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sábado, 15 de março de 2014

A SEGURANÇA PÚBLICA NO RIO E OS SEUS FIASCOS




Bandido armado em favela do Rio de Janeiro. (Fonte: Blog dos Servidores Penitenciários do Estado de São Paulo)

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O sistemático assassinato de policiais das UPPs no Rio de Janeiro está a mostrar que  algo de urgente deve ser feito na política de segurança pública. O Secretário de Segurança do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, declarou que se vive, no caso, uma situação de guerra. A falha principal na política das UPPs consiste em que não foram colocados fora de circulação os marginais que apavoravam as comunidades ora pacificadas. 

Ora, os meliantes voltaram com poder de fogo. E voltaram porque os deixaram voltar. Lembremos que após as primeiras intervenções muitas pessoas se perguntavam para onde estariam indo os marginais expulsos das áreas pacificadas. No contexto do espírito politicamente correto que beatifica bandidos como vítimas da sociedade capitalista, era de se esperar que terminasse ocorrendo o que hoje preocupa as autoridades. Os marginais não só conservaram intacto o poder de fogo, como se revelam, hoje, capazes de acuar as forças policiais. Isso é guerrilha urbana. E como tal deve ser tratado. Não adianta mais pôr panos quentes.

A política de implantação das UPPs foi, em termos gerais, uma decisão acertada do governo do Estado, após visita que o governador Sérgio Cabral fez às cidades colombianas pacificadas, Bogotá e Medellín, concretamente, em 2007. Era necessário começar a mostrar aos marginais que havia autoridade na cidade e no Estado. Mas foi uma decisão incompleta. Pretendo, neste breve comentário, salientar os aspectos que uma política de pacificação deve levar em consideração, se os formuladores e executores da mesma não desejam colher fiascos em lugar de resultados alvissareiros. Como a política referida foi elaborada levando em consideração o caso colombiano, referir-me-ei às políticas públicas de segurança implantadas na Colômbia, particularmente nas cidades de Bogotá e Medellín, entre 1997 e 2007. 

Biblioteca Virgílio Barco, no parque El Salitre, Bogotá. Luxo de primeiro mundo numa biblioteca popular. (Fonte: Alcaldía de Bogotá, divulgação, julho de 2007).

Em dez itens pode-se resumir a experiência colombiana:


  1 - As cidades de Bogotá e Medellín se tornaram laboratórios sobre como prevenir e como combater a criminalidadeApontadas como as cidades mais violentas do mundo, Bogotá e Medellín, na Colômbia, transformaram-se em avançados laboratórios do mundo para a prevenção da criminalidade e, em especial, dos homicídios. Apesar de ainda manterem altos níveis de pobreza – cerca de 40% da população, semelhante às metrópoles brasileiras — essas duas cidades conseguiram reduzir, respectivamente, suas taxas de homicídio em 79% (Bogotá) e 90% (Medellín), ao longo do período compreendido entre 1997 e 2007.

2 - A partir de reformas feitas em 1993, o Prefeito (Alcaide), nas áreas metropolitanas, converteu-se em chefe da polícia. De outro lado, a Polícia Nacional sofreu uma forte modernização. Hoje constitui uma Força de 50 mil homens muito bem treinados e com armamento moderno. A reforma foi profunda e moralizadora: só em Bogotá, num ano, foram dispensados 2 mil agentes. Não ficou vestígio da "banda podre" que, em décadas anteriores, desmoralizava a Força Pública nas cidades colombianas.

3 - O Exército, por sua vez, modernizou-se, junto com a Marinha e a Aeronáutica. As Forças Armadas constituíram uma unidade especializada de combate urbano contra focos de narcotraficantes, paramilitares e guerrilheiros. Foi criada, também, uma força de elite, a FUDRA (Fuerza de Intervención Rápida), para combater as FARC. A unidade para combate urbano oscilava entre 1.000 e 4.000 homens. Entrava em ação a pedido do Prefeito metropolitano. Os comandantes militares, bem como os efetivos da polícia, reportavam-se, nas ações de pacificação efetivadas, ao Prefeito e este ao Governador do Departamento.

4 - O Prefeito passou a fixar as áreas mais violentas das cidades e a definir as ações que deveriam ser feitas para erradicar os focos de narcotraficantes, paramilitares e guerrilheiros ali instalados. A ação da Força Pública era rápida e, uma vez desarticulados os focos violentos, a Polícia passava a ocupar, de forma permanente, a área que foi objeto da intervenção. Era garantido, em toda a área ocupada, o policiamento ostensivo permanente.

5 - Em 120 dias, após a erradicação dos focos armados, a Prefeitura entregava à comunidade uma série de obras sociais, que visavam a elevar a autoconfiança dos cidadãos, lhes mostrando, eficazmente, que o Estado veio para ficar e não os abandonaria. Essa ação abarcava a instalação dos seguintes itens: posto de saúde, escola municipal, delegacia permanente de polícia, banco popular (denominado de Megabanco), parque-biblioteca, área de lazer e sistema de conexão com o metrô através de metrocable (bondinho) – em Medellín -, ou mediante ciclovias e pontos dos ônibus em linha expressa, o denominado Transmilênio – em Bogotá. Bogotá e Medellín criaram, nos últimos anos, uma rede de gigantescas bibliotecas públicas nos bairros mais pobres, cujo papel primordial consiste em recuperar o espaço comunitário deteriorado e facilitar a convivência. Quem quiser verificar, pode visitar a Biblioteca Virgílio Barco, em Bogotá (situada no belo parque El Salitre, no ocidente da cidade) ou a Biblioteca Espanha, em Medellín (situada no conjunto de favelas Santo Domingo, hoje totalmente pacificadas).

Parque-Biblioteca El Tintal, no antigo Aterro Sanitário de Bogotá. No fundo, o conjunto residencial construído pela Prefeitura para os antigos catadores de lixo. (Fonte: Alcaldía de Bogotá, divulgação, Julho de 2007).

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Em Bogotá foram ocupados, dessa forma, os lugares mais problemáticos: El Cartucho, no centro da cidade, El Tunal e El Tintal (na periferia).  Em Medellín foram ocupados, dessa forma, o conjunto de favelas Santo Domingo (na parte leste-norte da cidade), a perigosa Comuna 13 (na parte ocidental) e a Comuna 6, (na parte noroeste). Traficantes e guerrilheiros que passaram a resistir à presença das Forças Armadas e da Polícia foram eliminados ou presos. Todas as obras foram financiadas pelas Prefeituras mediante Parcerias Público-Privadas (90% do investimento), ou ajuda internacional (10%).

7 -   Desde 1993 (até 2007), a taxa de homicídios caiu 79% em Bogotá, chegando a 17 por 100 mil habitantes. A taxa, em Medellín, caiu 90%, passando de 311 por 100 mil habitantes, para 26. Além de transporte público e ciclovias, as duas cidades investiram no ensino, tornando-se o epicentro, na América Latina, da idéia de Cidades Educadoras.


Parque-Biblioteca España, no conjunto de favelas Santo Domingo - Medellín. Empreendimento cultural doado pelo Rei da Espanha. (Fonte: Alcaldía de Medellín, divulgação, Julho de 2007).
Parque Biblioteca León de Greiff, em La Ladera, antigo presídio de Medellín. (Fonte: Alcaldía de Medellín, divulgação, Julho de 2007).
8 - A partir de 2002, com a eleição de Alvaro Uribe Vélez para a presidência da Colômbia (nos períodos compreendidos entre 2002 e 2010), foi desenvolvida, com a ajuda dos Estados Unidos, uma política de segurança pública com a finalidade de combater as FARC e os Paramilitares, que praticamente tinham dividido o território nacional. O resultado foi a pacificação do campo e o aumento da produção. O governo colombiano obrigou os paramilitares a se desmobilizarem e derrotou as FARC, cujo contingente diminuiu drasticamente de 22.000 homens para menos de 8.000. Hoje, os guerrilheiros remanescentes negociam com o governo de Bogotá uma rendição definitiva.

9 - É importante destacar que com a virada da guerra por parte do governo colombiano, sedimentaram-se as condições para a pacificação nas cidades. Houve um entrosamento muito significativo entre o governo nacional e os governos departamentais (estaduais) e municipais.  Se não tivesse havido o apoio do governo central, possivelmente as ações pacificadoras em nível das cidades não teria dado certo. De outro lado, tanto o Legislativo, quanto o Judiciário passaram a trabalhar em conjunto com o governo na elaboração de uma política de segurança pública que realmente funcionasse. Foi elaborada uma legislação moderna para combate ao narcoterrorismo e à guerrilha ligada a este, de forma tal que os juízes passaram a agir de acordo com as políticas estabelecidas e dentro das novas normas legais. Isso possibilitou o desmonte dos cartéis das drogas e a extradição dos principais capos da droga para os Estados Unidos. De outro lado, foram criados os presídios de segurança máxima, como o de Cômbita, onde os presos não conseguem se comunicar com o exterior, nem por meio de celulares, nem através dos seus advogados, que passaram a agir rigorosamente dentro da lei.



10 - Houve, por último, a participação decidida dos cidadãos em apoio ao processo de paz, tanto em nível nacional como local. Em várias cidades colombianas, a começar por Bogotá e Medellín, foi criado o Movimento Como Vamos, que foi iniciativa das Câmaras de Comércio, mas que contou com a participação da cidadania, com a presença de estudantes universitários, profissionais liberais e grêmios econômicos. O Movimento conta com decidido apoio da grande imprensa. Tanto em Bogotá, quanto em Medellín, são publicados mensalmente, pelos principais jornais, os resultados da avaliação da gestão municipal realizados pelo Movimento, e levando em consideração as mais importantes variáveis da gestão municipal, a começar pela segurança pública, a educação, o desenvolvimento econômico, o trânsito e a mobilidade urbana, o respeito ao meio ambiente e a participação cidadã. Até hoje esse Movimento continua ativo e é responsável pela renovação da representação política e das lideranças em escala municipal e departamental, bem como pelo aumento da autoestima dos cidadãos em relação ao seu município. 
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Acima: Auto-estima em alta, meninas do ensino secundário do Colégio Municipal do conjunto de favelas Santo Domingo - Medellín. Abaixo: Mega Banco (Banco Popular) no conjunto de favelas Santo Domingo. (Fonte: Álbum de família, Julho de 2007).

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O governo de Alvaro Uribe Vélez apoiou decididamente este crescimento da autoestima e passou a administrar o país de forma itinerante. O Presidente da República e o seu gabinete se transladavam, semanalmente, para cidades do interior e nelas despachavam, a fim de que os cidadãos percebessem a presença do Estado entre eles. Anotemos, por último, que o governo de Alvaro Uribe Vélez adotou a modalidade brasileira do programa "Bolsa Escola", mas cobrando resultados dos beneficiários do mesmo. Cada família era visitada pelo respectivo monitor da Secretaria Especial da Presidência para a Ação Social uma vez a cada mês, tendo assinado com o governo um contrato em que a cabeça da família (a mulher) se obrigava a cumprir com um rol de itens que iam desde a  frequência das crianças na escola, até a colaboração com a administração municipal e a participação de algum membro da família em programas de preparação para o trabalho oferecidos pelo município, através do sistema S (que, na Colômbia, foi criado nos anos 60 do século passado seguindo o modelo brasileiro). Se uma família deixasse de cumprir com 5 obrigações ao longo de três meses era excluída do programa. O Programa "Bolsa Escola" foi, assim, um caminho seguro para tirar as famílias da pobreza, sem torna-las eternas reféns da burocracia estatal e dos seus favores (como acontece com o programa Bolsa Família do PT).


Concluamos: o que se passa atualmente no Rio de Janeiro, em matéria de funcionamento das UPPs, embora inspirado no processo colombiano, dista muito do que se realizou no país vizinho. Em primeiro lugar, os marginais ligados ao narcotráfico não foram nem desarmados nem julgados na sua totalidade, no Rio. Foram, ao contrário, se interiorizando pelo Estado do Rio e pelos municípios mineiros, infernizando progressivamente a vida das antes pacatas cidades. A banda podre da polícia do Estado do Rio de Janeiro, ao que tudo indica, não foi desmontada de vez. Isso reforçou o poder de fogo dos bandidos. O contrabando de armas continuou fluindo pelas fronteiras brasileiras, que não têm sido guardadas como necessário, devido à política pouco responsável do governo federal, que contingenciou a ampliação de projetos essenciais como o SISFRON.

2 comentários:

  1. Infelizmente professor, a mentalidade esquerdista que assola o a intelectualidade, e boa parte da classe média brasileira, vê na bandidagem uma espécie de "humanos mais humanos" dos que os outros.
    O cidadão comum não merece, da parte dos políticos e dos ativistas dos direitos "humanos", o mesmo respeito que possuem os "proto-revolucionários" (conceito caro aos gramscianos que infestam a máquina publica) do crak.

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  2. Pensava-se que não voltariam mais. Estavam apenas escondidos atrás de alguma coluna. É precviso ocupar o espaço e não só desocupá-lo.

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