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terça-feira, 17 de abril de 2018

A NORMA, OS FATOS A JUSTIÇA E AS INSTITUIÇÕES



No seu belo poema Perí tes fyseos (Acerca da Natureza), o filósofo Parmênides de Eléia narra, em bela ficção poética, a marcha do carro do conhecimento, guiado pelas Helíades (Filhas do Sol), em direção ao Infinito, em busca da Verdade. O homem (que somos todos nós, passageiros desse carro da aventura epistêmica rumo à Luz imorredoura) parte das "moradas da noite" que se identificam com a nossa cotidianidade (a defesa dos interesses materiais), a fim de, no alto Céu, encontrarmos duas deusas: Diké (a Norma) e Themis (a deusa amorosa do sentimento de Justiça). 

Ora, no convívio com as duas deidades iluminamos com a Luz da Verdade as nossas "moradas da noite", a cotidianidade que nos assoberba com os seus finitos e passageiros requerimentos. Mas o filósofo alerta que o convívio com as deusas não pode nos separar dessas "moradas da noite" que devem ser iluminadas, sempre, com a luz olímpica da Justiça e da Lei.

Distribui entre os meu alunos do Curso de Direito da Universidade Positivo em Londrina, nas aulas da disciplina "Teorias da Justiça", o belo texto de Parmênides, na maravilhosa tradução do saudoso Gerardo Mello Mourão (Parmênides. O Poema sobre a Natureza. Edição bilíngue, tradução de Gerardo M. Mourão, São Paulo: Edições Gumercindo Rocha Dorea - GRD, 1987, 28 pg.). Os meus alunos, pertencentes  na sua maioria à primeira turma do Curso, fizeram comentários entusiasmados acerca do belo poema de Parmênides. O pensador pre-socrático intuía, na sua narrativa poética, o caminhar da razão humana rumo à descoberta de verdades imorredouras, partindo sempre dos dados da vida cotidiana. Antecipava genialmente Parmênides a estrutura tridimensional do Direito, que Miguel Reale identificou como distribuída entre Fato, Valor e Norma. Somente poderemos dar solução aos conflitos de interesses que azucrinam a vida dos humanos (Fatos) se nos elevarmos, pela reflexão, às Normas (identificadas com a "poderosa" deusa Dikê) e se formos inspirados, ao mesmo tempo, pela amorosa presença de Themis (a deusa do Amor à Justiça).

Juízes que julgam acerca dos comportamentos erráticos dos homens devem confrontá-los com as Normas, mas sem esquecer o sentimento do amor à Justiça, que  constituiria como que o espírito da Lei. Nestes tempos bicudos de tentativas de desmonte da mega-operação Lava-Jato (que virou torrente que parece não se exaurir), lembrar essa dimensão tridimensional do Direito postulada pelo Mestre Miguel Reale, é uma necessidade. Sem o primado da Lei, à luz da vivência do sentimento da Justiça, não poderemos iluminar as "sendas da noite", ou seja, a particularidade dos fatos humanos e dos conflitos de interesses que precisam ser esclarecidos e equacionados à luz da Verdade. Hoje, mais do que nunca, a Filosofia precisa verter a sua luz imorredoura sobre os tortuosos caminhos pelos que o Direito se firma como Norma e como Ideal. Somente sob a batuta de juízes íntegros, dispostos a ir até às últimas consequências no seu amor à Justiça, é como poderemos obter ajuda para encararmos estes tempos difíceis, salvando as Instituições.

Acontece que nem sempre as nossas cortes superiores, notadamente o Supremo Tribunal Federal, parecem afinadas com os altos ideais de amor incondicional à Justiça e de respeito às Normas do Direito positivo. Decisões liminares contrapõem-se, na nossa Suprema Corte, a decisões colegiadas que já tinham assinalado o caminho seguro para o império da Justiça. Tal intuito, certamente, tinha animado aos Juízes da Suprema Corte quando definiram, há quase uma década atrás, de forma colegiada, a espinhosa questão da prisão após a condenação dos réus na segunda instância. Ao ensejo da possibilidade de prisão do ex-presidente Lula, há algumas semanas atrás, a questão foi novamente colocada sobre o tapete, abrindo o precedente de incerteza jurídica que ainda hoje paira sobre as nossas cabeças. E, para piorar as coisas, alguns juízes da Suprema Corte adotaram comportamentos pouco éticos, colocando a própria vaidade e os compromissos com interesses individuais por cima da dedicação que deveriam mostrar às causas que afetam a Vida Republicana. Gilmar Mendes viajando de afogadilho para tocar os seus negócios particulares em Portugal, trouxe para o Supremo uma péssima imagem de alguém que deveria viver, fundamentalmente, para responder às exigências do alto cargo que ocupa. Outro ministro, caracterizado por suas posições individuais discordantes, deu um show de falta de seriedade quando se afastou célere da reunião do Supremo para atender a compromissos sociais no Rio de Janeiro, alegando que "já tinha marcado assento no voo". Como se, no caso da sessão do Supremo Tribunal Federal, se tratasse de uma reuniãozinha qualquer marcada com amigos de ocasião.

Para cúmulo de males, a nossa secular tradição patrimonialista viu-se reforçada, nos últimos quatorze anos de desgovernos petistas, pela prática dos vícios que o clientelismo rasteiro sedimentou no agir político brasileiro, com o foco nos "amigos" e não nos cidadãos para os que deveriam, Lula e os seus colaboradores, governar. A corrupção no sentido aristotélico (quando os que governam fazem-no pensando no seu próprio bem-estar unicamente, se esquecendo do bem de todos) tomou conta do país. Isso motivou as mega-manifestações de 2013 e dos anos seguintes. O país viu a transformação das instituições republicanas no "Mecanismo" tão bem dramatizado pelo filme da Netflix, dirigido por José Padilha com roteiro de Elena Soares. O nosso Estado, que deveria servir a todos os brasileiros, virou, como diria Weber, um "Estado das autoridades" que unicamente cuida do bem-estar da burocracia e dos seus áulicos empresários corruptos, deixando de ser um "Estado do povo".

Esse descaso com o que é de todos, que nos afeta desde o início dos nossos dias como Nação, no ciclo lulopetista se converteu em doença contagiosa que faz periclitar o convívio político. O Brasil vai às escuras, tendo deixado de equacionar os grandes problemas que atravancam a vida política. Não foi feita a reforma política. As reformas no terreno econômico, como a previdenciária, patinam. O Partido que nos governou até recentemente especializou-se, ao longo dos seus trinta anos de história como agremiação partidária, a fugir dos problemas nacionais. Lula não assinou a Carta de 88. Os petistas torpedearam por todos os meios a efetivação das reformas econômicas que, ao ensejo do Plano Real, puseram fim à corrida inflacionária. E hoje, desalojados do poder, conspiram contra qualquer tentativa de conferir estabilidade à nau do Estado, se aliando ao anarquismo irresponsável dos mal chamados "movimentos sociais" e pregando, pela boca do seu máximo líder, ora na cadeia, um confuso e anárquico messianismo que não se sabe aonde pretende nos conduzir.

Ora, como as instituições não caem do céu, competindo a todos nós equacioná-las, é tempo de pensarmos naquilo que deve ser feito para garantir o convívio coletivo. A primeira reforma deveria ser a política, com a redefinição do nosso pacto federativo. Do jeito que a representação foi pensada ao longo dos ciclos autoritários, favorecendo mais os grotões atrasados do que a participação maior dos Estados mais modernizados, não iremos a lugar nenhum. A segunda providência deveria ser no terreno da definição político-partidária, mediante a adoção do voto distrital, a fim de aproximar mais os eleitos dos eleitores e dar a estes, efetivamente, o controle sobre o Congresso. A terceira providência deveria ser, no terreno econômico, com a diminuição efetiva da presença do Estado na economia, mediante as privatizações da centena e meia de empresas estatais improdutivas que garantem gastos mas que atravancam o desenvolvimento.

William Waak no seu artigo intitulado: "Uma Ideia" (O Estado de São Paulo, 12/04/2018) chamava a a atenção para o fato de que a prisão do ex-presidente Lula não era a solução mágica para todos os males que nos afligem. Ela foi, certamente, um evento alvissareiro. Pelo menos, nesse caso, foi feita justiça.  Alguém, como Lula, que se vangloriava de não levar em conta as instituições, teve de sair de cena, por força da lei penal que ainda vige e que castiga severamente aqueles que se prevalecem do poder para desviar recursos públicos. 

Mas a solução dos nossos males passa também pelas reformas que ainda não foram feitas, notadamente o reerguimento do Legislativo como poder autenticamente republicano, hoje reduzido a um colegiado que tem vergonha de si mesmo e do qual os brasileiros deblateram. Ora, sem representação que valha, não teremos uma República que mereça o nome. Teremos, sim, um despotismo mais ou menos disfarçado.

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