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terça-feira, 19 de abril de 2016

ARISTÓTELES, A GLOBALIZAÇÃO DE ALEXANDRE O GRANDE E O PRIMADO DA EXPERIÊNCIA



Aristóteles (detalhe, acima) e A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio de Urbino (1483-1520), Museu Vaticano. (Fonte: Wikipedia).

Aristóteles nasceu em Estagira (Macedônia) em 384 a.C. e morreu em Cálcis, na Ilha de Eubea, em 324 a.C. Durante 20 anos, entre 367 e 347 a.C. foi discípulo de Platão (427-347 a.C.), na Academia.

Por volta de 342 a.C. foi-lhe confiada a educação de Alexandre (356-323 a.C.), filho de Filipe II (382-336 a.C.), rei da Macedônia, missão que o nosso pensador cumpriu até 335 a.C. Nesse ano Aristóteles fundou, em Atenas, no Liceu, a sua própria escola, chamada de peripatética e nela desenvolveu a docência da filosofia e das ciências até 323 a.C., quando se retirou  à ilha de Eubea (terra da sua mãe), no Mar Egeu.

Os escritos do filósofo que conhecemos, na sua maior parte estão constituídos pelas notas de aula tomadas pelos seus discípulos, nos cursos que ofereceu no Liceu. Esses escritos eram chamados, pelo próprio Aristóteles, de esotéricos. Diferentemente de Platão, que escreveu a sua obra no elegante dialeto ático, Aristóteles utilizou a língua comum, a koiné (ou grego vulgar), que se estendeu como língua franca ao longo da bacia do Mediterrâneo, e que deu ensejo à grande globalização cultural do Império de Alexandre.

Em 7 itens podemos sintetizar o essencial do pensamento de Aristóteles:

1 - Com Aristóteles encontramos um sistema filosófico completo. A sua obra pode ser agrupada em cinco grandes blocos, assim:

I – Lógica, que abrange seis obras, genericamente denominadas de Organon: Categorias, Da Interpretação, Primeiros Analíticos, Segundos Analíticos, Tópicos e Refutação dos Sofistas.

II – Escritos Científicos, integrados por quatro obras: Física, Sobre a Alma, Partes dos Animais e Astronomia.

III – Metafísica, que inclui os quatro livros que levam esse título.

IV – Ética, com as seguintes obras: Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo, Grande Ética, Política e Constituição de Atenas.

V – Poética, que abrange dois escritos: Retórica (8 livros) e Poética.

2 – No conjunto de obras que integram o Organon, notadamente nos Analíticos e nos Tópicos, Aristóteles formula a sua Lógica Formal, que estuda os esquemas de raciocínios válidos, independentemente do conteúdo dos mesmos. A Lógica Aristotélica foi aperfeiçoada, posteriormente, por Boécio[1] (480-524) e por Pedro Hispano[2] (1205-1277). A Lógica Formal de Aristóteles foi recebida, na tradição medieval, como parte da Filosofia e se denominava “logica minor”, sendo que a “logica maior” correspondia à Teoria do Conhecimento.

A Lógica Formal somente se começou a distanciar da Filosofia no século XVII, quando Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) formulou a sua Ars Combinatoria, que deitou os alicerces da Lógica Matemática, a partir do princípio de que seria possível substituir os conceitos, nos raciocínios, por símbolos matemáticos. Com essa base, Leibniz pretendia evitar as disputas sobre conceitos com significação equívoca, atribuindo, a cada um deles, uma significação exata, expressa em símbolos matemáticos.

As hipóteses de Leibniz foram aperfeiçoadas, do ângulo matemático, por George Boole (1815-1864), na obra intitulada: Uma interpretação das leis do pensamento em que se fundamentam as teorias matemáticas da Lógica e das Probabilidades (1857). Esta obra deu ensejo à denominada álgebra booleana, ou conjunto de técnicas algébricas para lidar com expressões no cálculo proposicional. Com base nesse fundamento, a Lógica Matemática foi sistematizada, no século XX, por Bertrand Russell (1872-1970) e Alfred North Whitehead (1861-1947), na obra: Principia Mathematica (1913). Mais adiante, na metade do século XX, foi formulada a Lógica dos Circuitos pelo engenheiro norte-americano Claude Shannon (1916-2001), com a obra intitulada: A mathematical Theory of Communication (1948), na qual os símbolos matemáticos são substituídos pela Lógica Binária (passível de ser traduzida em impulsos eletrônicos). Essa é a base da linguagem e da memória artificial utilizadas nos hodiernos computadores.

Como se pode observar, longa foi a caminhada da Lógica Formal até as manifestações contemporâneas dessa especialidade que, sem Aristóteles, certamente não teria chegado até os magníficos resultados que apresenta, hoje, como disciplina autônoma no terreno das ciências.

3 - Na Teoria do Conhecimento, Aristóteles partiu para elaborar um ponto de vista transcendente ou realista, como tinha feito o seu mestre Platão. No entanto, o cerne da gnosiologia aristotélica não é constituído, como em Platão, pela hipótese de Idéias subsistentes e independentes do mundo. Para Aristóteles, o fundamental é o conhecimento da realidade que nos circunda, e é aí que ele coloca a sua noção da substância primeira (próte ousía), que é definida como aquilo que é em si e não em outro. As substâncias externas, objeto da nossa experiência sensível, são as substâncias primeiras. Elas são formadas por matéria (hyle) e forma (morfé). A forma das realidades substanciais conhecidas pelos sentidos movimenta a razão humana, que se encontrava em potência (intellectus patiens, segundo a terminologia escolástica). Ativada pela forma substancial, a razão fica em estado de ato (intellectus agens) e se torna capaz de agir, elaborando representações das formas substanciais intuídas na experiência. A partir da intuição, pela razão, da essência da substância concreta (ou seja, da sua forma), é elaborada uma representação abstrata da mesma, que Aristóteles denomina de substância segunda (deutere ousía) denominada também de conceito universal, e que consiste numa representação abstrata da substância primeira. O processo do conhecimento se completa mediante a predicação, pela razão, no juízo, em relação a uma substância primeira, da substância segunda, abstrata, que lhe é correspondente. Quando digo, por exemplo, “isso é um cachorro”, estou predicando a representação abstrata que repousa na minha razão, de um ente concreto que está diante de mim, o animal de quatro patas que eu chamo de “cachorro”.

Aristóteles valoriza a experiência (ampeiría). Para ele, todos os nossos conhecimentos provêm dos sentidos. Os escolásticos sintetizaram esse princípio aristotélico da seguinte forma: “nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu” (“Não há nada no entendimento que antes não tenha passado pelos sentidos”). Para Aristóteles, há cinco tipos de conhecimento, todos eles interligados, começando pelos sentidos e subindo até intelecção. Temos, em primeiro lugar, o conhecimento sensorial (aísthesis) em segundo lugar, o conhecimento empírico propriamente dito (ampeiría) em terceiro lugar, vem o conhecimento técnico (téchne) em quarto lugar, temos o conhecimento científico, pelas suas causas, das substâncias ocultas atrás dos fenômenos (epistéme) e, em quinto lugar, o conhecimento das totalidades à luz do ser (sofía).

A nossa razão atua como ordenadora dos fenômenos dispersos, mediante a intuição das essências substanciais das coisas que aparecem na experiência sensorial. Aristóteles valoriza o conhecimento das coisas da natureza pelas suas causas, bem como a classificação dos seres a partir da experiência, sendo que a Lógica fornece os instrumentos conceituais necessários para essa ação ordenadora. Dentre os conceitos que a Lógica oferece, sobressaem os de gênero e diferença específica. É possível fixar conceitualmente as características essenciais de uma determinada realidade, mediante a explicitação do gênero próximo ao qual ela pertence, adicionando a diferença específica, que é a responsável pela sua identidade, no contexto do gênero. Assim, por exemplo, a essência humana consistiria de duas notas: animal (gênero próximo) e racional (diferença específica). Utilizando esse mecanismo, Aristóteles realizou amplo trabalho de classificação dos seres vivos, dando início à taxonomia.

No que tange ao conceito de verdade, Aristóteles distingue dois tipos: verdades categóricas (aquelas referidas às substâncias que, no Cosmo, têm regularidade nas suas ações, o que os Gregos, de modo geral, denominavam de tropos) e verdades dialéticas (aquelas referidas ao comportamento humano, não totalmente previsível porquanto ancorado na liberdade de escolha, e que os pensadores gregos denominavam de anthrópos). Uma coisa é verdadeira quando, no juízo afirmamos de uma substância primeira, o conceito universal (ou substância segunda) que lhe corresponde. Assim, por exemplo, quando digo: “este animal é um cachorro”, a minha afirmação é verdadeira se, efetivamente, a essência do bicho que estou vendo é a de cachorro. Incorro em falsidade quando afirmo de uma substância primeira a substância segunda (ou o conceito universal) que não lhe corresponde (como quando digo de um cachorro que é gato).

4 – A Psicologia ou Tratado da Alma complementa a Teoria do Conhecimento de Aristóteles. O Estagirita distingue três partes da Alma, que remetem a três estratos da Natureza: a Alma Vegetativa ou Alma das Plantas; a Alma Sensível ou Alma dos Animais e, finalmente, a Razão, que somente se encontra no homem.

A Alma Vegetativa é responsável pela subsistência; a Alma Animal é responsável pela sensação e o movimento local, enquanto que a Razão (nous) é responsável pela atividade intelectual. A Alma é o princípio formal de todo corpo. A respeito frisa Aristóteles: “Assim, também, a alma é a entelequia primeira de um corpo natural que possui a vida em potência; tal é o caso do corpo organizado”.

Ao Espírito corresponde um estatuto particular: podemos subdividi-lo em Espírito Sensitivo (receptivo) e em Espírito Agente (ativo), um desempenhando a função de matéria (potencialidade) e o outro a função de forma (atualidade). O Espírito Sensitivo (que está em relação com as percepções da segunda parte da alma) recebe os objetos do pensamento segundo a forma, enquanto que o Espírito Agente representa o espírito todo-poderoso para a atividade da alma espiritual.

Ao contrário das outras partes da alma, o Espírito Agente não está ligado ao corpo e é, assim, imortal. Mas, como o pensamento não pode nascer senão da relação com a sensação, o Espírito, após a morte, não é mais um Espírito Individual (diferentemente do que Platão defende com a sua teoria da alma).

5 – A Teoria do Conhecimento em Aristóteles ancora na Metafísica. A ordem do conhecimento segue a ordem do ser. Assim Aristóteles se mantém fiel à herança platônica. Aristóteles, no entanto, pensa o Ser não como alicerçado num Sumo Bem distante do mundo, mas como o fundamento de tudo quanto existe. O Cosmo e o Homem estão presentes no Ser. Não há, portanto, um mundo separado de Idéias Eternas.

O Ser é partilhado pelos entes, mas eles não o esgotam. Aristóteles partiu, na sua Metafísica, para fundamentar as relações entre o Ser e os entes, mediante a sua doutrina da potência e do ato. Todos os seres do Cosmo, o homem inclusive, partilham limitadamente do Ser, pois são compostos de potência e ato.

6 – A dinâmica da Natureza, a partir dos conceitos de Matéria e Forma. Nos livros da Física, Aristóteles mostra que o Cosmo foi formado a partir de uma matéria primeira (próte hyle) que constituiu os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) de que estão compostos todos os corpos. Potência e Ato, nesta dimensão que constitui a Natureza (fysis) relacionam-se como matéria (hyle) e forma (morfé). Estes conceitos integram a denominada Teoria hilemórfica.

Aristóteles desenvolveu a sua teoria da causalidade, para explicar as relações entre os corpos no seio da Natureza. Quatro são as causas: material, formal, eficiente e final. Elas pressupõem a substância, onde se dá a sua dinâmica. Aristóteles reconhecia dois modos de ser ou categorias: ser em si (substância ou ousía) e ser em outro (acidente). O ser em outro se pode dar de nove formas diferentes (que os escolásticos passaram a denominar com as seguintes expressões latinas: quantidade, qualidade, relação, ação, paixão, quando, onde, situação e hábito). Na sua teoria da causalidade, Aristóteles dá destaque à causa eficiente e formula o princípio segundo o qual “tudo que se movimenta é movido por outro”, que o leva a postular a existência do “motor imóvel”, causa primeira do movimento do Cosmo.

No seu tratado da Física, no livro II, o Estagirita oferece quatro definições acerca da Natureza: ela é “Princípio e causa de movimento e de repouso, para a coisa em que ela reside imediatamente e não por acidente”. A Natureza é, também, “A matéria que serve de sujeito imediato a cada uma das coisas que possuem em si um princípio de mudança e movimento”. O Filósofo ainda traz esta definição de Natureza: “Nas coisas que possuem em si um princípio de movimento, (ela) é a forma e o tipo separáveis só logicamente”. Sintetizando, a Natureza é, para Aristóteles, princípio de movimento e de crescimento. Um detalhe etimológico deve ser salientado: fysis (natureza) vem do verbo fyo (crescer). A quarta definição de Natureza é, segundo Aristóteles, a seguinte: “Sendo a natureza dupla, matéria de um lado e forma, de outro, e sendo ela um fim, e estando as demais (coisas) ordenadas a esse fim, ela será uma causa, a causa final”. A Física de Aristóteles é, conseqüentemente, uma física finalista, na qual é essencial a experiência, a fim de abarcar o conjunto de aspectos que rodeiam a Natureza.

Outro conceito que, na Física, é importante para Aristóteles, é o de movimento. Ele o define como surgimento, mudança, progresso ou degradação. O movimento, quando se trata de um ser vivo, é denominado de metabolé (daí provém o termo metabolismo). Mas quando é entendido como mudança de lugar, é denominado de kínesis (daí provém o termo cinema). Existem, para Aristóteles, dois tipos de movimento: substancial, que recai sobre a substância e consiste na geração ou na corrupção. O segundo tipo de movimento é o acidental, que não modifica essencialmente a substância, atingindo apenas algumas qualidades acidentais, tais como: crescimento e diminuição, alteração e translação.

7 - A ética aristotélica tem por objetivo o domínio da ação humana, em tanto que alicerçada numa decisão e a política é o terreno da sua aplicação social. Distingue-se a ética da filosofia teorética, que se dirige ao imutável e eterno.

Por natureza, segundo Aristóteles, todo ser tende a um bem que lhe é próprio e no qual encontrará a sua realização. O bem humano é a atividade da alma conforme à razão. Nessa atividade, o homem descobre a felicidade (eudemonía), que é independente das circunstâncias exteriores, como objetivo final das suas aspirações. Como frisa Aristóteles na sua Ética a Nicômaco, “O bem do homem consiste numa atividade da alma conforme à virtude”.

Aristóteles distingue entre virtudes dianoéticas (que se manifestam no exercício da razão) e virtudes éticas (que são transmitidas pela ordem estabelecida na sociedade e na Polis) sendo que elas recebem a sua validade da tradição e do consentimento universal. A virtude dianoética fundamental é a prudência (frónesis) que leva o homem a reconhecer os meios e os caminhos justos que conduzem ao bem. À luz dessa virtude o homem desenvolve a atitude ética, que se formata mediante a prática das virtudes (através do exercício, o hábito e a aprendizagem).

No que tange ao conteúdo, a virtude ética é definida como o justo meio (mesotés) entre dois extremos contrários.  Assim, por exemplo: a coragem ocupa o lugar intermediário entre a covardia e a temeridade. A moderação é um intermédio entre a apatia e a excessiva vontade e a generosidade é o equilíbrio entre a avarícia e a prodigalidade.

A justiça (dikaiosýne) para Aristóteles é a virtude mais importante para a vida em comum. Em tanto que distributiva, ela cuida de distribuir os bens justamente; em tanto que corretiva, ela compensa os danos ou os prejuízos sofridos por alguém. Uma virtude essencial é, também, a amizade. Graças a ela, o homem experimenta a passagem dos interesses individuais para aqueles que constituem a comunidade.

A ética aristotélica, contrariamente à platônica, é uma moral concreta da liberdade e da diferença entre os homens da cidade. Ela define um espaço de discussão, que deve permitir chegar a um bem soberano, que não é transcendente (como em Platão), nem imposto desde cima por algum sábio. O bem soberano aristotélico nasce exclusivamente do contato entre os homens livres.

No que tange à ordem política, diferentemente de Platão (que privilegiava o modelo aristocrático), ela é variada, para Aristóteles, podendo ser de três tipos: realeza (cuja degeneração é a tirania), aristocracia (cuja corrupção é a oligarquia) e politéia ou governo do povo, (cuja degeneração é constituída pela democracia). Contrariamente a Platão, que no relativo ao conhecimento racional da realidade política dava prelação à Idéia sobre os conhecimentos empíricos, Aristóteles privilegia estes últimos. Nesse terreno, o filósofo de Estagira realizou estudos comparados, tendo chegado a identificar 158 formas de organização ou de constituição política. Desses estudos somente nos restou o escrito intitulado Constituição de Atenas.

Platão concebia uma visão ideal da política, ao passo que Aristóteles concebe uma idéia possível. Ele é partidário de um realismo político. Na obra Política, frisava: “Deve-se, efetivamente, examinar não somente o melhor regime político, mas também aquele que é simplesmente possível”. Contrariamente a Platão, para quem os homens ingressavam no Estado em decorrência das suas fraquezas, Aristóteles considera que os homens procuram a ordem política, movidos pela sua natureza sociável. A respeito, escreve: “O homem é por natureza um animal político”.

A linguagem é um signo de que o homem não está destinado unicamente à simples sobrevivência, mas a viver numa comunidade que deve chegar a acordos acerca do útil, do bom e do justo. Como Platão, Aristóteles considera que a tarefa do Estado consiste em possibilitar a realização ética dos cidadãos. No entanto, enquanto o mestre de Aristóteles considerava que a questão ética consistia em partir para um processo de catarse, a fim de o homem voltar à contemplação pura das Idéias no reino do Sumo Bem, para o Estagirita essa realização consiste em algo muito mais singelo e terreno: o amor à vida feliz e boa. É somente no seio do Estado que se pode desenvolver perfeitamente a virtude do indivíduo.

O Estado, para Aristóteles, se forma a partir de um conjunto de comunidades que vão se alargando. A propósito, frisa: “Na origem, existe a comunidade de duas pessoas (homem e mulher, pai e filho, amo e servo). Estes, juntos, constituem a família, a partir da qual, a seguir, constitui-se a aldeia e por fim a cidade (pólis) que é o reagrupamento de várias aldeias”. É somente a partir da cidade que é garantida a autarquia (ou seja, o fato de se garantir, a si próprio, a independência e a autossuficiência).

O princípio formal da pólis, para Aristóteles, é a constituição. A respeito, frisa: “A cidade é uma espécie de comunidade e uma participação comum dos cidadãos no governo”. O filósofo divide as formas de constituição em três “tipos justos” (realeza, aristocracia, politéia). O critério de classificação é o número dos que participam do poder político: um, alguns, todos.

É boa a forma de governo que serve ao bem-estar geral; é ruim aquela que somente persegue os interesses dos que mandam. Aristóteles não prefere de entrada uma das três formas de organização da cidade mencionadas. Considera, contudo, que a mais realizável e a mais estável é a politéia ou democracia moderada. É uma forma que mistura as vantagens das outras constituições e que realiza o princípio formulado na Ética, da virtude como justo meio entre os extremos. A propósito, escreve: “A melhor comunidade política é aquela que constitui a classe média[3] (...). O seu predomínio restabelece o equilíbrio da balança e impede a aparição dos excessos contrários”. Da análise histórica Aristóteles conclui que a melhor forma política, em cada caso, é aquela que melhor convém ao país e às necessidades dos cidadãos.

Em relação à questão da ordem interior do Estado, Aristóteles considera que é necessário preservar a família e a propriedade privada. Segundo Aristóteles, a família é ainda mais elementar que a aldeia e esta é mais primária que o Estado ou a pólis. A família deve ser privilegiada em tanto que base da ordem natural da sociedade[4], mesmo se o Estado joga um papel essencial na educação da juventude. Em relação à propriedade privada, Aristóteles considera que “a propriedade deve ser privada, mas o seu uso deve ser comum”.[5] Nestes aspectos, certamente, Aristóteles se distancia dos ensinamentos do seu mestre Platão.

No que tange à estrutura interna da sociedade, Aristóteles reconhece, além da escravatura, a desigualdade natural entre homens e mulheres. Tanto uma quanto outra constituem “condições naturais” da vida humana. Mas, entre os homens livres, deve reinar a igualdade.

Alexandre, o Grande (356-323 a. C.), Mosaico encontrado nas ruínas de Pompéia, Museu Arqueológico Nacional, Nápoles (Fonte: Wikipédia).



[1] Boécio era de família nobre e ocupou altos cargos na corte do rei ostrogodo Teodorico (454-526). Os estudiosos consideram Boécio como o último romano e o primeiro escolástico.
[2] Filósofo, médico e Papa com o nome de João XXI, nascido em Lisboa, foi conhecido na Idade Média com o nome de Pedro Hispano Portucalense.
[3] É interessante destacar que este conceito de classe média inspirou aqueles autores que, na modernidade, tentavam encontrar um caminho justo entre os extremos da aristocracia (que prevaleceu no Ancien Regime) e do populismo manipulado pelo déspota (que se tornou o caminho do bonapartismo, após a Revolução Francesa). Para os doutrinários franceses, François Guizot (1787-1874) à testa, o modelo social que contaria com plena estabilidade na França seria o presidido pela classe média, sendo as eleições mecanismos para depurar a média da opinião. Tal conceito entrou a formar parte do jargão político brasileiro, no discurso dos liberais gaúchos, sendo Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938) um dos que adotaram tal terminologia.
[4] Este conceito de valorização da família como célula mater da sociedade, entrou a formar parte do arcabouço doutrinário dos pensadores escolásticos e foi adotado pela denominada Doutrina Social da Igreja Católica, que teve o Papa Leão XIII (1810-1903) como um dos seus principais formuladores.
[5] Este é um conceito básico da Doutrina Social da Igreja Católica e aparece em pensadores católicos de orientação liberal como Alexis de Tocqueville (1805-1859), que o utiliza com a denominação de “interesse bem compreendido”.

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