo corona vírus gera reação contra governo chinês”. Jornal Nacional. Rio de Janeiro. 07-02-2020, 21:57 h.

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