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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O VELHO SAMBA DO PATRIMONIALISMO



A confusão entre público e privado e a gestão do Estado como bem de família são duas características marcantes do Patrimonialismo no Brasil. Nesse contexto, o dinheiro público é enxergado como butim que, tendo sido apropriado pelos donos do poder, é generosamente distribuído pelos governantes entre amigos e apaniguados.  O dito “povão”  é cooptado pelo governo mediante as benesses que, sem outra contrapartida que a fidelidade aos que mandam, são regularmente distribuídas: bolsa escola, bolsa família, bolsa presidiário, bolsa adolescente (“Brasil carinhoso”, assim é denominada essa nova generosidade do populismo tupiniquim), etc. O governo também contempla os empresários que se chegaram à sua sombra, com os créditos amigos do BNDES. A política oficial sustenta, de outro lado, sob a forma de subsídios, os créditos concedidos aos consumidores de alguns bens de consumo durável que tiveram impostos reduzidos (na venda de carros e eletrodomésticos). Subsídios mantêm artificialmente baixos os preços dos combustíveis. Todas essas bondades, é claro, têm um custo: aumento descontrolado do gasto público que já ameaça, de forma perigosa, a saúde financeira do Estado.



A opinião pública está literalmente dividida entre os que aprovam, entusiasticamente, a política econômica em andamento e os que a criticam. Dividida desigualmente, a bem da verdade, com mais gente apoiando a gastança governamental à torta e à direita. Para a parcela dos que aprovam a má condução da economia que se traduz, inclusive, nos episódios de corrupção que desovaram, no ciclo lulopetista aproximadamente 800 bilhões de Reais, tudo está bem. A utilização do dinheiro público para satisfação própria e em benefício de amigos, é bem vista.



Conhecido escritor imaginava recentemente, na sua coluna dominical, comentando o affaire Rosemary, animada conversa entre baianos freqüentadores do Mercado Municipal da Ilha de Itaparica, a respeito do affaire Rosemary, a amante que acompanhava Lula nas suas viagens internacionais, como parte da comitiva oficial: “- Uma amante só? – Interrompeu Alma Roxa, que até então estivera concentrado num mocotó. – Deixe de ser besta, uma só não é nem pra vereador! Você acha que um homem desses vira presidente e não vai papar as mulheres, isso não existe! Triste seria, se ele não aproveitasse, era caso de desconfiar! Ele está no papel dele! O sujeito se elege e vai deixar passar essa oportunidade? Só doido, ali é de artista de cinema pra cima, dá para ele fazer um grande catado no mulherio. Queria eu estar no lugar dele, você ia ver, não ia sobrar uma, era elas chegando, era eu traçando. Não, mentira sua, deve ser outra coisa, rapariga não. – Rapariga, rapariga. – Rapariga sustentada mesmo? – Aí é que está o problema – interveio finalmente Ary, que estivera se coçando o tempo todo para falar. – É porque ela é sustentada por um salário de funcionária pública, não sai nada do bolso dele. – Mas taí, taí, era pra sair? Eu pergunto novamente: o sujeito sobe na política, chega até ser presidente da República duas vezes e não pode conseguir uma simples colocação para o pessoal dele? O indivíduo vai trabalhar pra quê, se não for pra procurar suas melhoras e dos seus? Por que é que ele vai gastar o dinheiro dele sem necessidade? É cada uma! – Mas não está certo, ele devia sustentar, é o correto. Todos os jornalistas que eu  li concordam, ele... – É a voz dos invejosos e maledicentes, isso tudo é olho grande e despeito, esses jornalistas são todos uns pés-rapados sem ter onde cair morto e, quando pensam que o homem, além de estar por cima da carne-seca e com puxa-saco por todo lado, ainda pega aquelas mulheres do Sul do país, aí eles se lascam de inveja e ficam procurando difamar. Agora fazem essas caras de santos de pau oco e cometem essa injustiça com o rapaz. O dia já estava alto, aí pelas nove horas, quando Alma Roxa encerrou seus comentários. Mas, anunciou ele, agora ia recolher umas assinaturas para o telegrama de solidariedade que resolvera enviar ao ex-presidente: Cidadãos conscientes da Ilha de Itaparica prestam integral solidariedade Vossência caso rapariga pt Conte conosco. E eu vou oferecer a ele umas instalações aqui – concluiu Alma Roxa. – De repente ele aceita, o mulherio vem todo atrás dele e a gente pega as rebarbas. Eu posso não ser ele, mas sempre fui um homem de visão”. [João Ubaldo Ribeiro, “A base aliada na Ilha”,  O Globo, Rio de Janeiro, 09-12-2012, 1º caderno, p. 21].



O texto de João Ubaldo Ribeiro que acaba de ser citado reflete muito bem o espírito do patrimonialismo. Pela boca do personagem Alma Roxa fala a alma patrimonialista da Nação brasileira. Aqueles que mandam tudo podem, quando se trata de distribuir as benesses do Estado entre amigos e apaniguados. As amantes dos donos do poder devem ser pagas com dinheiro público. Para isso é que existe o Tesouro da Nação. Nada de remorso nessas práticas. Que essa escala de valores não fica apenas no terreno da ficção, provou-o claramente o antropólogo Alberto Carlos de Almeida, na sua obra intitulada: A cabeça do brasileiro. Para o cidadão comum deste país, dinheiro público é para beneficiar quem está no comando do Estado e todos aqueles que se chegam a ele. Nada de errado em o presidente de plantão pagar, com recursos públicos, viagens de amantes e concubinas. Criticar essas práticas é inveja dos que não chegaram aos altos escalões do poder. A melhor atitude a ser tida é aprovar tudo aquilo e, se houver a oportunidade, se beneficiar dessas práticas, comendo as migalhas que caem, porventura, da mesa dos poderosos. Essa é a essência da fala do personagem Alma Roxa. Essa é a convicção que, infelizmente, ainda grassa na consciência de muitas pessoas, que se dispõem a eleger ou a reeleger Lula ou os postes que ele colocar no caminho do eleitorado. Esta mentalidade é o verdadeiro empecilho para o Brasil virar uma grande potência, neste mundo de novos poderes emergentes.

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