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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O CREDO LIBERAL DE LOCKE, MADAME DE STAËL, TOCQUEVILLE E RUI BARBOSA

Capa da obra sobre o Liberalismo Francês publicada, em edição digital, em 2002, pelo Instituto de Humanidades. (Foto: arquivo do autor).

No Brasil é necessário lutar pelo ideal da Liberdade. Esse é o grande valor que está presente nos corações de tantos brasileiros que saíram às ruas entre 2013 e 2015.


O que o PT representa de pior, para nós, é a ameaça que a sua proposta totalitária traz para a liberdade. Esta incomoda aos donos do poder. Tocqueville dizia que os totalitários amam a liberdade só para si, com exclusão dos demais. Amam-na, privatizada para eles. Como amam também a riqueza, só que em benefício próprio. O problema dos petralhas não é, portanto, com a valorização da liberdade. É com a imagem infinitamente baixa que eles têm dos que não somos petralhas, como se não fossemos dignos nem da liberdade, nem da riqueza. 



Ora, a liberdade deve ser defendida como um direito fundamental para todos os seres humanos. Nada melhor para entender o seu alcance do que lembrar o pensamento dos clássicos. Façamos um flash sobre a ideia que de Liberdade tinham alguns pensadores liberais, desde Locke até Rui.

Comecemos por John Locke, o pai do liberalismo político, que o sistematizou na sua obra Dois tratados sobre o governo civil, no final do século 17:

Do início das sociedades políticas. Sendo todos os homens, como já foi dito, naturalmente livres, iguais e independentes, ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade, para viverem confortável, segura e pacificamente uns com outros, num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte. Qualquer número de homens pode fazê-lo, pois tal não fere a liberdade dos demais,, que são deixados, tal como estavam, na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer número de homens consentiu desse modo em formar uma comunidade ou governo, são, por este ato, logo incorporados e formam um único corpo político, no qual  a maioria tem o direito de agir e deliberar pelos demais”.

“(...) Por conseguinte, o que inicia e de fato constitui qualquer sociedade política não passa do consentimento de qualquer número de homens livres capazes de uma maioria no sentido de se unirem e incorporarem a uma tal sociedade. E é isso, e apenas isso, que dá ou pode dar origem a qualquer governo legítimo no mundo”. [John Locke, Dois tratados sobre o governo. Trad. de Julio Fischer, introd. de Peter Laslett, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 468; 472].


 O que pensava a respeito de Liberdade Madame de Staël, a grande escritora que deu origem ao movimento romântico na França, no início do século 19?

“Não é para me escusar pelo meu entusiasmo em relação à liberdade, que explicito as circunstâncias pessoais que contribuíram para tornar mais caro para mim esse ideal. Creio que devo me orgulhar desse entusiasmo em lugar de me escusar, pois quis dizer desde o início que o grande reproche do imperador Napoleão contra mim, é o amor e o respeito que sempre tive pela verdadeira liberdade. Esses sentimentos foram-me transmitidos como uma herança, a partir do momento em que pude refletir acerca dos altos ideais dos quais derivam as belas ações que eles inspiram. As cenas cruéis que desonraram a Revolução Francesa, não sendo mais do que tirania sob modalidade popular, não fizeram esmaecer em mim, creio, o culto à liberdade. Poderíamos nos desencorajar em relação à França. Mas, se este país tivesse a desgraça de não possuir o mais nobre dos bens, não era necessário por isso proscreve-lo da terra. Quando o sol desaparece do horizonte dos países do Norte, os habitantes dessas regiões não amaldiçoam os seus raios, que luzem ainda em outros lugares mais felizardos do céu”. [Madame de Staël, Dix  années d´exil, edição 1996, p. 46].

O que pensava Alexis de Tocqueville, autor do clássico A Democracia na América, por ele escrito entre 1835 e 1840, bem como do magnífico livro O Antigo Regime e a Revolução, escrito por volta de 1856? 

“Alguns hão de acusar-me de mostrar neste livro um gosto muito intempestivo pela liberdade – a qual, segundo me dizem, é algo com que ninguém mais se preocupa na França. Só pedirei àqueles que me fariam esta censura lembrar-se que esta tendência é muito antiga em mim. Há mais de vinte anos, falando de uma outra sociedade, escrevia quase textualmente o que vão ler aqui”.

 “(....) Nestes tipos de sociedades onde nada é fixo, cada um sente-se constantemente aferroado pelo temor de descer e o ardor de subir e como o dinheiro, ao mesmo tempo que lá se tornou a marca principal que classifica e distingue os homens, também adquiriu uma singular mobilidade, passando sem cessar de mãos em mãos, transformando a condição dos indivíduos, elevando ou rebaixando as famílias, quase não há mais ninguém que não tenha de fazer um esforço desesperado e contínuo para conservá-lo ou adquiri-lo. A vontade de enriquecer a qualquer preço, o gosto dos negócios, o amor ao lucro, a procura do bem-estar e dos prazeres materiais lá são portanto as paixões mais comuns. Estas paixões facilmente espalham-se em todas as classes, penetram até naquelas até então mais alheias e conseguiriam rapidamente enervar e degradar a nação inteira se nada viesse pará-las. Ora, faz parte da própria essência do despotismo favorece-las e espalhá-las. Estas paixões debilitantes ajudam-no, desviam e ocupam a imaginação dos homens mantendo-os longe dos negócios públicos e fazem que a simples ideia de revolução os faça tremer. Só o despotismo pode fornecer-lhes o segredo e a sombra que colocam a cupidez à vontade e permitem angariar lucros desonestos ao desafiar a desonra. Sem ele teriam sido fortes, com ele reinam”.

“Ao contrário, só a liberdade pode combater eficientemente, nesta espécie de sociedades, os vícios que lhes são inerentes e pará-las no declive onde deslizam. Com efeito, só a liberdade pode tirar os cidadãos do isolamento no qual a própria independência de sua condição os faz viver para obriga-los a aproximar-se uns dos outros, animando-os e reunindo-os cada dia pela necessidade de entender-se, de persuadir-se e de agradar-se mutuamente na prática de negócios comuns. Só a liberdade é capaz de arrancá-los ao culto do dinheiro e aos pequenos aborrecimentos cotidianos de seus negócios particulares para que percebam e sintam sem cessar a pátria acima e ao lado deles. Só a liberdade substitui vez ou outra o amor do bem-estar por paixões mais enérgicas e elevadas, fornece à ambição objetivos maiores que a aquisição das riquezas e cria a luz que permite enxergar os vícios e as virtudes dos homens”.

“As sociedades democráticas que não são livres podem ser ricas, refinadas, adornadas e até magníficas e poderosas graças ao peso de sua massa homogênea; nelas podemos encontrar qualidades privadas, bons pais de família, comerciantes honestos e proprietários dignos de estima; nelas veremos até mesmo bons cristãos, pois a pátria daqueles não é deste mundo e a glória de sua religião é produzi-los no meio da maior corrupção dos costumes e debaixo dos piores governos: o império romano em sua extrema decadência estava repleto deles. Mas o que nunca se verá em sociedades semelhantes, ouso dizê-lo,  são grandes cidadãos e principalmente um grande povo, e não tenho medo de afirmar que o nível comum dos corações e dos espíritos não cessará nunca de baixar enquanto houver união da igualdade e do despotismo”.

“Eis o que eu pensava e dizia há vinte anos. Tenho de confessar que desde então nada aconteceu no mundo que me levasse a pensar e falar diferentemente. Tendo demonstrado a boa opinião que eu tinha da liberdade num tempo em que alcançou o apogeu, não acharão ruim que nela eu persista quando a abandonam”.

“(...) Até os déspotas não negam a excelência da liberdade. Somente que a querem só para eles e sustentam que todos os outros não são dignos dela. Assim não é sobre a opinião que se deve ter sobre a liberdade que existem divergências, e sim sobre a maior ou menor estima em que se tem os homens. E é assim que se pode dizer a rigor que o gosto mostrado para o governo absoluto está em relação exata com o desprezo que se tem para com o seu país. Peço que me permitam esperar mais um pouco antes de me converter a este sentimento”.

[Tocqueville, O antigo regime e a revolução. 3ª edição. (Trad. de Yvonne Jean; apresentação de Z. Barbu; introdução de J. P. Mayer). Brasília: Editora Universidade de Brasília. São Paulo: Hucitec, 1989, p. 46-47].  

O que pensava Rui Barbosa, o nosso pensador liberal, que teve papel marcante na organização da República, nas primeiras décadas do século 20, tendo-se defrontado com o autoritarismo com que os positivistas substituíram o regime imperial, inspirado nos ideais liberais da representação e do respeito às liberdades individuais ?

"(...) Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira de suas necessidades; creio que, neste regime, não há poderes soberanos, o soberano é só o direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que esses limites vêm a ser as suas constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os impulsos da paixão desordenada; creio que a República decai, porque se deixou estragar, confiando-se às usurpações da força; (...) creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo do povo pelo povo tem a base de sua legitimidade na cultura da inteligência nacional, pelo desenvolvimento do (...) ensino".

Boas Festas de Natal e Ano Novo para todos vocês!

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