Páginas

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O SOCIALISMO NA FRANÇA E NO BRASIL: UMA ANÁLISE FEITA EM 2002

Em Agosto de 2002 escrevi esta análise acerca das semelhanças entre os socialismos francês e brasileiro. Depois de ver o desempenho do governo Hollande, que não consegue fazer despegar o avião da economia francesa, e depois de ver, por outro lado, o tamanho do "pibinho" com que o terceiro governo petista nos brinda, acho que a minha análise tem plena atualidade.

O que é que a França tem de comum com o Brasil? Poderiamos dizer que, em primeiro lugar, a estrutura centralizada do Estado. Em segundo lugar, poder-se-ia afirmar, validamente, que os nossos marxistas são tão estatizantes e dogmáticos quanto os comunistas franceses. Estalinistas mesmo. Com uma diferença: na França, e talvez em Portugal e na Espanha, esses dinossauros ficaram confinados no PC. No Brasil, mimetizam-se em tudo quanto é partido de esquerda, do PT ao PC do B, ocupando sofregamente o segundo escalão dos Ministérios, quando não a direção das Universidades Federais e as Secretarias Estaduais ou Municipais, nos lugares onde há governantes favoráveis. Das diferentes siglas que integram a fatia ideológica soi disant "progressista", parece que somente uma desencarnou, no Brasil, do velho marxismo-leninismo: o PPS, que se apresenta, no seu programa, como um Partido de inspiração social-democrata.

A recente derrota da esquerda nas eleições presidenciais francesas, talvez deva ser inserida nesse contexto. A sociedade não acredita mais no discurso ideológico tradicional da esquerda. Jospin levou ao seu palanque o nosso bravo Lula, e está provado que isso não melhorou as suas condições eleitorais. Será que Lula é pé frio? Deixemos a resposta a essa pergunta para os que administram bola de cristal. O problema, no plano real, não é esse. O problema radica na semelhança entre as esquerdas francesa e brasileira. Nenhuma das duas conseguiu se modernizar, ao contrário do que fizeram os esquerdistas na Espanha (com Felipe González), na Itália (com Massimo d'Alema) e na Inglaterra (com Anthony Giddens e Tony Blair). Moral da história: por não terem se modernizado, as esquerdas francesa e brasileira metem medo no eleitorado e nos investidores. No caso francês, logo após a eleição de Jospin para o cargo de primeiro-ministro, mais de quinze mil empresas cruzaram o Canal da Mancha, fugindo do espírito orçamentívoro dos socialistas e buscando os ares mais liberais da Grã Bretanha, onde o Novo Trabalhismo teve a sensatez de manter uma política tributária que não desestimulasse os investimentos e a livre iniciativa. Moral da história: a economia francesa estagnou-se e perdeu competitividade, não diminuiu o desemprego, tendo aumentado sensivelmente, em decorrência desses fatores, as tensões sociais e a insegurança geral da população. Até os imigrantes do Centro da Europa preferem se expor aos riscos de fugir dos refúgios para imigrantes construídos no noroeste da França, e se aventuram a percorrer a pé a perigosa rota do Eurotúnel. O clima na Inglaterra é melhor, até para os que não têm nada.

Por essas semelhanças entre a França e o Brasil, certamente será de interesse para os leitores brasileiros a mais recente obra do historiador francês Maurice Druon intitulada: La France aux ordres d'un cadavre (Paris: Editions de Fallois / Editions du Rocher, 2000, 146 pg.), cuja síntese é assim apresentada pelos editores: "Depois do final da Segunda Guerra Mundial, a França vive em regime semi-marxista, sendo o único país da Europa que se encontra nessa situação. O cadáver evocado pelo título é o da União soviética, morta há cerca de dez anos, mas cujas orientações, instruções e consignas dadas ao Partido Comunista Francês e retomadas pelos sindicatos, continuam a se impor à nossa sociedade. Função pública, setor nacionalizado, convenções coletivas, código de trabalho, política fiscal, administração de justiça, ensino e pesquisa, tudo sofre conseqüências dos planos, concertados à época da liberação e durante a guerra fria, que tentavam fazer esmorecer ou desestabilizar nosso país, a fim de alinhá-lo com o modelo soviético. Os efeitos penetraram de tal modo nos nossos costumes que os cidadãos não os percebem. Mas a situação da França tem sido gravemente afetada. Este livro apresenta coisas nunca ditas, nem com tal vigor, por um escritor que tem ocupado altos cargos no Estado, e que está bem informado acerca de todos os aspectos da vida pública" [Apresentação, segunda capa].

Antes de prosseguir, no entanto, falemos um pouco do autor. Maurice Druon, da Academia Francesa, é um escritor conhecido internacionalmente graças à saga histórica intitulada Les rois maudits (cuja última edição apareceu na coleção "Volumes", Paris: Plon, 1999, 7 volumes). Druon é autor também de duas séries de romances históricos, ambas reeditadas pela editora Plon, em 1999: Romans Mithologiques (Les Mémoires de Zeus, Alexandre le Grand, Les Rivages et les Sources) e Romans Contemporains (Les grandes Familles, La chute des corps, Rendez-vous aux enfers, La volupté d'être). Outras obras de Maurice Druon são as seguintes: Mégarée, pièce en trois actes (1944), Lettres d'un Européen (1944), Nouvelles lettres d'un Européen (1970), La dernière brigade (1946), Remarques (1962), Un voyageur (1954), L'Hôtel de Mondez (1956), Tistou, les pouces verts (1957), Des seigneurs de la plaine à l'Hôtel de Mondez (1962), Paris, de César à Saint Louis (1964), Bernard Buffet (1964), Le pouvoir, notes et maximes (1965), Le bonheur des uns (1967), Vézelay, colline éternelle (1968), L'Avenir en désarroi (1968), Une église qui se trompe de siècle (1972), La parole et le pouvoir (1974), Attention la France! (1981), Réformer la démocratie (1982), Lettre aux Français sur la langue et leur âme (1994), Circonstances 1 - Circonstances civiques, du voyage, du gaullisme (1997, prêmio Jules Simon), Circonstances 2 -Circonstances politiques I, 1954-1974 (1998), Circonstances 3 - Circonstances politiques II, 1974-1998 (1999), Le "bon Français" (1999, prêmio Agrippa d'Aubigné).

Voltemos à obra que ora comentamos: La France aux ordres d'un cadavre. O autor inspira-se na famosa sentença de Tocqueville: "Os Franceses querem a igualdade; e quando não a encontram na liberdade, procuram-na na escravidão" [pg. 135]. Como epígrafe, utiliza as palavras de Montesquieu: "Quando se trata de provar coisas tão claras, estamos seguros de que não convenceremos" [pg. 7]. Mesmo que o PC francês, os comunistas portugueses ou os marxistas-leninistas tupiniquins não se convençam muito com as coisas tão claras mostradas pelo autor, são meridianas as ligações que ele estabelece entre o centralismo cartorial francês (que, como mostrou Tocqueville na sua obra L'Ancien Régime et la Révolution tem séculos de história) e o processo de marxistização ocorrido por influência soviética. Não que o primeiro tenha sido causado pelo segundo. Mas a marxistização deitou no leito de Procusto do velho centralismo e lhe forneceu sangue novo. Ou sangue ectoplasmático, já que Druon fala em obediência a um cadáver.

A União Soviética aplicou à França as receitas de Sun-Zu (o famoso estrategista chinês contemporâneo de Buda e Péricles, cujos escritos eram uma espécie de catecismo para os serviços secretos soviéticos). A respeito, frisa Maurice Druon: "A arte suprema da guerra, para Sun-Zu, consiste em conquistar o país ou cidades sem ter de dar a batalha, mas debilitando-os no interior, diminuindo os seus recursos e minando-os moralmente, até que fossem incapazes de se defenderem e se pudesse então pegá-los como frutos já podres. Para isso, todos os meios e todos os aliados são bons: a propagação de falsas notícias (ou desinformação), o estímulo às rivalidades internas, o descrédito jogado sobre os chefes por meio de falsas acusações, a infiltração das administrações por agentes da propaganda, a parálise do trabalho, a queda dos rendimentos. Depois de 2500 anos, se os processos são evidentemente diferentes, os princípios e os objetivos permanecem os mesmos" [pg. 14-15].

Em meados de 1920, Lenine tinha formulado e feito adotar pelo Komintern (a Internacional Comunista) as 21 condições que deveriam ser aceitas pelos partidos que quisessem fazer parte dessa Internacional. O Komintern era definido como "o partido internacional da insurreição e da ditadura proletária" [pg. 20-21]. E um dos seus mandamentos era o seguinte: "Em quase todos os países da Europa e da América, a luta de classes entra no período de guerra civil. Os comunistas não podem, nessas condições, confiar na legalidade burguesa. É seu dever criar em todos os lugares, paralelamente à organização legal, um organismo clandestino capaz de cumprir, no momento decisivo, com o seu dever em face da revolução" [pg. 21].

O Partido Comunista constituiria a "seção francesa" da Internacional comunista. Em dezembro de 1920 houve uma polarização das organizações trabalhistas da França ao redor de dois núcleos: a Section Française de l'International Ouvrière (SFIO) e a Section Française de l'Internationale Communiste, que se converteu no Partido Comunista Francês (PCF), com a sua filial sindical, a Confédération Générale du Travail Unitaire (CGTU), alinhadas, estas duas últimas organizações, com os princípios formulados por Moscou. É bom lembrar que o Komintern constituiu, no período estalinista, uma "gigantesca burocracia com vocação mundial para a subversão e a propaganda" [pg. 21], um formidável ordenador ou processador da estratégia, ao mesmo tempo que um formulador de ordens táticas instalado a dois passos do Kremlin, e onde os Partidos Comunistas dos diversos países não existiam senão como "seções".

A respeito da política estalinista, frisa Druon: "A genialidade de Stalin consistiu em construir e sustentar, na mesma mão, de um lado um Estado-partido com todos os traços do nacionalismo, do imperialismo e da ditadura totalitária, mas que era considerado como a fachada do socialismo em construção e, de outra parte, esse estado maior da revolução mundial que, na falta de chegar rapidamente a esta, servia principalmente aos interesses e ao poder da URSS" [pg. 21-22].

O fato de o PC francês não ter conseguido enquadrar todos os ativistas, em decorrência da indisciplina que grassava nos seus quadros, fez com que, no Komintern, a França fosse jogada no saco de lixo dos "países latinos". Mas, devido à importância estratégica do país na Europa, os soviéticos decidiram apostar na marxistização ou sovietização dos quadros, enviando para a França um representante direto, Eugen Fried (judeu húngaro de nascimento, de nacionalidade tcheco-eslovaca, que tinha sido um dos fundadores do PC tcheco e que era um homem sedutor, que falava fluentemente várias línguas, que era, de outro lado, um ativista perfeito, teórico e tático, bom negociador, trabalhador incansável e muito próximo de um dos colaboradores mais íntimos de Stalin). Druon alicerça-se, neste ponto, na obra de Annie Kriegel e Stéphane Courois, intitulada Eugen Fried (Paris: Seuil, 1997). Poucas pessoas sabiam que Fried integrava o bureau político do PC francês, ao lado de Thorez, Duclos, Marty e Frachon, mais precisamente desempenhando as funções de chefia. Fried foi quem expulsou Doriot (que desempenhava as funções de maire em Saint-Denis), pelo crime de "desviacionismo". Foi igualmente Fried quem confirmou Maurice Thorez na chefia do Partido. A respeito, escreve Druon: "Nada de raro que, sob essa férula, o PCF tenha se convertido no mais estalinista dos partidos comunistas e que, por impregnação mental e força de hábito, tenha se conservado tal até os nossos dias, tendo renunciado ao estalinismo apenas de dentes para fora" [pg. 25].

O Front Populaire de Léon Blum, com as reformas socialistas em andamento, semeou o terror no seio da burguesia, segundo Druon, em relação à revolução proletária e à sovietização do país. Esse clima abriu a porta ao espírito de colaboracionismo da República de Vichy. No momento de reordenamento das instituições após a Segunda Guerra Mundial, o autor traça o seguinte quadro: "No governo de 1945, no qual de Gaulle deveria abrir espaço aos comunistas, eles teriam querido o exército; mas ficaram com o armamento. Eles desejavam, de outro lado, o ministério do Interior, mas não conseguiram. Em compensação, Maurice Thorez recebeu o ministério da Função Pública. Atribuição sem risco subversivo imediato, mas cujas conseqüências seriam duradouras e significativas. A Função Pública é todo o aparelho do Estado, as suas alavancas e as suas engrenagens" [pg. 47].

Maurice Thorez foi o encarregado, como ministro da Função Pública, de redigir o estatuto do servidor público. A respectiva lei foi promulgada em 5 de outubro de 1946. A respeito dessa legislação, afirma Druon: "Pode-se datar dessa lei a dinossaurização das administrações, a sua tendência a um crescimento pletórico, a lentidão dos seus procedimentos, a incapacidade crônica do Estado para proceder às reformas mais evidentemente necessárias. Essa lei significava a petrificação de tudo!" [pg. 49]. O nosso autor destaca o imobilismo a que conduziu essa nova legislação, com as seguintes palavras: "Pois seja lá o que se queira ou o que se faça, não se pode impedir que, alicerçados no estatuto de 46, os sindicatos controlem o desenvolvimento das carreiras, as promoções, as mudanças, as sanções. Salvo para os postos muito altos, a promoção por mérito ou por eficiência é impossível; os funcionários, bons ou maus, progridem de nível em nível, de forma pouco racional. O absenteísmo é tolerado, senão encorajado, os sindicatos garantindo a freguesia. É necessário que uma falta seja gravíssima, uma desonestidade verdadeiramente enorme ou um escândalo muito patente, para que medidas disciplinares sejam tomadas. O culpável sempre encontra um sindicato para se proteger ou para encontrar situações atenuantes. A preguiça, a lentidão, a falta de atenção, o erro, coisas todas prejudiciais aos cidadãos, são faltas veniais e perdoadas de antemão" [pg. 51-52].

O fato de os comunistas terem se apropriado do Ministério da Função Pública produziu, no seio do Estado francês, um efeito perverso: reforçou a velha tendência estatizante e centralizadora, proveniente do Ancien Régime e mantida inalterada pelo regime napoleônico e pelo republicanismo autoritário. Esse fator é o responsável, nos dias  que correm, pela perda de competitividade da França no seio da União Européia e no plano internacional. Em relação ao inchaço burocrático que essa legislação produz, frisa o nosso autor: "Mas ninguém ousa evocar os 20 mil empregos fictícios que as administrações abrigam. Quando adianto essa cifra de 20 mil, estou seguramente por baixo da conta. Há vinte anos, esses empregos eram calculados entre 16 mil e 18 mil. Pois o número exato jamais consegue ser estabelecido, mesmo que exista um ministério da Função Pública que poderia tratar de sabê-lo. Esse é, ao que parece, um tema tabu, acerca do qual é mantido o mais completo silêncio" [pg. 60].

O engessamento da função pública tem beneficiado, em primeiro lugar, à burocracia improdutiva e corrupta. Druon considera que os Ministérios da Educação e da Justiça foram invadidos, nos últimos 60 anos, por verdadeiros batalhões de burocratas que tinham como única divisa manter os seus privilégios, mesmo que para isso fosse necessário desmontar a instrução pública e a administração de justiça. O ministério da Educação, por exemplo,  tem crescido em burocratas muito mais do que o necessário. Conta atualmente com 1,1 milhão de funcionários, dos quais 900 mil docentes. Nos últimos vinte anos, o número de estudantes aumentou, no entanto, apenas 17%, ao passo que o de docentes cresceu 40%, muito além das necessidades reais.

Mas também têm sido beneficiadas as empresas estatais, verdadeiras massas falidas que custam caro ao tesouro público. "Se o Estado produz - frisa Druon -, ele só pode fá-lo em situação de monopólio. O Estado não saberia se permitir entrar no circuito da concorrência. Isso vai contra a sua dignidade. O Estado está aí para fixar as regras do jogo, não para jogar e muito menos para perder. Ora, o peso dos procedimentos nas empresas públicas, a burocratização do seu pessoal, a irresponsabilidade material dos seus quadros, as vacinam contra a competitividade. E se elas usam procedimentos porventura duvidosos (que às vezes são usados pelas empresas particulares), o descrédito recai sobre o Estado. É só lembrar o escândalo do affaire Elf-Aquitaine" [pg. 66].

O crescimento descontrolado do pessoal vinculado ao Ministério da Função Pública custa caro aos cofres da nação. A carga tributária que pagam os contribuintes franceses é, sem sombra de dúvida, a mais alta da Europa Ocidental. E explica o fenômeno de que mais de 15 mil empresas tenham cruzado, nos últimos cinco anos, o Canal da Mancha, para se estabelecerem na Inglaterra, país que goza de uma política tributária muito mais favorável aos investimentos e à geração de empregos. A respeito, afirma Druon: "As cargas que pesam sobre o contribuinte francês, imposto sobre a renda, taxas, quotas, retenções obrigatórias, transferências sociais (saúde, família, desemprego, velhice) elevam-se, todas compreendidas, a 62% do ganho individual médio. Dizemos médio. Como um número importante de cidadãos, levando em consideração a franqueza dos seus ingressos, são livres de algumas dessas contribuições, é apenas lógico que os outros assumam encargos tributários que oscilam entre 70% e 100%. A Grã Bretanha conheceu há trinta anos esse tipo de excesso. A vida ali era sinistra; as lojas, desertas, faliam umas após outras, e todo o país periclitava. Hoje, é um país próspero e atraente; o desemprego caiu ali a 5,9% e Londres é uma festa. A carga fiscal média foi reduzida a 40%" [pg. 90].

Para ilustrar um pouco o pessimismo do nosso autor, vale a pena lembrar os números do gigantismo estatal francês. No ano de 1998, segundo pesquisa desenvolvida pelo jornal Le Figaro [cf. Nirascou, 1998: 10], calcula-se que foram criados ao redor de 15 a 16 mil cargos públicos suplementares. Isso, num país que conta com uma significativa população de empregados públicos (5,1 milhões) e de funcionários das empresas estatais (1,2 milhões), é realmente um exagera e sinaliza de forma negativa à sociedade uma falsa saída: tudo se resolve pelo Estado encostando nele mais gente. Esse é muito provavelmente o combustível que alimenta as freqüentes passeatas pelas avenidas parisienses dos chamados "excluídos", ou seja, dos que não gozam das benesses do funcionalismo e que gostariam de participar do bolo nacional. O tamanho do funcionalismo público francês (equivalente a 25% da população economicamente ativa) contrasta com o de outros países desenvolvidos: 15% nos Estados Unidos e na Alemanha, 19% na Bélgica, 18.4% em Portugal, 17,8 % na Itália, 17% na Irlanda, 14,8% na Espanha, 14,4% no Reino Unido, 12% nos Países Baixos, 11% em Luxemburgo, 9,8% na Grécia, etc.

As benesses do funcionalismo público francês são, aliás, nada desprezíveis. Com exceção dos altos cargos públicos (ao redor de 25 mil funcionários, cujos salários são inferiores aos do setor privado em aproximadamente 25 ou 30%), todas as outras categorias ganham melhor do que no setor privado. Do ponto de vista da distribuição do bolo orçamentário que chegou em 1998 a 1.550 bilhões de francos (258 bilhões de dólares), o funcionalismo público abocanha ao redor de 40%, equivalentes a 650 bilhões de francos (103,3 bilhões de dólares). Longe de gerar essa situação a paz social, constitui motivo de perturbação universal. O funcionalismo, ao que tudo indica, quer mais. Calcula-se que as greves no setor público eqüivalem a 60% dos movimentos sociais na França. os outros 40% devem corresponder aos protestos dos que se consideram excluídos da festança oficial [cf. Vélez, 2000:  16-17].

A burocracia alimentada pelos regulamentos favoráveis do Ministério da Função Pública garante, no sentir de Druon, que tal estado de coisas se mantenha inalterado. O sistema tributário repousa num verdadeiro cipoal de leis e regulamentos que ninguém consegue entender. A última edição do Code général des impôts conta com 2.097 páginas. Mas isso não é tudo. A Documentation fiscale de base, publicada em 1999 pela Direção Nacional de Impostos (a temida DGI, uma espécie de Big Brother fiscal) tem 5.948 páginas, exatamente 2.170 páginas a mais do que a publicação correspondente ao ano de 1990! Verdadeiro monumento digno do mais perfeito colbertismo, em pleno século XXI. Para garantir a tortura aos contribuintes, a DGI conta com nada menos do que com 80 mil funcionários. Esse emaranhado de burocratas e de leis produz no cidadão francês uma terrível doença, segundo Druon: "le Français ne comprend rien à la fiscalité qui l'accable" [pg. 91]. Atrever-me-ia a dizer que talvez não se trate de uma doença, mas de um expediente dos atribulados cidadãos para poder conservar a saúde mental, algo assim como o espírito carnavalesco brasileiro em face da irracionalidade do Leviatã orçamentívoro, que là-bas, no Brasil tropical, cobra mais de 50 impostos em cascata, além de contribuições compulsórias como a CPMF e os impostos disfarçados como o ICMS.

Bibliografia citada

NIRASCOU,  Gérard. "Fonctionnaires: le trop-plein (Enquete)". In Le Figaro, Paris, 12 de fevereiro de 1998, pg. 10.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo. "O gigantismo estatal francês: aspecto político". In:  Ubiratan Macedo (organizador), Avaliação crítica da social-democracia - o exemplo francês. São Paulo: Massao Ohno / Instituto Tancredo Neves, 2000, pg. 15-36.

2 comentários:

  1. Ricardo, como siempre tus análisis son de gran profundidad y están repletos de referencias muy serias. Ojalá continúes regalándonos con estas contribuciones.

    Iniciaste tu análisis con referencias a las deficiencias de las medidas tomadas por Hollande en Francia pero rápidamente te fuiste a un detallado análisis sobre las fallas y las causas del fracaso del comunismo en Europa y en el mundo en general. Indudablemente estás cien por ciento correcto en tu análisis del comunismo pero lo que no estableces es la unión entre el movimiento comunista y el presente gobierno francés. Si bien es cierto que el partido comunista francés es parte de ese pasado troglodita al que te refieres en tanto detalle, también es claro que esos comunistas son un grupo que no hace parte del gobierno francés y, más aún, son parte de la oposición al gobierno.

    Haces una mención al hecho de que la administración Hollande no ha logrado relanzar la economía francesa. Vale la pena tener en cuenta que en un estado moderno el gobierno no maneja la economía; las medidas tomadas por el gobierno tienen su influencia en la economía, influencia que a veces puede ser desastrosa como fue el caso de George Bush en Estados Unidos. Por eso es que se considera que lo mejor que un gobierno puede hacer es tomar medidas que creen un ambiente propicio para la actividad económica pero nunca se ha visto un caso en que un gobierno por decreto pueda sacar la economía adelante.

    Sería muy interesante que hicieras un análisis similar entre los gobiernos presentes de España y de Brasil. El partido popular de España que por los ocho años anteriores a su presente gobierno estuvo en la oposición, nunca levantó un dedo para apoyar alguna medida del gobierno de Zapatero, ya fuera en el campo de educación, salud, medio ambiente o cualquier otro tema de interés ciudadano. Hicieron una encarnizada oposición y vieron con gran beneplácito cualquier problema que España tuviera pues ese era un motivo más para tildar al gobierno de incompetente. Pues bien, hoy tienen ellos el gobierno en sus manos, con mayoría absoluta en el congreso y en menos de un año han convertido a España en un país tercermundista que únicamente se menciona como ejemplo de desgobierno. La corrupción ha llegado a niveles inimaginables; en el partido de gobierno, en los gobiernos autonómicos, en las municipalidades, en la banca y hasta en la industria privada. Tu perspectiva en este caso sería bienvenida.

    Carlos Garcia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gracias, Carlitos, por tu comentario. Tus apreciaciones son muy válidas. Claro que en mi análisis me refería al Hollande anterior a su ascensión a la Presidencia de la República. Pero son válidos tus comentarios acerca del PC francés. Y muy interesante tu sugerencia de la comparación entre los casos español y brasileño actuales: a pesar de estar situados en posiciones diametralmente opuestas desde el ángulo ideológico, tanto el govierno de España como el del Brasil adolecen de los mismos errores: corrupción generalizada y erráticas políticas económicas. Pero voy a escribir en detalle sobre esto. Abrazo grande.

      Excluir