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domingo, 4 de dezembro de 2016

MEDELLÍN E A TRAGÉDIA CHAPECOENSE


Comovedora homenagem dos torcedores em Medellín, 30 de novembro
O público brasileiro ficou emocionado ao presenciar a bela homenagem prestada pelos cidadãos de Medellín à equipe chapecoense vítima do brutal acidente de aviação que, no dia 27 de Novembro, no voo da empresa Lamia, entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín, terminou vitimando a maior parte da equipe chapecoense, bem como duas dezenas de jornalistas brasileiros, além dos funcionários do clube e a comissão técnica da equipe.

Essa bela homenagem foi espontânea. Qual foi a força que mobilizou mais de cinquenta mil pessoas para que, do fundo do coração, rendessem homenagem tão singela e autêntica, capaz de comover milhões de pessoas que assistiram pela TV, no Brasil e pelo mundo afora, ao ato no estádio Atanásio Girardot de Medellín? Qual foi o motivo que levou ao próprio governo colombiano a se somar à homenagem prestada aos mortos, fazendo com que as aeronaves da Força Aérea Brasileira que transportavam os caixões para o Brasil, fossem belamente escoltadas por aviões da Força Aérea Colombiana, desenhando nos céus de Medellín as cores da bandeira do clube chapecoense?

As razões para esse clima de compaixão coletiva devem ser buscadas na história que as cidades colombianas, particularmente Medellín, viveram ao longo dos últimos trinta anos. Nesse período, a Colômbia sofreu duas guerras: a do narcotráfico e a das FARC. Que o ambiente que se vivia na Colômbia era de violência generalizada não resta dúvida e disso dão testemunho os seriados "El Patrón del Mal" e "Narcos", que contam a história de Pablo Escobar e do Cartel de Medellín, com as suas guerras contra o Cartel de Cali e contra o Estado colombiano. Seriados anteriores como o famoso "Rodrigo D" de Victor Gaviria, premiado em Cannes, já davam conta desse clima de violência que afetava a todos e que parecia não ter fim.

Digamos, de entrada, que a Colômbia escolheu a paz, como destaco no meu livro publicado há algum tempo com o título de: Da guerra à pacificação: a escolha colombiana (Campinas: Vide Editorial, 2010, 165 p.). Mas essa busca não foi apenas um objetivo traçado pelo presidente Alvaro Uribe Vélez em 2002, quando assumiu o poder num país devastado pela guerra interna. Foi também uma opção dos cidadãos, cansados já de tanta violência. O caminho pelo qual enveredaram as cidades colombianas, Medellín à testa, foi o da educação cidadã. Graças a essa opção, complementada com o firme combate, por parte do Estado, aos grupos violentos, foi possível desmontar os cartéis da droga e dominar os guerrilheiros, de forma a que se submetessem às regras do jogo democrático e assinassem a paz, como acabam de fazê-lo os guerrilheiros das FARC.

No contexto da luta contra os traficantes e a guerrilha, Medellín optou pela educação cidadã. Essa opção tinha sido iniciada, nos anos 90, nas pequenas cidades do interior, a partir dos núcleos urbanos administrados por indígenas. 

Segundo a herança deixada pelo Direito Filipino, na América espanhola os aborígenes tiveram a possibilidade de, nas regiões onde predominavam os seus agrupamentos, eleger os governantes locais (prefeitos, vereadores e, a partir da Constituição de 1990, os seus senadores e deputados). 

Ora, foi a partir dos assentamentos indígenas onde as FARC começaram a encontrar resistência cívica não violenta contra as suas arremetidas para impor o "clientelismo armado", após bombardear, pela noite, com grosseiros morteiros que disparavam botijões de gás cheios de dinamite e pregos, a cidade a ser submetida. Na manhã do dia seguinte, com os prédios públicos em ruínas, os cidadãos eram reunidos na praça central, a fim de que identificassem o prefeito e os vereadores, para que assinassem com os meliantes um "contrato" de segurança, lhes passando 10% do orçamento municipal a título de "imposto de segurança". Quem não fizesse isso seria simplesmente eliminado. Foram numerosos os prefeitos e vereadores fuzilados em praça pública pelos guerrilheiros, ao se oporem às injustas pretensões. 

Os indígenas, nos seus povoados, quando foram assim abordados pelos guerrilheiros, após a noite de bombardeio, sentavam em silêncio, todos vestidos de branco, na praça da cidadezinha. Os guerrilheiros ficaram literalmente paralisados. Não sabiam o que fazer. Terminavam por sair da pequena cidade. Essa resistência pacífica à la Gandhi contaminou beneficamente as outras cidades colombianas. Medellín copiou o exemplo.

O prefeito metropolitano que, segundo a reforma constitucional de 1993 passou a ser o chefe das forças de segurança, definia quais os lugares mais violentos da cidade. Ali se tornariam presentes a polícia, e, se necessário, as forças especiais do exército, para eliminarem os focos armados. 120 dias após a intervenção das forças da ordem, o prefeito entregava à comunidade, no lugar onde antes imperavam os foras-da-lei, um belo Parque-Biblioteca com os seguintes serviços: escola municipal totalmente equipada, campos de esporte, posto médico, delegacia policial, agência bancária. Tudo disposto ao redor da Biblioteca Pública. 

Finalidade da ação cívica: mostrar aos cidadãos que o Estado existe, representado na cidade pela Prefeitura e que as instituições vieram para ficar e para defender os cidadãos nos seus direitos básicos à vida, à liberdade, às posses. Todas as obras foram bancadas mediante parcerias-publico-privadas entre a Prefeitura e os empresários locais. Lição fundamental desse liberalismo telúrico de que os colombianos, notadamente os "antioqueños" (habitantes do Departamento de Antioquia) são tão ciosos e que se representam a si mesmos como "o povo que não agacha a cabeça".

Ao longo da primeira década deste milênio foram completadas ações desse tipo ao longo da cidade, nos lugares mais deprimidos social e economicamente e que tinham virado refúgio da guerrilha ou dos narcotraficantes. A cidade foi, assim, pacificada. As taxas de violência, que eram as maiores do mundo, ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado, com 300 homicídios por cem mil habitantes, despencaram rapidamente, beirando hoje o nível dos 10 homicídios por cem mil habitantes. E nasceu, entre os habitantes de Medellín, o sentimento cívico de morarem na cidade "mais educada". 

Efetivamente, o slogan colou: "Medellín, la más educada" virou cartão de apresentação da cidade perante o mundo. Hoje, Medellín se orgulha de ser uma cidade vitrine onde se apresenta a solução cívica da conquista da paz pela educação, como mensagem aberta ao mundo. Medellín já virou referência internacional de "soluções criativas" para a conquista da paz e do convívio humano de qualidade. São inúmeros os prêmios internacionais que a cidade recebe anualmente. 

Os habitantes de Medellín já se acostumaram a participar do movimento cívico "Como Vamos", integrado por empresários, universitários, cidadãos comuns, sindicatos e associações profissionais, reunidos ao redor da Câmara de Comércio. Mensalmente, o comitê executivo do movimento estuda a situação do município nos seguintes itens:

Educação,
Saúde, 
Saneamento Básico,
Habitação, 
Meio Ambiente, 
Áreas Públicas, 
Transporte Viário,
Responsabilidade Cidadã,
Segurança Cidadã,
Gestão Pública,
Finanças Públicas,
Desenvolvimento Econômico.

O maior jornal da cidade, El Colombiano, publica mensalmente os resultados da pesquisa, que se tornaram diretriz para o Prefeito. As eleições passaram a privilegiar aqueles candidatos que melhor respondessem, com os seus programas, às expectativas do movimento cívico "Como Vamos", garantindo-assim, nas gestões vindouras, a continuidade administrativa, sem levar em consideração coloração político-partidária.

Essa é a origem do surgimento e preservação da atitude cívica da compaixão, que os habitantes de Medellín mostraram perante o mundo com a sua atitude em face das vítimas da tragédia chapecoense, passando a se apresentar ao mundo como parceiros da dor dos amigos brasileiros. 

Belo exemplo de educação para a cidadania, que renovou a qualidade de vida de uma das cidades mais castigadas pela violência no mundo contemporâneo. Bela lição de esperança para nós, brasileiros, que nos sentimos ludibriados hoje por uma classe política que não olha para os nossos interesses legítimos, preferindo partir para a defesa unilateral dos seus privilégios. A conclusão que salta à vista é esta: se os habitantes de Medellín conseguiram melhorar a sua condição de cidadãos, nós também podemos fazer a mesma coisa, nas nossas cidades castigadas pela violência e a corrupção desenfreadas!

2 comentários:

  1. Mais excelente texto professor, que mostra que as coisas não acontecem por mero acaso.

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