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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO OU A CULTURA DO EFÊMERO, SEGUNDO LEONARDO PROTA

Sem dúvida que uma das circunstâncias essenciais do homem-massa estudado por Ortega y Gasset seja a sua condição de efemeridade, ou do que se convencionou em chamar, no Brasil, dos “quinze minutos de glória”. Já mais ninguém tem tempo nem interesse para tratar das coisas duradouras. Platão, nos dias de hoje, ficaria desempregado. E os sofistas, certamente, encheriam as burras, nestes tempos raivosos de lulopetismo pragmático, que tudo quer menos profundidade. O que interessa é curtir o momento. E mais nada. Mesmo que, à custa da satisfação passageira, todo um país caia na sarjeta. Vargas Llosa, em criativa análise, denominou esse espírito de imediatismo de a “civilização do espetáculo”, que é justamente o título do seu livro mais recente.

Gilles Lipovetski, por sua vez, analisou essa síndrome como a valorização do efêmero, na moda, na maquiagem, na passageira condição de homens e mulheres que unicamente desejam as luzes da ribalta nas baladas e festinhas da society.  É a síndrome da morte do herói jovem na guerra interminável do tráfico, nas nossas violentas sociedades consumidoras e produtoras de drogas, tão bem dramatizado no filme “Rodrigo D” de Víctor Gaviria. Morrer de velho virou coisa rara nos meios marginais dominados pelo tráfico na Colômbia, no Brasil, em Honduras, na Guatemala, no México. O que interessa aos jovens miseráveis de favelas e becos é o sucesso meteórico graças aos rápidos dinheiros da droga, que de tão abundantes deixaram no chinelo a velha disciplina do trabalho e da poupança.

Pablo Escobar e os seus colaboradores audazes e assassinos, os “Pepes”, queriam justamente isso: o giro rápido do negócio, a desfaçatez do consumo suntuário à luz de todos, a conquista de belas mulheres e a morte violenta como condição da luta de todos contra todos. O mais violento se impõe. E a sua vida, como o seu reino, são efêmeros. Eis a virtude da breguice heroica das nossas miseráveis sociedades que alimentam e admiram o ideal do narcotraficante bem-sucedido. A morte instantânea na guerra do tráfico, nas sociedades latino-americanas, ergueu-se como o ideal que os gregos chamavam de “bela morte”. Que não é mais, como na narrativa épica de Homero, a coragem de morrer jovem na defesa da Polis. É a desgraça de morrer jovem tendo-se enriquecido rapidamente no negócio da morte.

O lulopetismo e os seus asseclas, no Brasil, de forma menos heroica, estão chegando a coisa parecida. Dom Quixote, nas nossas bandas, aparece mais como Sancho Panza. O desejo profundo da militância petralha era o “puder” a qualquer preço. Conseguiram chegar lá. Mas convenhamos que é impossível se manter eternamente no comando do Estado, mediante a prática da “cleptocracia”, tão oportunamente denunciada de forma corajosa pelo ministro Gilmar Mendes. Mas o que interessa, na cabeça dos militantes, é a curtição do poder, na efêmera circunstância dos holofotes do momento. O poder, antes de tudo. Para desfrutá-lo sem pejo e sem ética, como a prefeita periguete que, na cidadezinha miserável do Maranhão que a elegeu, fugiu após ter roubado o dinheiro da merenda escolar. O que interessava era ter feito a plástica desejada, ter comprado carrões e, logico, ter postado o instante escorregadio de sucesso na selfie brega que percorreu o mundo. Sucesso instantâneo que não busca aprofundamento das ideias e dos sentimentos, mas apenas surfar na onda dos bites fugazes. É a aceleração da transitoriedade permanente na tresloucada carreira das mídias sociais. A internet potencializou violentamente essa sensação de fugacidade.

Leonardo Prota, o amigo que preside com brilhantismo a Academia de Letras de Londrina, na sessão do passado 13 de Setembro fez uma bela alocução sobre o tema que venho tratando nesta breve apresentação. Divulgo a seguir, neste espaço, o texto com que o meu amigo nos presenteou nessa memorável sessão.


"A MUDANÇA DE PERFIL DOS GRANDES ESCRITORES"



Em nossa reflexão sobre “Leitura: explicitações e implicações”, encerramos o primeiro tópico (em que evidenciamos que o essencial numa boa leitura é adquirir familiaridade com conceitos), afirmando que, em nosso tempo, o escritor consagrado tem audiência limitada: Desapareceu o “intelectual” que se atribuía a função de “profeta”.

Passamos, hoje, à análise do segundo tópico: “A mudança de perfil dos grandes escritores” em que Vargas Llosa discute o assunto. Ele esclarece com propriedade que não se trata do desaparecimento dos escritores consagrados, em sua totalidade, mas de uma determinada categoria. Escreve: “Em nossos dias não existe uma única daquelas figuras que, no passado, à maneira de um Victor Hugo, irradiavam um prestígio e uma autoridade que transcendiam o círculo de seus leitores e do especificamente artístico e delas fazia uma consciência pública, um arquétipo cujas ideias, tomadas de posição, modos de vida gestos e manias serviam de padrões de conduta para um vasto setor.”

A seu ver, o clima histórico que favoreceu o seu aparecimento  resultou do encaminhamento que teve o racionalismo promovido pelo chamado Século das Luzes, “quando os filósofos deicidas e iconoclastas, depois de mata Deus e os santos, deixaram um vazio que a República teve que encher com heróis laicos.”

Com a expansão do desenvolvimento material, que trouxe como consequência o nivelamento dos cidadãos e o esmaecimento do papel das elites, desaparece esse tipo de intelectual.  Num primeiro momento, considerava que a televisão seria o grande instrumento da democracia.

Entendia, então que “essa dessacralização da pessoa do escritor não  me parece uma desgraça; pelo contrário, põe as coisas no seu lugar, pois a verdade é que não implica que quem assim está dotado para a criação literária goze de clarividência generalizada.”

Mais tarde, em 1994, a posição de Vargas Llosa era a seguinte: “Em vez de se deprimir ou se considerar um ser obsoleto, expulso da modernidade, o escritor de nosso tempo deve, isso sim, sentir-se estimulado pelo formidável desafio que significa criar uma literatura que seja digna daquela,  capaz de chegar a esse  imenso público potencial que o espera, agora que, graças à democracia e ao mercado, existem tantos seres  humanos que sabem ler e podem comprar livros, coisa que jamais aconteceu no passado, quando a literatura era, com efeito, uma religião, e o escritor um pequeno deus ao qual rendiam culto e adoravam “as imensas minorias”. Que a cortina fechou-se para os escritores pontífices e narcisos, não há dúvida. Mas o espetáculo pode ainda continuar se seus sucessores conseguirem que seja menos pretensioso e muito divertido.”

Penso que seja oportuno lembrar que Mario Vargas Llosa, nascido no Peru em 1936, e hoje divide seu tempo entre Londres, Paris, Madri e Lima, é um dos mais importantes escritores da atualidade, autor de uma extensa obra literária, vencedor de prestigiosos prêmios, entre eles o Prêmio Nobel de Literatura.

No livro que ele publicou em 2012, com o título de “A civilização do espetáculo – Uma radiografia do nosso tempo e de nossa cultura”, Vargas Llosa considera que aquilo que os meios de comunicação colocaram em lugar da cultura que erigimos no passado reduz-se progressivamente a alimentar as paixões baixas dos comuns dos mortais.Vejamos, ainda que resumidamente, em que consiste essa reação.

A civilização do espetáculo não substitui a cultura.

No livro indicado, Vargas Llosa demonstra que existe hoje, toda uma linhagem de obras, - majoritariamente de origem francesa -, que preconiza a substituição  dos valores tradicionais  por algo que chega a reconhecer-se como contracultura. Entre vários autores, menciona  Frederic Martel , “Mainstream” . (Paris: Flammarion, 2010). A corrente principal (mainstream) seria a prevalência do entretenimento. Indica Vargas Llosa : Martel não se preocupa de livros “nem de pintura ou escultura, nem de musica ou dança clássica, nem de filosofia e humanidades em geral, mas exclusivamente de filmes, programas de televisão, videogames, mangás, shows de rock, vídeos e tablets, bem como das “indústrias criativas” que produzem, patrocinam e promovem, ou seja, das diversões do grande público que foram substituindo a cultura do passado e acabarão por liquidá-la.”

Destaca que o autor vê com simpatia essa transformação. Parece-lhe que “arrebatou a vida cultural à pequena minoria que antes a monopolizava e a democratizou, pondo-a ao alcance de todos”. E ainda que os conteúdos dessa nova espécie de cultura estariam em consonância com os avanços científicos e tecnológicos em geral.
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No entendimento de Vargas Llosa essa realidade não tem merecido a necessária atenção de parte da sociologia e da filosofia. O certo é que a imensa maioria do gênero humano “não pratica, não consome nem produz outra forma de cultura que não seja aquela que, antes, era considerada pelos setores cultos de maneira depreciativa, mero passatempo popular, sem parentesco com atividades intelectuais, artísticas e literárias que constituíam a cultura”. Na visão de Martel essa já teria morrido, sobrevivendo apenas em pequenos nichos sociais, sem influir de modo algum o que se transformaria no fluxo principal.

Afirma Vargas Llosa: “A diferença essencial entre a cultura do passado e o entretenimento de hoje é que os produtos daquela pretendia transcender o tempo presente, durar, continuar vivos nas gerações futuras, ao passo que os produtos deste são fabricados para serem consumidos no momento e desaparecer, tal como biscoitos ou pipoca. Tolstoi, Thomas Mann e ainda Joyce e Faulkner escreveram livros que pretendiam derrotar a morte, sobreviver a seus autores, continuar atraindo e fascinando os leitores nos tempos futuros. As telenovelas brasileiras e os filmes de Hollywood, ainda com os shows de Shakira, não pretendem durar mais que o tempo da apresentação, desaparecendo pra dar espaço a outros produtos geralmente bem sucedidos e efêmeros. Cultura é diversão e o que não é divertido não é cultura”.

O ponto fraco desse movimento, diríamos nós, consiste em que a vida não se reduz a entreter-se. A sociedade em que vivemos não é a sociedade do entretenimento. O mundo do trabalho é extremamente competitivo. Não basta ter domínio do funcionamento do tablet ou do celular para assegurar-se um emprego, ainda que vinculado ou dependente da informática.  A autêntica formação profissional não pode prescindir do hábito da leitura e do estudo. O conhecimento não irá sustentar-se graças à simples habilidade em acessar informações.

A par disso, há duas outras circunstâncias que atuariam no sentido de contrapor-se ao mencionado movimento.

A primeira delas diz respeito à perspectiva de desenvolvimento do ensino de nível superior, na previsão do conhecido estudioso norte-americano Nathan Harden, que afirma que o grande desenvolvimento a verificar-se diz respeito ao ensino à distância. As grandes universidades norte-americanas e europeias passarão a ter milhões de alunos, em consequência do que desaparecerão em grande parte os Campi.

Na mencionada modalidade de ensino, o primeiro passo há de consistir em instruir o aluno quanto às formas de estudar. O ensino à distância repousa em dois instrumentos simultâneos e imprescindíveis: um texto de excelente qualidade e um sistema tutorial eficaz. De parte do aluno, se não aprende a estudar não saberá tirar proveito do material de qualidade a que terá acesso, notadamente, de um lado, em adquirir a habilidade de apropriar-se do essencial e, ao mesmo tempo, tirar partido  da possibilidade da acesso ao autor.

A segunda consiste em que na Internet não estão acessíveis apenas os textos simplistas e de informação mínima e superficial. Pode-se acessar material de outra índole, facultados por sites e instituições renomadas.

Na própria televisão, em especial na TV a cabo, há filmes culturais de excelente qualidade. Para citar apenas os ingleses, a BBC e a Open University produzem material de valor excepcional.

Quanto à produção cultural, com exceção talvez da arte plástica contemporânea – que parece ter sucumbido de forma irreversível à mediocridade -, os grandes museus mantêm acesso ao notável patrimônio histórico acumulado pela arte do Ocidente. No que respeita ao cinema, Hollywood enveredou pelo caminho da produção em massa, embora abrigue atores de excepcional qualidade, acha-se ao serviço exclusivo do entretenimento vulgar. Contudo, o cinema europeu tem dado provas da capacidade de resistência.

Na preservação e desenvolvimento do nosso patrimônio musical, sobrevivem tanto nos Estados Unidos como na Europa, instituições que continuam impávidas na sua trajetória, a exemplo do Carnegie Hall.

Registre-se, igualmente, que nos Estados Unidos, o Endowment for Humanities, mantido pelo governo federal, realiza um trabalho notável no âmbito da cultura geral.




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