Páginas

quinta-feira, 28 de junho de 2018

POR QUE O BRASIL É UM PAÍS ATRASADO?


É a pergunta que muita gente se faz e que Luiz Philippe de Orleans e Bragança também coloca no seu livro que leva exatamente o título deste post: Por que o Brasil é um país atrasado? - O que fazer para enveredarmos de vez no século XXI (Ribeirão Preto: Novo Conceito, 2017, 255 p.). O autor é membro da família real brasileira, pois seu pai é dom Eudes, irmão de dom Luís Gastão de Orleans e Bragança, atual chefe da Casa Imperial do Brasil. É, portanto, descendente direto de Dom Pedro II e da princesa Isabel Leopoldina, e pertence ao denominado Ramo de Vassouras, sendo eventual sucessor ao trono. 

Com esses títulos familiares poderia se pensar que Luiz Philippe é uma figura bolorenta, daquelas que cheiram a naftalina do passado. Muito pelo contrário: ele é um jovem executivo e empresário com sólida formação acadêmica, tendo feito mestrado em ciências políticas na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e tendo cursado também o MBA da prestigiosa Escola Internacional de Negócios da França (INSEAD), em Paris. Trabalhou no setor de planejamento financeiro da Compagnie de Saint-Gobain (nos Estados Unidos) e nos bancos JP Morgan (Londres) e Lazard Frères (Nova York), tendo sido, de outro lado, diretor de desenvolvimento de negócios da AOL para a América Latina. A partir de 2005, radicado no Brasil, trabalha como empreendedor. Em 2015 foi cofundador do Movimento Liberal Acorda Brasil e tem atuado na articulação de propostas de reforma política, defendendo o sistema de voto distrital com recall, num contexto de transparência tributária. Tem-se pronunciado pela defesa da soberania e da cidadania que, no seu entender, são postas em xeque pela nova lei de imigração.

Um empresário de família aristocrática que participa, alinhado ao lado liberal da política do país. Algo raro? Não. Existem precedentes ilustres como o de Alexis de Tocqueville, nobre dos quatro costados que descendia, pelo lado paterno, de Guilherme o Conquistador e, pelo lado materno, de S. Luís, rei medieval da França. Tocqueville fez uma opção claramente liberal, em prol da democracia com preservação da liberdade. Defendia as conquistas que, a partir da Revolução Francesa, acabaram com a servidão medieval, mas era contra qualquer forma de absolutismo, criticando inclusive o autocratismo dos jacobinos que degenerou no Terror, bem como o absolutismo napoleônico que fez regredir a história francesa ao século de Luís XIV, que se definia a si próprio como "O Estado" ("L' État c'est Moi").

A obra de Luiz Philippe apresenta um cardápio liberal de temas de grande atualidade para os momentos que o Brasil vive nesta pré-campanha presidencial. Menciono-os, retomando os títulos dos vários capítulos:  Estado ou Governo? Uma sociedade (des) organizada. Constituição, essa desconhecida. Estado grande, povo amarrado. Neossocialismo (ou oligarquismo). Problema de raiz. O mito da ideologia igualitária. Sucessão de oligarquias. Várias oportunidades e poucos capazes de aproveitá-las. Karl Marx e a psiquê do brasileiro. Democracia é o objetivo? Optamos pelo pior. Conscientização coletiva. Conclusão: a nossa missão.

No prefácio da obra, Stephen Kanitz destaca os aspectos que fazem dela uma leitura essencial para entender o nosso pais. Escreve a respeito: "Luiz Philippe de Orleans e Bragança,  descendente direto de nossos antigos monarcas, tem uma visão abrangente e especial, usando o passado e as experiências paralelas para demonstrar como e onde temos falhado na construção da nossa história mais recente - e o faz com a agudeza de um crítico, a energia de um acadêmico e o rigor de um cientista político. A obra nasce em um dos momentos mais delicados e instáveis da nossa trajetória. Dizer que o Brasil é um país atrasado é lugar-comum. E há muitas respostas prontas, segundo o autor. Por esta razão, ele se propõe a oferecer elementos para que o leitor não seja compelido a reproduzir o que é de fácil compreensão, mas que quase sempre não corresponde à realidade" (p.  9).

O primeiro ponto que é analisado criticamente por Luiz Philippe é o da narrativa fácil, criada por cientistas políticos, historiadores, filósofos e sociólogos que abdicaram do uso da razão para compor uma vulgata que permitisse a rápida conquista do poder, com a finalidade de instaurar um vaporoso socialismo. Aqueles, segundo o autor, são os que "(...) descartam a observação, a repetição e a  comprovação científica. Eles desvinculam a ciência da política e terminam por fazer somente política. Esses estudiosos trabalham com o imaginário das pessoas, na intuição sensorial e estética. Políticos com disfarce de cientistas, eles poluem e contaminam milhões de mentes com falsas verdades, estatísticas maquiadas, temas não observáveis, deturpações de fatos históricos, destruição de evidências e tentativas de criação de mitos e narrativas novas para se validarem como representantes 'do povo'. Eles almejam a construção de uma visão confortável, de fácil digestão pelas massas, e querem conquistar controle e poder. São agentes que se utilizam da linguagem camaleônica para obter uma perfeita aceitação nos segmentos que desejam convencer e controlar. Esses são os políticos dentre os cientistas. Atualmente, eles são a maioria no Brasil" (p. 13).

O autor é feliz na caracterização do clima reinante na nossa academia. É só entrar numa sala de aula de qualquer Universidade pública, notadamente das faculdades de ciências humanas, para ver que o que Luiz Philippe frisa não é exagero, mas uma descrição real do que se passa nos nossos centros de estudos superiores. O Gramscismo virou o pano de fundo sobre o qual vicejam as peroratas dos "intelectuais orgânicos", e qualquer um que ousar confrontá-los será excluído do convívio acadêmico. Assim se processou, ao longo das últimas décadas, o clima de entropia da inteligência que nivelou por baixo as Universidades brasileiras. Só há uma saída: ou se ajustar, ou amargar o patrulhamento ideológico que hoje é, infelizmente, o clima predominante no meio acadêmico.

Não é novo o clima de alergia ao pensamento pelo que passa atualmente o Brasil. Na França de finais do século XVIII, à época da Revolução de 1789, Tocqueville destacava que os intelectuais tinham-se dedicado, à luz do enciclopedismo, a elaborar versões facilmente compreensíveis pelas massas, caindo num enredo de generalizações que facilitaram a entrada dos jacobinos na cena política e a radicalização do processo de derrubada do Ancien Régime. As massas, frisava o pensador francês, gostam de generalizações fáceis e são seduzidas por quem lhes apresenta narrativas simplórias. Ora, o único caminho possível para confrontar esse vício é o do uso sério e paciente da razão para analisar os fatos históricos.

É exatamente isso que o autor faz no seu livro. "Nesta obra curta, didática e com esperança de ser objetiva - afirma Philippe de Orleans e Bragança - proponho um caminho deliberadamente oposto ao que vem sendo seguido pela maioria dos cientistas políticos que enxergam a realidade brasileira através de uma lente desfocada pela ideologia. Na análise que segue, o leitor precisa estar preparado para se desvincular da poluição sensorial criada por esses políticos do imaginário. Você terá de se imbuir de seu espírito científico e aceitar a causalidade como regra, o que frequentemente implica em negar convenções e, mesmo, emoções. A pergunta 'o que causa o quê?' deve estar sempre presente para validar qualquer novo fato ou argumento que pretenda ser verdadeiro. Nossa jornada para entender por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido inicia-se com a constatação de que nossas escolhas históricas de sistema de governo e de sistemas econômicos nos colocaram na classificação atual de país em perpétuo e vacilante desenvolvimento" (p. 13-14).

Do ponto de vista político, houve - segundo o autor -costumeiramente uma confusão lamentável entre as três instâncias que compõem esse universo: o Estado, o Governo e a Sociedade. Como entidade permanente que facilita a ponte entre as duas primeiras instâncias, o autor destaca a Burocracia. Ocorre que, na nossa tradição bafejada pelo democratismo rousseauniano, houve uma lamentável confusão entre o permanente, o Estado, e o transitório, o Governo, tendo constituído a Burocracia instrumento para a perpetuação de determinados grupos políticos no poder. A Sociedade foi a grande ausente em todo esse processo histórico de construção das instituições. Cumpre hoje refazer o processo, fazendo com que a Sociedade recrie os traços fundamentais do Estado (que deve servir à Sociedade), a fim de que os Governos, transitórios na sua essência, se ajustem a essa realidade, fazendo com que a Burocracia, de instrumento para a perpetuação no poder de grupos transitórios, passe a servir aos interesses da Sociedade no seio de um Estado democrático de direito e com Governos que prolonguem no tempo esse liame. Em termos jurídicos eu traduziria o anseio de Luiz Philippe de Orleans e Bragança com aquele antigo adágio latino que expressava o mal que deveria ser evitado: "Non est Civitas propter Civem sed Cives propter Civitatem" ("Não estão o Estado e o Governo em função do Cidadão, mas o Cidadão está em função do Estado e do Governo").

Quais são os países em que, no mundo hodierno, o Estado e o Governo realmente servem às Sociedades em que aqueles se organizaram e nos quais "a sociedade organizada partilha do comando da coisa pública"? A resposta do autor é clara: "São, não por acaso, as nações mais desenvolvidas: os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, os Estados da Europa ocidental e o Japão" (ob. cit., p. 34).

Ora, o Brasil é um país atrasado porque historicamente as nossas lideranças fizeram opções erradas do ângulo político, favorecendo o surgimento de um Estado mais forte do que a sociedade, sequestrado por Governos clânicos que colocaram as instituições a serviço de pequenas minorias oligárquicas. Esse é, em síntese, o nosso mal. Em lugar de ter vingado no Brasil uma economia de mercado favorável ao enriquecimento da Sociedade, terminou se estruturando um sistema produtivo que ainda hoje beneficia elites descoladas do resto da Nação. Os governos populistas estimulam o surgimento de "campeões de bilheteria" escolhidos pelos donos do poder. O drama dos últimos 14 anos da história brasileira pode ser traduzido nesse contexto.

Para o Brasil sair do buraco é necessário estimular a organização da Sociedade Civil, a fim de que ela retome o Governo e o controle sobre o Estado e passem a ser respeitados os direitos de todos os cidadãos. "Caso não haja uma sociedade bem organizada - alerta o autor -, as ações para limitar governo e burocracia serão frustradas. Sim, a sociedade organizada é a elite da sociedade e responsável pela sua defesa" (p. 31).

O ciclo lulopetista correspondeu a um período de atraso do nosso desenvolvimento como Sociedade Civil. Em lugar de estimular a produtividade mediante a liberdade de investimentos e de funcionamento das empresas privadas, os petistas partiram para uma grosseira estatização em que os sindicatos tiveram amplas garantias para se beneficiarem de fundos públicos sem controle de parte do Governo. "Para lutar contra o 'assalto ao Estado' - frisa o autor - o governo Dilma propunha um planejamento público centralizado e impositivo; criação de um sistema bancário público; incentivo às estatais estratégicas para executar o planejamento básico e para 'incitar' e 'puxar' empresas privadas; e a utilização da dívida pública como ferramenta para o desenvolvimento. Em outras palavras, estavam propondo a nacionalização dos poucos bancos privados que restam, a estatização de empresas particulares e a ampliação dos gastos crescentes e insustentáveis com programas sociais mal desenvolvidos. (...) . Esse tipo de discurso é padrão da ideologia que leva ao comunismo. Escutamos variações mais ou menos competentes dessa narrativa desde a queda do muro de Berlim, em 1989, de modo que já fincou raízes na nossa formação intelectual. Mesmo aqueles brasileiros que posteriormente questionaram essa abordagem e aderiram a uma visão lógica e científica da história e da economia, se formaram ouvindo esse discurso, vendo o mundo e a história sob a lógica binária da luta de classes. Sendo assim,  é especialmente difícil para nós nos contrapormos a essa visão de mundo. Mas difícil não significa impossível, e podemos escapar dessa mitologia quando analisamos seus pressupostos como etapas" (p. 74-75). 

As propostas estatizantes petistas para criar no Brasil um Estado social não são novas. A respeito, frisa Luiz Philippe de Orleans e Bragança: "Sob a grande mentira de que o Estado estava libertando o trabalhador dos grilhões do capital, criaram-se poderes socialistas despóticos. Esses regimes eram de jura e de fato patrimonialistas e, em grande parte, mais totalitários do que aqueles regimes monárquicos absolutistas do século XVII, representando um nítido retrocesso. (...). Oligarcas da economia convivem muito bem com os oligarcas políticos criados pelo Estado social. Quando notamos que boa parte dos novos magnatas empresariais vêm de países controlados, como a Rússia e a China, isso não é nenhuma contradição. É, apenas, uma questão de lógica. Um Estado com modelo de alta intervenção regulamentar e tributária, a exemplo dos fascistas, nazistas, socialistas e comunistas, tem economia planejada centralmente, o que os torna ideais para que os poucos grandes empresários e oligarcas econômicos controlem todo o sistema. A troca é simples, mas invisível ao leigo, ao pagador de impostos normal. Funciona assim: os oligarcas, por serem contra a competição de livre mercado, articulam a criação de uma regulamentação altamente restritiva para o mercado interno. A medida elimina a competitividade de pequenas e médias empresas nacionais e o protecionismo inviabiliza as importações. Em troca de regulamentações favoráveis e de financiamento público extensivo a taxas camaradas  - como se viu com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, por exemplo -,  os oligarcas aceitam normas trabalhistas que encarecem os seus custos e garantem benefícios maiores aos trabalhadores escolhidos pelos sindicatos. Escondida nesse jogo, está a demanda dos oligarcas políticos por sucessivos aumentos de renda, patrocínio a campanhas políticas e por cada vez mais empregos para os seus correligionários" (p. 77-80).

Houve, na evolução constitucionalista do Brasil, um duplo movimento: de início tivemos a influência dos modelos liberais anglo-americanos e franceses que levaram a que, entre 1824 e 1930, o país tivesse uma configuração inspirada no liberalismo. A resultante disso foi clara: grande estabilidade institucional. Nesse longo período, frisa o autor, durante 106 anos, "(...) o Brasil foi uma nação de economia e política liberais, com um mercado aberto desregulamentado, Estado de Direito não intervencionista e, consequentemente, pequeno, custando somente o equivalente a 13% do produto interno bruto (PIB) em tributos. O direito à propriedade era pleno e inviolável, e o acúmulo de riqueza não era visto como um problema a ser controlado ou tributado pelo Estado" (p. 84). 

Logo veio um movimento no sentido do estatismo e do controle, pelo Estado, da economia e da sociedade. Esse novo momento se iniciou com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930 e reforçou-se com a entrada dos militares na vida política ao longo dos vinte anos que medeiam entre 1964 e 1985. O Brasil nunca mais saiu desse esquema presidido por um Estado forte e interventor. Os impostos passaram a engolir cada vez mais a riqueza nacional. O populismo getuliano deixou uma herança cara: os impostos passaram a engolir, em média, 17% do PIB. No fim do período militar a tributação passou a se apropriar de 27% do PIB nacional. A cultura do estatismo que se instalou fez com que nas décadas seguintes o Estado passasse a se apropriar de fatias cada vez maiores da produção nacional, sendo que em 2015 o Leviatã tupiniquim já se apropriava de 35% da riqueza dos brasileiros.

Conclusão do autor: "Contada do ponto de vista  da evolução das ideias, a história do Brasil é muito clara e simples: o país nasceu em 1824 com uma Constituição liberal e os princípios de Estado passivo, limitado, de economia livre e que tributava pouco permaneceram presentes até 1930. Em 1934, uma nova Constituição de viés socialista iniciou um ciclo de aumento contínuo do poder do Estado, que criou para si deveres intervencionistas na sociedade e na economia. As constituições subsequentes de 1946 e de 1988 só adicionaram mais legislação a favor do Estado e contra o liberalismo político e econômico, dando legitimidade legal à criação de um Estado totalitário e interventor na economia fechada que temos hoje no Brasil" (p. 94).

Nenhum comentário:

Postar um comentário