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domingo, 11 de setembro de 2016

11 DE SETEMBRO - AS RAZÕES DA GUERRA CONTRA O TERRORISMO


Cumprem-se hoje quinze anos da agressão terrorista de Al Quaeda aos Estados Unidos. Essa data marca o início da 3ª Guerra Mundial, que é denominada de "Guerra contra o Terrorismo Islâmico" na qual, hoje, estão embarcadas todas as Nações, ricas, remediadas ou pobres que sofrem, indistintamente, os ataques brutais do Terrorismo Islâmico, diversificado em várias siglas, sendo a mais atuante, nos dias que correm, o denominado Estado Islâmico.
A resposta americana contra os ataques perpetrados pelos terroristas em Nova Iorque e Washington foi rápida e eficaz. Mas, como se trata de uma guerra difusa, o conflito continua. Paralelamente, pelo mundo afora disseminou-se a ideologia do ódio aos Estados Unidos e aos países que reproduziram formas livres de desenvolvimento capitalista, notadamente os pertencentes à Comunidade Européia e às Ilhas Britânicas.
Vale lembrar esta triste data, porque é algo que nos atinge também. A Argentina já foi vítima dos ataques do terror islâmico. E o Brasil hoje se preocupa com essa ameaça, como vimos na decidida resposta dada pelas autoridades ao ser aprovada a legislação antiterror, que possibilitou o rápido desmantelamento da rede nascente de apoio, no nosso país, ao Estado Islâmico, em momentos em que o Brasil recebia delegações esportivas do mundo todo, ao ensejo da Olimpíada do Rio.
Divulgo, a seguir, documento que escrevi em 2001, logo após os atentados do 11 de Setembro. É a minha colaboração para lembrar essa triste data e em homenagem às muitas vítimas do terror islâmico, que se contam aos milhares no mundo desde então.

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A prática da desinformação em que são especialistas os espíritos totalitários tem espalhado pelo mundo afora a idéia de que a guerra iniciada pelos americanos contra o terrorismo não tem nenhuma base moral de sustentação. A ofensiva deflagrada pelo governo do presidente Bush contra os terroristas de Al Quaeda e os seus colaboradores passou a ser considerada pela mídia a serviço do totalitarismo como um crime contra a humanidade.
A resposta do governo americano não foi, porém, decisão isolada da alta administração do Estado. Foi, antes de mais nada, reação da sociedade americana, profundamente indignada por uma agressão injusta. Convém analisar as razões de tipo moral em que se alicerçou essa resposta armada. A melhor explicitação das mesmas está contida na carta que sessenta reconhecidos intelectuais americanos divulgaram pela imprensa, ao ensejo dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 contra o povo estadunidense, com o título de Carta da América.
1) Os assinantes da Carta da América.- Os assinantes do mencionado documento, publicado na íntegra por vários jornais nos Estados Unidos e na Europa (consultei a edição internacional do Le Monde de 23 de fevereiro de 2002), foram os seguintes: Enola Aird (pesquisadora do Institute for American Values e diretora do Motherhood project); John Atlas ( fundador e presidente do National Housing Institute, grupo de reflexão dedicado ao estudo dos problemas da pobreza, do racismo, do desemprego e da educação); Jay Belsky (professor e diretor do Institute for the study of children, familics and social issues do Birbeck College, vinculado à Universidade de Londres); David Blankenhorn (fundador e presidente do Institute for American Values); David Bosworth (escritor);  R. Maurice Boyd (pastor da Igreja Presbiteriana, em Nova Iorque); Gerard V. Bradley (professor de direito na Universidade de Notre Dame, Illinois); Margareth F. Brinig (professora de direito na Universidade de Iowa); Allan Carlson (presidente do Howard Center for Family, Religion and Society); Khalia Duràn (redator-chefe da Revista Transislam Magazine); Paul Ekman (professor de psicologia no departamento de psiquiatria da Universidade da Califórnia - São Francisco); Jean Bethke Elshtain (professora de ética social e política na Universidade de Chicago); Amitai Etzioni (professor de sociologia da Universidade George Washington); Hillel Fradkin (presidente do Ethics and Public Policy Center); Samuel G. Freedman (ex-jornalista do New York Times e professor da escola de jornalismo da Universidade de Columbia);; Francis Fukuyama (professor de economia política internacional na John Hopkins School of Advanced International Studies); William A. Galston (professor de teoria política na  School of Public Affairs da Universidade de Maryland e integrante da equipe de governo da primeira administração Clinton); Claire Gaudiani (ex-presidenta do Connecticut College e diretora de pesquisa na faculdade de direito da Universidade de Yale); Robert P. George (professor de jurisprudência e ciência política na Universidade de Princeton); Neil Gilbert (professor de ciências sociais na Universidade da Califórnia - Berkeley); Mary Ann Glendon (professora de direito na Universidade de Harvard); Norval D. Glenn (professor de sociologia e  estudos americanos na Universidade de Texas - Austin); Os Guinness (ensaista); David Gutmann (professor emérito de psiquiatria na Northwestern University); Kevin Hasson (presidente do Becket Fund para a liberdade religiosa); Sylvia Ann Hewlett (membro da National Parenting Assotiation); James Davison Hunter (professor de sociologia e estudos religiosos na Universidade de Virginia); Samuel Huntington (professor de ciências políticas da Universidade de Harvard); Byron Johnson (diretor do centro de pesquisa sobre a religião e a sociedade civil urbana, na Universidade da Pennsylvania); James Turner Johnson (professor de religião na Universidade Rutgers - New Jersey); John Kelsay (professor de religião na Universidade do Estado da Flórida); Diane Knippers (presidenta do Instituto Religião e Democracia); Thomas C. Kohler (professor na faculdade de direito do Boston College); Glenn C. Loury (professor de economia na Universidade de Boston); Harvey C. Mensfield (professor de ciências políticas na Universidade de Harvard); Will Marshall (membro fundador e presidente do Progressive Policy Institute de Washington, entidade que colaborou estreitamente com a administração Clinton); Richard J. Mouw (professor de filosofia cristã e presidente do Fuller Theological Seminary); Daniel Patrick Moynihan (ex-senador pelo Estado de Nova Iorque e professor da Universidade de Syracuse, N Y);  John E. Murray (professor de direito na Universidade Duquesne - Pennsylvania); Michael Novak (membro do American Enterprise Institute); Val J. Peter (diretor executivo de Boys and Girls Town);David Popenoe (professor de sociologia na Universidade Rutgers - New Jersey); Robert D. Putnam (professor de ciências políticas na Universidade de Harvard); Gloria C. Rodríguez (fundadora e presidenta de Avance); Robert Royal (presidente do Faith and Reason Institute - Washington); Nina Shea (diretora da Casa da Liberdade do Centro para a Liberdade Religiosa); Fred Siegel (professor de história); Theda Skocpol (professora de sociologia na Universidade de Harvard); Katherine Shaw Spath (professora de direito na Universidade do Estado da Louisiana); Max L. Stackhouse (professor de ética cristã no Seminário Teológico de Princeton); William Tell Jr. (membro da Fundação William and Karen Tell); Maris A. Vinovski (professor de história e de ciências políticas na Universidade de Michigan); Paul C. Vitz (professor de psicologia na Universidade de Nova Iorque); Michael Walzer (professor do Institute for Advanced Study de Princeton); George Weigel (pesquisador do Ethics and Public Policy Center); Charles Wilson (diretor do Centro de Estudos da Cultura Sulista da Universidade de Mississippi);  James D. Wilson (professor emérito de administração e ciência política na Universidade da Califórnia - Los Angeles); John Witte Jr. (professor de direito e ética na faculdade de direito da Universidade Emory - Georgia); Christopher Wolfe (professor de ciências políticas na Universidade Marquette - Wisconsin); Daniel Yankelovich (presidente de Public Agenda).
2) Princípios gerais.- Democratas e conservadores moderados, os assinantes da Carta da América alicerçam-se no princípio liberal, formulado por John Locke no seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil (1689), de que o corpo social pode reagir contra uma ameaça externa que coloque em risco a sua existência, fazendo, para isso, uso do "poder federativo" de fazer a guerra. Os assinantes da Carta deixaram clara essa sua inspiração liberal, com as seguintes palavras, com as que iniciam a sua declaração: "É às vezes necessário para uma nação se defender pelas armas. Posto que a guerra é um assunto sério que entranha o sacrifício de preciosas vidas humanas, a consciência exige que aqueles que a fazem expressem claramente o arrazoado moral que subjaze aos seus atos, a fim de que as partes envolvidas e o mundo inteiro sejam advertidos, sem ambigüidades, dos princípios que defendem".
O arrazoado moral em que os assinantes da Carta da América se alicerçam para defender a guerra contra os terroristas que atacaram os Estados Unidos, consta de cinco princípios fundamentais. Esses princípios, que se aplicam a todas as nações do mundo, sem exceção, são os seguintes: "1) Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e em dignidade (Declaração Universal dos Direitos do Homem, ONU, artigo primeiro). 2)  O sujeito fundamental da sociedade é a pessoa humana. Um governo tem como papel legítimo proteger e garantir as condições do crescimento humano. 3) Os seres humanos são naturalmente inclinados a buscar a verdade acerca do sentido e do fim último da vida. 4) A liberdade de opinião e a liberdade de culto são direitos invioláveis da pessoa humana. 5) Matar em nome de Deus é contrário à fé em Deus. É a maior traição contra a universalidade da fé religiosa. Nós lutamos por nos defendermos e por defender esses princípios universais".
3) Os valores americanos.- Os assinantes da  Carta da América perguntam por que os Estados Unidos foram atacados no dia 11 de setembro de 2001. Fazer essa pergunta não significa, de forma alguma, que eles não sejam conscientes das falhas que os Estados unidos têm cometido no seu relacionamento com os outros países. Os assinantes fazem o seu mea culpa, reconhecendo as deficiências americanas no mundo globalizado. Eis as suas palavras a respeito: "Reconhecemos que a nossa nação tem, às vezes, dado provas de arrogância e de ignorância em face de outras sociedades. A nossa nação tem posto em prática, às vezes, políticas mal orientadas e injustas. Temos amiúde, enquanto nação, falhado em relação aos nossos próprios ideais. Não podemos impor princípios morais a outras sociedades se, ao mesmo tempo,  não reconhecemos as nossas próprias falhas em face desses princípios".
Mas, se a consciência das próprias falhas é clara para os assinantes da Carta da América, também não deixa de ser verdade que essa consciência não pode ser alegada pelos inimigos dos Estados Unidos para que sejam atacados cidadãos americanos indefensos. A respeito, os signatários afirmam: "Nós estamos unanimemente convictos (e seguros, por isso, de que seremos aprovados por todos os homens de boa vontade no mundo), de que a alegação de tal ou qual falta específica em matéria de política externa não pode, em caso nenhum, justificar, nem sequer servir de argumento válido para validar o massacre massivo de inocentes".
Ora, consideram os assinantes da Carta da América, os motivos alegados pelos terroristas que perpetraram os atentados de 11 de setembro, não se prendem a uma determinada exigência em matéria de política internacional. O chefe de Al Qaeda definiu os "ataques benditos" de 11 de setembro, como golpes desferidos contra a América "capital do mundo dos infiéis".  Em relação a esse fato, os assinantes frisam que "é preciso, pois, deduzir que os nossos agressores visam não somente o nosso governo mas a nossa sociedade toda inteira, o nosso modo de vida em geral. Na realidade, os seus ataques se endereçam fundamentalmente não ao nosso governo, mas àquilo que somos".
Se os Estados Unidos foram atacados pelos fundamentalistas islâmicos por aquilo que os cidadãos americanos representam, os signatários da Carta da América consideram necessário explicitar a ordem de valores que constitui a base da cidadania americana. Tal base axiológica, advertem os intelectuais signatários da Carta, pode ser enxergada de dois ângulos: ou do ponto de vista das deformações sociológicas sofridas pelos valores fundantes, ou do ângulo da primordial expressão dos mesmos.
Ainda que seja desagradável, consideram os signatários, é necessário encarar essas deformações, a fim de corrigi-las. Eis as palavras com que eles traduzem essa dolorosa tomada de consciência dos anti-valores que terminaram se instalando na sociedade americana: "Então o que somos? Quais são os nossos valores?  Alguns, compreendidos aí numerosos americanos e especialmente vários signatários desta Carta, consideram que certos valores americanos são pouco atraentes, rejeitáveis até. O consumismo como modo de vida. A liberdade entendida como ausência de regras. A idéia de que o indivíduo é o seu próprio dono, se faz a si mesmo e não deve nada a ninguém, ou quase. O afrouxamento dos laços do casamento e da vida de família. Para não mencionar a enorme teia de comunicações e de produtos culturais de toda espécie que enaltece sem medida esses valores, quer sejam bem ou mal realizados, e os difunde em quase todos os cantos do mundo".
Mas, consideram os signatários da Carta, essa não é a essência axiológica da cultura americana. Os princípios basilares da mesma são outros e foram os que inspiraram aos criadores da República dos Estados Unidos da América, no rico período em que se estruturaram as instituições desse país, entre 1776 e 1787. Quatro são esses princípios: o primeiro consiste na convicção de que a dignidade humana é um direito inato de toda pessoa, a qual, em conseqüência,  deve ser tratada sempre como fim e nunca como meio. Eis a forma em que os assinantes da Carta explicam o alcance desse princípio: "Os fundadores dos Estados Unidos, se alicerçando na tradição da lei natural, bem como sobre a asserção religiosa fundamental segundo a qual todos os homens foram criados à imagem de Deus, consideraram como evidente em si a noção de igual dignidade para todos. A expressão política mais autêntica dessa crença numa dignidade humana transcendente, é a democracia. A sua expressão cultural mais fiel tem sido, para as gerações recentes nos Estados Unidos, a reformulação e o alargamento do princípio da igual dignidade de todas as pessoas, independentemente de seu sexo, raça ou da cor da sua pele".
O segundo princípio básico da cultura americana consiste na convicção de que há verdades morais universais (que os fundadores dos Estados Unidos chamaram de leis da natureza e da natureza de Deus) e que essas verdades se aplicam a todos. A respeito, os signatários da Carta frisam: "Os testemunhos mais eloqüentes da nossa fidelidade a essas verdades encontram-se na nossa Declaração de independência, no discurso de despedida de George Washington, o discurso de Gettysburg e no segundo discurso de posse de Abraham Lincoln, bem como na carta da prisão de Birmingham do Dr. Martin Luther King".
O terceiro princípio é a convicção de que, sendo imperfeito o nosso conhecimento individual e coletivo da verdade, "os desacordos sobre esses valores devem ser discutidos com civilidade e tolerância, tendo como base a fé numa argumentação razoável".
O quarto princípio consiste na defesa da liberdade de opinião e da liberdade de culto. Essas liberdades decorrem da dignidade humana e são condição necessária para a realização das outras liberdades cidadãs. A respeito da universalidade com que devem ser defendidas as mencionadas liberdades, os assinantes da Carta escrevem: "Para nós, o que esses valores possuem de mais sedutor, consiste em que eles se aplicam a todos sem distinção e não podem, em conseqüência, serem utilizados para negar a ninguém o respeito à sua raça, à sua língua, à sua memória, à sua religião. É por isso que todo mundo pode, em princípio, virar americano. Em princípio e de fato. Gentes acodem de todas partes ao nosso país para, como reza a inscrição numa estátua no porto de Nova Iorque, poder respirar livremente, e muito rápido convertem-se em americanos. Nenhuma outra nação na História forjou desse jeito a sua identidade  - a sua Constituição, os seus textos fundamentais e ainda a sua própria percepção  -   sobre a base de valores humanos tão universais. Para nós, esse fato formata tudo neste país".
Os signatários da Carta frisam que, para alguns, esses valores são apenas patrimônio do ocidente, estando as outras nações dispensadas de respeitá-los. Culturas diferentes da denominada "ocidental cristã" possuiriam outras prioridades, e seria uma violência intolerável pretender que compartilhassem os princípios expostos. Os signatários não concordam com esse ponto de vista. A propósito, afirmam, salientando a base comum de princípios morais válidos para toda a humanidade: "Cremos que todos os homens foram criados iguais. Cremos que a liberdade humana  é universalmente possível e desejável. Cremos que certas verdades morais fundamentais são reconhecidas em todos os lugares do mundo. Concordamos com a assembléia internacional de eminentes filósofos que, no final dos anos 40, participaram da redação da Declaração Universal dos direitos do homem da ONU e concluíram que certas idéias morais expandiram-se de tal forma, que elas podem ser consideradas como inerentes à natureza do homem enquanto membro de uma sociedade". Os autores da Carta crêem firmemente, com Martin Luther King, que o ideal da justiça deve brilhar não apenas para alguns, mas para todos. Aquilo que é considerado melhor nos chamados valores americanos, não é patrimônio exclusivo do povo dos Estados Unidos, mas constitui, também, "a herança comum da humanidade, sendo, portanto, fundamento possível da esperança numa comunidade mundial alicerçada na paz e na justiça".
4) A questão de Deus.- Em face dos atos terroristas de 11 de Setembro, perpetrados à sombra da idéia de "guerra santa", os signatários da  Carta da América consideram que se trata de uma utilização ilegítima dos princípios religiosos. "Estamos unanimemente convencidos de que a invocação do nome de Deus para matar ou maltratar seres humanos é imoral e contrária à fé em Deus". As idéias de "guerra santa" ou "cruzada" constituem não somente uma violação dos princípios fundamentais da justiça, como também a negação da própria fé religiosa, pois "transforma Deus em ídolo a serviço dos projetos humanos".
Os signatários da Carta consideram que a dimensão religiosa é uma variável fundamental da vida humana, mas que constitui um espaço não manipulável politicamente, em virtude do caráter transcendente da própria religião. A propósito, é lembrada a afirmação do presidente Abraham Lincoln: "Os caminhos do Senhor são impenetráveis".  As guerras de religião, que já dilaceraram as sociedades européias ao longo de séculos, tendo dado ensejo ao enorme fluxo migratório que formou a população americana, são uma nódoa que afetou a autenticidade da vivência religiosa. Voltar a pregar, nos dias que correm, a "jihad" ou a "guerra santa", é querer fazer andar para trás o relógio da história.
A pessoa humana, consideram os signatários da Carta, inclina-se, pela sua natureza, ao desenvolvimento do saber. "Avaliar, escolher, determinar as razões pelas quais queremos o que queremos, isso é próprio do homem. Para que nascemos?  O que nos acontecerá após a morte? Eis um conjunto de questões colocadas por essa necessidade intrínseca de saber, que nos leva a nos perguntarmos pelos fins últimos, notadamente pela existência de Deus".
Embora alguns dos signatários da Carta não se confessem religiosos e outros achem que o homem é, por essência, religioso, todos, no entanto, "reconhecem que a fé e as instituições religiosas são, aqui e acolá, no mundo, importantes bases da sociedade civil que têm produzido amiúde resultados benéficos e apaziguadores, mas que por vezes têm sido também fatores de divisão e de violência".  Em face desse fato, os signatários da Carta se perguntam acerca das relações entre religião e política. Os signatários consideram que há três posições que não devem ser aceitas: em primeiro lugar, a dos que apregoam a repressão legal à religião; em segundo lugar, a dos que consideram que deve ser adotada uma ideologia laica, que acobertaria um ceticismo explícito ou uma real hostilidade contra a religião, pressupondo que a explicitação pública desta acarretaria problemas sociais; em terceiro lugar, a posição dos que apregoam a defesa pura e simples da teocracia, ou seja, a instauração de uma única religião considerada como a verdadeira e que deveria ser imposta a todo o corpo social pelo Estado, que passaria a financiá-la.
Em relação à primeira atitude, os signatários da Carta consideram que "a repressão legal implica num atentado às liberdades públicas", sendo, portanto, "incompatível com uma sociedade democrática". Em relação à segunda atitude, os signatários destacam que "embora a ideologia laica pareça cada vez mais, na nossa sociedade, ganhar a adesão das novas gerações, a desaprovamos porque ela vai contra a legitimidade de uma parte importante da sociedade civil e tende a negar a existência do que se pode considerar, com alguma razão, como uma dimensão importante da pessoa humana". Quanto à atitude que defende a teocracia, os signatários acham que deve ser rejeitada por razões sociais e teológicas.  A respeito, frisam: "Socialmente, a religião de Estado opõe-se à liberdade de culto, um direito fundamental do homem. De outro lado, um controle estatal da religião tem o risco de exacerbar conflitos religiosos e, mais grave ainda, ameaça a vitalidade e a autenticidade das instituições religiosas. Teologicamente, mesmo para os fiéis firmemente convictos da verdade da sua fé, a coerção em matéria religiosa é, definitivamente, uma violação da religião mesma, pois priva aos outros do direito de responder livre e dignamente ao convite do Criador".
Os signatários da Carta destacam os princípios fundamentais que desde o início da República Americana têm presidido às relações entre fé e política: o fundamental pressuposto deles é a separação entre ambas as instâncias, bem como a defesa incondicional da liberdade dos indivíduos em face do Estado e da tradição. Eis o seu arrazoado: "A sociedade americana, no que ela tem de melhor, empenha-se em proceder de forma que fé e liberdade caminhem paralelamente, cada uma enaltecendo a outra. Nós temos um regime laico  - os nossos dirigentes políticos não são dirigentes religiosos -  mas a nossa sociedade é de longe a mais religiosa do mundo ocidental. A nossa nação respeita profundamente a liberdade e a diversidade religiosa, compreendidos aí os direitos dos não crentes, mas proclama nos seus tribunais e inscreve sobre cada uma de suas moedas a divisa: In God We Trust. Politicamente, a nossa separação de Igreja e Estado visa a manter a política na sua própria esfera, limitando o poder de intervenção do Estado nos assuntos religiosos e obrigando assim o governo a alicerçar a sua legitimidade e os seus atos sobre bases morais que ele próprio não inventou. Espiritualmente, a nossa separação entre Igreja e Estado permite à religião ser religião, separando-a do poder coercitivo do governo. Em resumo, esforçamo-nos por separar Igreja de Estado para garantir a proteção e a vitalidade de uma e de outro".
5) A questão da guerra justa. Princípios fundamentais.- A guerra, como manifestação da violência humana, é um evento que causa perplexidade. Esta enraíza-se na natureza humana, de forma que é impossível contemplar o mundo em preto e branco, como se uma nação encarnasse o bem e outra o mal, ou como se houvesse uma religião positiva e outra absolutamente negativa. Toda guerra é algo terrível e representa uma falência das negociações diplomáticas. Mas essa perplexidade não significa que seja impossível realizar uma aproximação racional do fenômeno bélico. A respeito, os signatários da Carta da América frisam: "No entanto, a razão e uma reflexão moral atenta ensinam-nos que, em face do mal, a melhor resposta consiste em acabar com ele. Segue-se daí que a guerra é não somente permitida do ângulo moral, mas também é moralmente necessária, para responder a ignominiosas demonstrações de violência, de ódio e de injustiça. É o caso presente".
Os signatários distinguem quatro posicionamentos básicos em face da guerra, quando ela é analisada dos pontos de vista intelectual e moral. O primeiro consiste na denominada posição realista dos que acham que "a guerra é fundamentalmente uma questão de poder, de interesse, de necessidade, de sobrevivência, que descarta portanto a análise moral abstrata". O segundo posicionamento é o dos que sustentam a idéia de guerra santa, alicerçada na "crença de que Deus autoriza a repressão e o assassinato dos infiéis", ou dos que acreditam que o domínio de "uma ideologia laica particular autoriza a repressão e a eliminação dos incrédulos". O terceiro posicionamento consiste na atitude pacifista, para a qual vale "a crença de que toda guerra é intrinsecamente imoral". O quarto posicionamento é o dos que defendem o conceito de guerra justa e consiste na crença "de que a razão moral universal, denominada também de lei moral natural, pode e deve se aplicar à guerra". O grupo dos assinantes da Carta da América, no seu conjunto, é inclinado a se posicionar a favor da quarta atitude, rejeitando de forma explícita as duas primeiras posições. Alguns dos signatários são, no entanto, simpáticos ao terceiro posicionamento que defende a atitude pacifista.
Seis princípios gerais são lembrados pelos signatários, em relação à questão da guerra justa: a) Não há neutralidade moral em face da guerra. A respeito, afirmam: "O fato de não levar em consideração a moral em face da guerra, já é, em si, uma posição moral; aquele que rejeita a razão aceita a não regulamentação das relações internacionais e capitula em face do cinismo. Fazer entrar a guerra no quadro de um raciocínio moral objetivo, é tentar fundar a sociedade civil e a comunidade internacional sobre a justiça".
b) Não se pode aceitar as guerras de agressão ou de conquista. "Os princípios da guerra justa ensinam-nos que as guerras de agressão e de conquista não são aceitáveis jamais. Não existe o direito de fazer a guerra para engrandecimento do próprio país, para vingar erros passados, para conquistar territórios ou por qualquer outro motivo não justificável".
c) O princípio básico que justifica a guerra é o da defesa do inocente. A respeito, os signatários da Carta frisam: "A primeira justificativa moral da guerra é a proteção do inocente contra o mal. Santo Agostinho, cuja obra A cidade de Deus é uma contribuição essencial sobre a guerra justa, sustenta (se fazendo eco de Sócrates) que, para o cristão, é melhor suportar o mal do que cometê-lo. Mas a renúncia à autodefesa, que é uma decisão pessoal, pode ser moralmente imposta a outra pessoa? Para Santo Agostinho e para a maior parte dos outros defensores da guerra justa a resposta é não. Se possuirmos a prova indubitável de que um recurso à força pode impedir o massacre de inocentes incapazes de se defenderem por si próprios, então o princípio moral do amor ao próximo manda-nos recorrer à força".
d) A guerra deve ser deflagrada em última instância, quando os meios pacíficos para evitá-la foram esgotados. "Não se pode legitimamente fazer a guerra quando o perigo é mínimo, duvidoso, de conseqüências incertas ou pode ser superado pela via da negociação, ou por meio do apelo à razão, pela mediação de uma terceira parte ou por outros meios não violentos".
e) A guerra somente é justa se for deflagrada contra combatentes, jamais contra populações civis indefensas.  A propósito deste ponto, os signatários da Carta frisam: "Os que defendem a guerra justa ao longo da história, em todos os lugares do mundo (quer sejam muçulmanos, judeus, cristãos, fiéis de outras religiões ou laicos), têm apregoado sempre a imunidade dos não combatentes. Em outros termos, matar civis por espírito de vingança, ou mesmo para dissuadir eventuais agressores partidários da sua causa, é uma falta moral (...) É moralmente inaceitável considerar a morte de não combatentes como objetivo operacional de uma ação militar".
f) Necessidade de reconhecer sempre o caráter inviolável da vida humana. A respeito, os signatários consideram que "cada vez que seres humanos tencionam ou deflagram uma guerra, é ao mesmo tempo possível e necessário que afirmem o caráter sagrado da vida humana, bem como o princípio da igual dignidade de todos os homens". Deve ser lembrada sempre "a verdade moral segundo a qual os outros, ou seja, aqueles que são estranhos para nós, que diferem de nós pela raça ou pela língua, cuja religião pode nos parecer errada, têm, tanto quanto nós, o direito de viver e são portadores da mesma dignidade humana e dos mesmos direitos em geral".
6) Julgamento acerca dos atos terroristas e conclusão.- Os signatários da Carta passam, na parte final do documento, a julgar acerca dos fatos acontecidos. Lembram que em 11 de setembro de 2001 um grupo de indivíduos atacou deliberadamente os Estados Unidos, utilizando aeronaves comerciais como armas para assassinar pelo menos 3 mil cidadãos indefensos em New York, Pennsilvânia e Washington. "Os que morreram nessa manhã - frisam os signatários - foram cobardemente eliminados, a esmo e com premeditação, ou seja, em termos jurídicos, assassinados. Entre esses mortos havia gentes de todas as raças, de diversas etnias, de quase todas as religiões. Havia, outrossim, tanto garis quanto diretores de empresas".
Ora, os assassinos não detinham nenhum tipo de poder que legitimasse a sua ação. Mas também não agiram sozinhos. Eles pertenciam a uma organização islamista internacional, enraizada em alguns países e que respondia ao nome de Al-Qaida. Eles agiram com a conivência de alguns governos e proclamaram abertamente a sua disposição de utilizar quaisquer meios, inclusive assassinatos massivos, para atingir as suas finalidades.
Os signatários deixam claro que utilizam os termos islã e islâmico para se referirem a uma das maiores religiões do mundo, com mais de um bilhão de fiéis, entre os quais se contam milhares de americanos. Trata-se de uma respeitável confissão religiosa, pacífica y cujos seguidores são pessoas honestas. Difere essencialmente dela o grupo de terroristas que utiliza uma falsa imagem desse credo para perpetrar os seus crimes. Os signatários reservam os termos islamismo e islamista radical para se referirem aos membros de Al-Qaida e seus simpatizantes. Ressaltam, de outro lado, o caráter bárbaro desses terroristas, que pretendem negar os fundamentos da civilização ocidental e do mundo moderno. As suas palavras são duras e vale a pena repeti-las: "Esse movimento violento e radical opõe-se não somente a uma certa política americana e ocidental  - vários signatários desta Carta opõem-se também a ela em parte -  mas opõem-se ainda ao princípio fundador do mundo moderno, a tolerância religiosa, bem como aos direitos fundamentais do homem, especialmente à liberdade de religião e de culto, inscritos na Declaração universal dos direitos do homem da ONU,  e que devem ser a base  de toda civilização orientada ao aperfeiçoamento do homem, à justiça e à paz".
A filosofia que anima a esses terroristas, identificada com o menosprezo pela vida humana "ao conceber o mundo como uma luta a morte entre crentes e infiéis (sejam estes muçulmanos não radicais, judeus, cristãos, hindus e outros), nega claramente a igual dignidade de todas as pessoas e, fazendo isso, trai a religião e rejeita o fundamento mesmo da vida civilizada e a possibilidade de paz entre as nações". A ameaça dessa falsa filosofia é tanto mais grave, quanto que os terroristas inspirados por ela mostram-se dispostos a utilizar todos os recursos da tecnologia de destruição massiva para atingir os seus objetivos. Dessa forma, os terroristas de Al-Qaida representam, hoje, uma ameaça não apenas para americanos e europeus, como também para todos os seres humanos que não compartilhem os seus diabólicos pontos de vista.
Assim concluem os signatários da Carta da América: "Assassinos organizados, infiltrados no mundo inteiro ameaçam-nos a todos hoje em dia. Em nome da moral universal e plenamente conscientes das restrições e exigências da guerra justa, apoiamos a decisão do nosso governo e da nossa sociedade de  utilizar contra eles a força armada".  Mas os intelectuais americanos são conscientes de que a sociedade civil deve permanecer vigilante, a fim de que os limites da guerra justa não sejam ultrapassados. Eles consideram que devem se engajar nesse esforço de vigilância de forma clara e diuturna. "Comprometemo-nos a fazer todo o possível  para evitar as desastrosas tentações (arrogância e chauvinismo principalmente), às que as nações em guerra parecem se render tão freqüentemente". E vislumbram uma luz de esperança no final de todo esse conturbado episódio que deu início paradoxal ao novo milênio: "Esperamos que esta guerra, pondo fim a um flagelo mundial, poderá fazer aumentar as possibilidades de alicerçar a comunidade mundial na justiça".
Terminam fazendo um apelo aos "irmãos e irmãs das sociedades muçulmanas", no sentido de que deponham os ânimos agressivos e preconceituosos em face dos americanos. Eis as palavras finais dos signatários da Carta: "Nós não devemos ser inimigos. Temos muitos pontos em comum. Temos tantas coisas a fazer conjuntamente. A vossa dignidade humana, não menos do que a nossa, o vosso direito a uma bela vida, não menos do que o nosso, eis aquilo pelo qual acreditamos combater. Sabemos que alguns dentre vós desconfiam enormemente de nós e sabemos que somos, nós Americanos, em parte responsáveis por essa desconfiança. Mas não devemos ser inimigos. Esperamos poder agir com vós e com todos os homens de boa vontade na construção de uma paz justa e duradoura".


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