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segunda-feira, 1 de julho de 2013

TOCQUEVILLE EM TEMPOS DE INCERTEZA


Alexis de Tocqueville (1805-1859)

O Brasil vive, atualmente, tempos de incerteza, decorrentes da crise das instituições republicanas e do fato de as mentes e as vontades das pessoas não estarem coadunadas ao redor de um projeto efetivamente democrático, que salvaguarde a liberdade dos cidadãos. As manifestações que tomaram conta das ruas e praças das nossas cidades, no final de Junho, revelam a insatisfação crescente da população, em face da forma pouco transparente de gestão dos negócios públicos e da não correspondência dos políticos, nas suas ações, às expectativas da Nação. A sensação é de perplexidade perante o desconhecido e da agitação que ainda perturba os espaços públicos de algumas cidades, tomadas por uma malta de agitadores profissionais que visam a semear o desconcerto, mediante a prática da violência e o vandalismo. Nestes tempos de incerteza, é recomendável revisitar o pensamento dos clássicos do liberalismo, pois eles elaboraram propostas que visavam a responder à insatisfação social, defendendo a liberdade. Isso se torna mais necessário, levando em consideração os cantos de sereia dos totalitários de plantão, que tentam aproveitar as manifestações de insatisfação para colocar em prática conhecidos esquemas de poder total. Esses totalitários, o que é mais grave, ocupam posições de comando no atual governo e não são novas as suas tentativas de implantar, por vias transversas, as soluções despóticas que sempre alimentaram.

Alexis de Tocqueville legou-nos, na sua vasta obra, um escrito que foi elaborado em circunstâncias bem semelhantes às que vive atualmente o Brasil. A obra Lembranças de 1848 – As jornadas revolucionárias em Paris (São Paulo: Companhia das Letras, 2011), efetivamente, foi escrita no contexto da agitação revolucionária que tomou conta das ruas da capital francesa no final do reinado de Luís Filipe e que marcou o começo do ciclo de instabilidade que levaria à implantação da Segunda República. Todo esse complexo processo desaguou, como se sabe, no regime despótico de Luís Napoleão e na agitação que posteriormente varreu a França, ao ensejo da Comuna de Paris (1870). As reflexões tocquevillianas são interessantes, pois valem, ao mesmo tempo, como um caminho a ser trilhado por quem defende a liberdade e como uma agenda para os homens públicos afinados com os interesses dos seus concidadãos. Lembremos que, em 1848, o pensador francês desempenhava as funções de deputado na Assembleia Nacional.

Em primeiro lugar, Tocqueville achava que a agitação, quando se torna generalizada, assume um caráter indefinido. A propósito, escrevia: “Em um motim, tal qual em um romance, o mais difícil é inventar o final” (p. 95).

Em segundo lugar, recomendava que, em momentos de agitação revolucionária, os homens públicos de bem permanecessem nos seus lugares, justamente para garantir um princípio de ordem no meio à tormenta social. Ameaçada a sede do Legislativo pelas turbas inflamadas, Tocqueville correu apressado, para ocupar o seu escaninho no Parlamento francês. Decisão arriscada para quem, como ele, representava uma posição minoritária de defesa da liberdade ameaçada pelos ultraconservadores que queriam uma volta ao absolutismo monárquico e pelos revolucionários, herdeiros dos jacobinos, que se diziam representantes das massas. A propósito, escrevia Tocqueville: “Depois de ter observado por um instante esta sessão extraordinária, apressei-me em ocupar o meu lugar costumeiro nos bancos altos do centro esquerdo; sempre tive por máxima que, em momentos de crise, não só é necessário estar presente na assembleia da qual se faz parte como também é preciso manter-se no lugar onde habitualmente se é visto” (p. 88).

Em terceiro lugar, Tocqueville achava que, em momentos de agitação generalizada, era necessário defender aquela instituição que deveria representar institucionalmente o povo, ou seja, o poder legislativo. Diante da pergunta do seu amigo Beaumont que indagava: “Quem pensa na Câmara? Para que pode servir e a quem pode prejudicar nesta situação?” Tocqueville escreve: “Achei que ele estava errado ao pensar daquela forma e, com efeito, estava. Era verdade que, naquele momento, a Câmara estava reduzida a uma singular impotência, com sua maioria desprezada e sua minoria ultrapassada pela opinião do momento. Mas Beaumont esquecia-se de que é sobretudo em tempos de revolução que as menores instituições do direito – e mais: os próprios objetos exteriores -  adquirem a máxima importância, ao recordar ao espírito do povo a ideia da lei; pois é principalmente em meio à anarquia e ao abalo universais que se sente a necessidade de apego, por um momento, ao menor simulacro de tradição ou aos laivos de autoridade, para salvar o que resta de uma Constituição semidestruída ou para acabar de fazê-la desaparecer completamente” (p. 86).

Em quarto lugar, o pensador francês considerava que não se podem reduzir os fatos sociais a uma única causa, como se fossem simples charadas fáceis de resolver; mas, por outro lado, achava que estavam errados aqueles que atribuíam total irracionalidade ao processo histórico. O primeiro defeito era o dos intelectuais; o segundo, o dos políticos. “De minha parte, escrevia Tocqueville, detesto os sistemas absolutos, que tornam todos os acontecimentos da história dependentes de grandes causas primeiras, ligadas entre si por um encadeamento fatal, e que eliminam, por assim dizer, os homens da história do gênero humano. (...) Creio (...) que muitos fatos históricos importantes só podem ser explicados por circunstâncias acidentais e que muitos outros são inexplicáveis; e enfim que o acaso (...) tem um grande papel em tudo aquilo que, de antemão, já não esteja preparado. Os fatos anteriores, a natureza das instituições, a dinâmica dos espíritos e o estado dos costumes são os materiais com os quais o acaso compõe os improvisos que nos assombram e nos assustam” (p. 104).

Um comentário:

  1. Foi boa a reflexão professor Ricardo e bem a propósito a menção de Tocqueville. Vejo, também, outra tese dele: a tirania da maioria, exercida aqui no Brasil pelo PT E PMDB e aliados. Era preciso um basta. Agora, depois desta sacudida, está na hora de garantir as instituições democráticas e isto virá, penso, fazendo a reforma política. Entendo que se torna urgente o voto distrital para por um fim à tirania da maioria.

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