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terça-feira, 30 de agosto de 2011

CONSUMO DE TÓXICOS NO BRASIL - O GRANDE DRAMA

Lula se solidariza com o cocalero Evo Morales, Presidente da Bolívia - O Brasil colhe o que planta.

Tratar do narcotráfico no Brasil é desagradável. A nossa sociedade tradicionalmente assumiu a atitude ambígua das famílias de classe média com filhos narcodependentes: tenta negar o problema, ou minimizá-lo. Até ontem, era comum enxergar a nódoa nos outros: os colombianos eram os produtores das drogas da morte. E os americanos e europeus eram os consumidores. Mas a situação é de tal forma grave e evidente hoje em dia, que não há como tapar o sol com a peneira. Temos, no Brasil, hoje, 890 mil usuários de cocaína. São poucas as pessoas, nas nossas cidades, que não tenham tido, nas suas famílias, alguém vítima da violência causada pelo narcotráfico (acidentes de trânsito, extorsão, seqüestros, insegurança nas escolas e nas ruas, assaltos, tiroteios a esmo entre policiais e traficantes com as corriqueiras vítimas civis de “balas perdidas”, assassinatos por motivo fútil, etc.). A violência decorrente do narcotráfico bateu às nossas portas e temos de pensar em soluções para o problema. Não adianta mais repassar o problema para os outros.
Em face dessa problemática, desenvolverei quatro itens: I – A situação do Rio, precursora, nos anos 80 e 90, da crise brasileira atual. II – Decisão estratégica dos Narcotraficantes: tornar o Brasil produtor, consumidor e exportador de cocaína. III – Quadro nacional de violência decorrente da produção, consumo e comercialização de entorpecentes. IV – O que fazer diante do consumo massivo de entorpecentes?
I – A situação do Rio, precursora, nos anos 80 e 90, da crise brasileira atual.
O Rio de Janeiro dos anos 80 e 90 antecipou-se ao país na situação de violência e criminalidade decorrente do narcotráfico. Roberto Campos assim tipificou, em 1996, a crise da cidade, sugada pelo turbilhão de decadência econômica, violência, desemprego, medo e perda de esperança produzidos pelo narcotráfico: “A Guanabara sofre de um círculo vicioso e da síndrome do medo. É uma trágica causação circular. O desemprego provoca a marginalidade; a marginalidade gera a violência; a violência afasta investidores e agrava o desemprego; e o desemprego fomenta a marginalidade. Os investidores nacionais vivem sob a ameaça do seqüestro ou têm de pagar tributo a traficantes e pseudo-sindicalistas para diminuição de roubos. Ao tempo de Brizola, as multinacionais, além disso, dificilmente dariam prioridade a um Estado cujo governador as considerava espoliadoras e causadoras de perdas internacionais, atitude há muito abandonada pela China, Cuba e Vietnã. Na paisagem medieval, os morros eram ocupados por templos, mosteiros e castelos. Os morros do Rio se tornaram fortalezas do crime, onde pequenos comerciantes têm de pagar pedágio para continuarem no negócio, e uma população pobre e honesta tem de se submeter às ordenanças dos criminosos que controlam o direito de ir e vir. O esvaziamento desta nova Bósnia é duplo. Fogem os turistas e fogem os investidores. Em 1984, o Rio recebeu 623 mil turistas; 5 anos depois, apenas 471 mil, numa época de crescimento explosivo do turismo mundial. Perdera sua condição de capital política para Brasília, perdeu a gala de capital financeira para São Paulo, a de cartão postal turístico para o Nordeste e a de grande porto comercial para Vitória, onde os custos portuários são mais baixos. A Belacap é uma órfã a ser resgatada, e não uma pérola a ser invejada” [Roberto Campos “O Rio sob o signo do atraso e da violência”, Carta Mensal, Rio de Janeiro, no. 491, fevereiro de 1996].
Quadro bem definido da queda vertiginosa da qualidade de vida no Rio foi traçado, em 2003, por um leitor de importante jornal carioca, nos seguintes termos: “O Rio é hoje uma cidade medieval. Como nas urbes européias do século XIII, vende-se de tudo em suas vias: alimentos, animais, ungüentos e poções milagrosas. Há videntes, ciganos e curandeiros. Artesãos e um sem-número de faz-tudo à disposição. A população alivia-se em qualquer lugar e vias e calçamento precário fedem a urina e fezes. Há carcaças sendo comidas por abutres e o esgoto, em muitos bairros, corre em valas abertas, onde brincam crianças. Arruaceiros brigam pelas ruas ao mesmo tempo em que prostitutas oferecem seus corpos em locais onde passam famílias. Nas estradas, salteadores impiedosos roubam o povo, matando os que se lhes opõem; veículos de passageiros e de cargas são saqueados e queimados. Palácios são fortificados e cercados de exércitos particulares. O quadro se completa com a atuação do Estado: olha, ignora e cumpre seu papel primordial de cobrador de impostos, sem qualquer obrigação de contrapartida. Teremos andado 700 anos para trás?” [Luís Soledade Santos, “Rio medieval”, in: O Globo, 02/06/2003, pg. 6].
Vamos convir que os dois quadros atrás desenhados, pelo embaixador Roberto Campos e pelo leitor de O Globo, não perderam atualidade, embora se tenham passado mais de dez anos. É verdade que houve, no Rio, duas mudanças dignas de registro: de um lado, a entrada dos dólares provenientes da exploração petrolífera na bacia de Campos, ao longo da última década; de outro lado, o atual governo estadual decidiu dar combate aberto aos traficantes, nos morros onde eles se tornaram fortes. Mudou significativamente a situação de violência e insegurança para os cidadãos? Certamente não. Por dois motivos: em primeiro lugar, as divisas do petróleo não conseguiram ser canalizadas, de forma consistente, para investimentos de longo curso, que melhorassem as condições de vida da grande faixa da população situada nos subúrbios: mencionemos apenas dois itens abandonados: transporte ferroviário e saúde pública.
De outro lado, o Estado do Rio não conseguiu desenhar e pôr em execução uma clara política de segurança pública, aliada a investimentos em serviços sociais (como foi feito em cidades colombianas), nas áreas carentes. O sucesso obtido no Morro Dona Marta soa mais como exceção, no contexto confuso e violento das mil e tantas favelas que cercam a cidade. Nas outras áreas faveladas, a polícia encena o entra-e-sai que só fortalece o poder dos bandidos. O governador Cabral, que se inspirou no exemplo de Medellín (até tinha-se cogitado em construir, no Complexo do Alemão, um “metrocable” ou bondinho parecido ao que atende às favelas da cidade colombiana), deixou pela metade a obra iniciada. Daí por que a violência não diminui, ao passo que em Medellín e Bogotá literalmente ela despencou.
II – Decisão estratégica dos Narcotraficantes: tornar o Brasil produtor, consumidor e exportador de cocaína.
Foi uma cruel coincidência o Rio ter mergulhado no caos de violência e decadência que acaba de ser ilustrado? Aparentemente, sim. Mas, examinadas as coisas mais de perto, não. Além do fator desagregador e irresponsável representado pelo “socialismo moreno” de Brizola, houve uma deliberação clara do crime organizado, no sentido de incluir o Brasil no organograma de produção/consumo/exportação de tóxicos. Não esqueçamos que o narcotráfico constitui uma das maiores multinacionais do planeta, que rivaliza com as companhias petroleiras e com os vendedores de armas.
Os narcotraficantes ostentavam, na década passada, lucros anuais de aproximadamente 500 bilhões de dólares. Esses ganhos hoje são calculados em 320 bilhões. Ora, seria ingênuo pensar que os produtores de narcóticos tivessem a mentalidade do quitandeiro da esquina. Muito pelo contrário, planejavam friamente os seus negócios. O jornalista Amauri Mello [“Crime a futuro”, O Globo, 13/06/2003] lembrava que, em 1989, a máfia italiana estava interessada em incrementar os negócios do narcotráfico no Brasil, diante do combate que estavam sofrendo, da parte dos Estados Unidos e dos governos locais, os cartéis andinos da coca. Segundo Amauri, que trabalhou na Europa, policiais italianos tiveram uma série de conversas nesse ano com jornalistas latino-americanos (entre os que ele se encontrava), acerca das últimas pesquisas dos órgãos de segurança da Itália, em relação aos negócios do narcotráfico.
A propósito dessas conversas, frisava o mencionado jornalista: “Mal engatinhávamos no consumo de drogas mais glamourosas como a cocaína. O brasileiro era bom de marijuana, diziam os oficiais da Guarda Finanziaria, entidade policial italiana que trata desde crimes tributários até lavagem de dinheiro e associação mafiosa. Mas, afirmavam, em pouco tempo o Brasil seria o maior fornecedor de cocaína do mundo. Os argumentos, observados agora à luz do tempo, pareciam fantasiosos. Vamos percorrê-los: 1) o Brasil possui imensas e livres fronteiras; 2) a pobreza no interior das áreas da Amazônia e do Centro-Oeste é permanente; 3) a população, sempre crescente, reúne uma classe média de muitos milhões de pessoas, clientes potenciais da droga, então tida como chique; 4) as legislações que tratam de imigração, estabelecimento de estrangeiros e assemelhados são quase um convite; 5) fronteiras com o mar de mais de oito mil quilômetros; o litoral de Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina repleto de ilhas e ilhotas com grandes fluxos de turismo argentino (na época, claro); 6) miscigenação total; encontra-se brasileiro com nome de árabe, chinês, japonês, turco, boliviano, etc.; 7) consumismo e lazer marcam o comportamento de ricos e pobres, facilitando festas e estas drogas...”.
Em face desse diagnóstico, os mafiosos italianos delinearam uma política de penetração no Brasil, a fim de tender com o nosso país uma cabeça de ponte para o narcotráfico internacional. Eis, segundo o testemunho de Amauri Mello, as linhas mestras dessa política: “A colagem de informes apontava para as seguintes ações, num plano de considerar implantada a transferência do tráfico de coca do eixo espanhol latino para o lado brasileiro em, no máximo, acreditavam, dez anos. Vejam só: 1) Estimular associação com negócios em áreas de massa populacional carente; 2) recomendar atividades que gerassem grandes volumes de notas, como, por exemplo, vender material de construção nas tais áreas. Ou participar de transporte coletivo. Além da facilidade de justificar movimento de dinheiro, também estabeleceria uma simpática relação com a vizinhança... 3) participar do Poder Legislativo de fora para dentro, vereança em pequenas cidades isoladas nas regiões de fronteira e avançar com representação federal, dando preferência às regiões com corredores para a pasta de coca; 4) Estimular o jogo (naquele período discutia-se muito a reabertura de cassinos no Brasil); 5) criar chefes brasileiros.”
III – Quadro nacional de violência decorrente da produção, consumo e comercialização de entorpecentes.
Os noticiários policiais revelam que os principais pontos dessa política da morte foram cumpridos à risca. Resultado: o Brasil é, hoje, importante consumidor de narcóticos, além de se ter convertido em centro de refino de cocaína e de exportação de entorpecentes para Estados Unidos e Europa. A eleição do chefe cocalero Evo Morales, na Bolívia, garantiu a tranqüila exportação de pasta de coca boliviana para o Brasil, notadamente para o Estado de São Paulo. Estatísticas policiais reveladas pela mídia informam que, no ano de 2008, foram apreendidos, no aeroporto de Guarulhos, 200 quilogramas de coca [SBT, “Consumo de drogas no Brasil”, noticiário nacional de 9 de julho de 2009]. Aplicando cálculo utilizado pela DEA, no sentido de que são apreendidos 10% das drogas que circulam, num contexto bem policiado, teríamos que pelo aeroporto mencionado saíram, num ano, 2 toneladas de cocaína para os mercados estrangeiros.
Dados preocupantes são revelados, outrossim, pelas polícias de outros Estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Ceará, Pernambuco, Bahia, Pará, etc., em relação às apreensões de drogas destinadas a outros países. Diante da repressão deflagrada no centro-sul do país, o corredor de exportação tem-se estabelecido, ao longo do último ano, nas cidades litorâneas do Nordeste, notadamente em Salvador, Recife, Belém, Fortaleza e Natal. Daí o incrível aumento da criminalidade nessas cidades, no período apontado. O Brasil se converteu, como previam os mafiosos, em importante corredor de exportação de drogas para o mundo.
Pior: o nosso país virou representativo consumidor. O Brasil está trilhando caminho inverso ao percorrido pelo restante do mundo no consumo de cocaína. Conforme informava recentemente o Relatório Mundial sobre Drogas - 2009, da Organização das Nações Unidas, enquanto Europa e EUA reduziram o consumo nos últimos anos, o Brasil é um dos cinco países da América do Sul que registraram um aumento no número de usuários de drogas, sendo que 890 mil brasileiros consomem cocaína (0,7% da população em 2007), quando seis anos antes o índice era de 0,4%. De forma semelhante, Argentina, Uruguai, Venezuela e Equador (na América do Sul), além da Guatemala, Honduras, Jamaica e Haiti (na América Central e no Caribe), também aumentaram os índices de consumo de entorpecentes [Cf. César Maia, Exblog, 25/06/2009].[1]
Nestes últimos vinte anos, as previsões da polícia italiana se realizaram quase por completo. Somente agora, com o narcotráfico tendo assumido dimensões catastróficas, começamos a perceber o tamanho do problema. No entanto, podemos dizer que diante da falta de providências das autoridades e da sociedade civil em face da gravíssima situação de violência no Brasil e no Rio de Janeiro, em particular, tudo indica que a História não é mestra da vida. Simplesmente não aprendemos com os erros alheios, (no caso da segurança pública, com as falhas que cometeram as autoridades colombianas ao longo dos últimos vinte anos, que desaguaram na situação de confronto civil em que mergulhou o vizinho país).
Tudo se passou na Colômbia como está acontecendo no Rio de Janeiro. Corrupção policial e do Judiciário, que termina beneficiando os bandidos. Glamourização do consumo de cocaína pelas elites. Legislação frouxa, que põe na rua, livres de qualquer punição, criminosos condenados que possuem meios financeiros para pagar advogados que impetram recursos sem fim. Corrupção no Executivo estadual, que fez – no populista ciclo dos governadores Garotinho - vista grossa em face de notórias vinculações de um Secretário de Estado com o narcotráfico. Corrupção e fraqueza do Legislativo estadual, que não consegue veicular as legítimas reclamações da cidadania, vítima direta do confronto entre policiais e meliantes. Apologia da criminalidade em raps que apresentam o bandido como herói. Assassinatos sistemáticos de policiais e de jornalistas comprometidos com denunciar as atividades do crime organizado. Ameaças às autoridades toda vez que mostram determinação no combate ao narcotráfico. Enfim, miopia da própria sociedade civil, que não consegue ver claramente o nexo entre consumo corriqueiro de narcóticos por parte dos seus filhos e a onda de violência e terrorismo desatada pelos mercadores da morte. Padecemos, no Brasil, da doença da hipermetropia cívica, que nos permite ver com clareza os erros que se passam longe, no cenário mundial, mas que nos impede, ao mesmo tempo, de observar o que acontece perto de nós.
Os números não mentem. O jornalista Mauro Chaves lembrava recentemente os seguintes dados comparativos: a taxa anual de homicídios intencionais no Brasil é de 25,7 mortes por cada 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos é de 5,8; na Argentina é de 5,2; na Palestina é de 4; na Índia é de 3,4; na China é de 2,3; na Inglaterra é de 2; no Chile é de 1,9; em Israel é de 1,8; na França é de 1,5; na Itália é de 1,2; na Espanha é de 1,1; na Alemanha é de 0,98; no Japão é de 0,64. A propósito, frisava o mencionado jornalista: “Esses dados nos colocam na posição assombrosa de sociedade mega-assassina do mundo contemporâneo, sem que isso cause calafrios em nossos governantes, autoridades e políticos em geral, tanto que eles nunca tratam do desagradável assunto, também por sua baixa repercussão eleitoral. É como se fizesse parte das características brasileiras o valor barato da vida, o caráter descartável dos seres humanos que habitam o território nacional” [Mauro Chaves, “Valores destroçados”, O Estado de S. Paulo, 4 de julho de 2009, p. 2].
O jornalista americano Jon Lee Anderson, que veio ao Brasil recentemente para escrever matéria sobre consumo de drogas no Rio para a prestigiosa revista The New Yorker, em entrevista concedida na Festa Literária de Paraty, no início de Julho, afirmou o seguinte: “Eu fui a favelas em que não aparecia polícia desde 2003. Há mil favelas no Rio. Eu acho que a situação do tráfico não é vista como uma calamidade nacional. E, no meu ponto de vista, é o que o Rio é: uma calamidade nacional. Há gangues fora de controle em muitos territórios. O que as diferencia das guerrilhas do passado é que antes havia ideal político. Há uma estranha acomodação e conveniência entre a criminalização da sociedade e o asfalto. Isso é uma perversão da normalidade. Depois de um tempo, você se adapta e se acostuma com essa deformação. (...) Há uma perversão patológica que permite que a criminalização da sociedade continue. Isso é perturbador. No Rio, o comportamento criminoso visa sobretudo a ganhar dinheiro. É inteiramente materialista. É uma humilhação imensa para a existência humana. Eles não lutam ou arriscam as suas vidas para mudar a sociedade. Eles arriscam as suas vidas para vestir um Empório Armani. E me assusta ver que o resto da sociedade, que também gosta de vestir um Empório Armani, está feliz em deixá-los fazer isso. É claro que a sociedade vai dizer que não está feliz, mas sua inércia diz o contrário. (...) O Estado se mostra disforme e corrupto quando aceita fazer contato com eles. A polícia se torna assassina ou vira milícia, o que também é um tipo de máfia. E os juízes, o que fazem? Por que os assassinos de Tim Lopes estão nas ruas? Os jornalistas hoje têm medo de entrar nas favelas porque eles são torturados e mortos (...). O Estado não está funcionando, e os criminosos sabem disso. Os criminosos estão se tornando mais fortes, perderam todo o respeito pelas leis e pela sociedade” [Jon Lee Anderson, “Calamidade nacional”. Entrevista concedida a André Miranda, O Globo, 8 de julho de 2009, Segundo Caderno, p. 1 e 4].  

IV – O que fazer diante do consumo massivo de entorpecentes?
Várias providências saltam à vista, se quisermos fazer frente à maré montante do narcotráfico: em primeiro lugar, é necessário pressionar, nos foros internacionais, os principais países consumidores de narcóticos, para que se engajem eficazmente na diminuição do consumo de entorpecentes. O atual governo americano parece ter aberto os olhos para essa realidade. Em visita à Colômbia, realizada em março deste ano, a Secretária de Estado Hillary Clinton declarou: “A nossa insaciável demanda por drogas ilegais impulsiona o narcotráfico. A nossa incapacidade para evitar o contrabando de armas causa a morte de policiais, soldados e civis. Sinto fortemente que temos co-responsabilidade” [“Insaciable consumo” – Editorial. El Colombiano, Medellín, 30/03/2009].
Em segundo lugar, é primordial restabelecer o primado do Estado no comando da sociedade. Duas providências são primordiais, nestas circunstâncias de esgarçamento do tecido social, como observamos no Rio e em outras cidades brasileiras: a - restabelecer a credibilidade da Justiça, mediante uma legislação mais dura para com os criminosos (é inaceitável que assassinos condenados sejam soltos em pouco tempo, graças a uma legislação frouxa que contempla prazos inacreditavelmente curtos para “progressão das penas”); b - reformulação da representação política dos nossos representantes no Congresso e nas Assembléias Legislativas estaduais; hoje a população não se sente representada, não porque a representação deva ser substituída pela denominada “democracia participativa direta”, mas porque os mecanismos de escolha dos candidatos são viciados e a sociedade não possui instrumentos para cobrar, dos seus representados, responsabilidade em face da sua missão. As reformas política e eleitoral são inadiáveis. Somente assim poderemos ter uma legislação penal acorde com as exigências da nossa sociedade.
Em terceiro lugar, deve haver, no seio da sociedade, um debate amplo acerca da necessidade de limitar o consumo de drogas. A questão da liberação das mesmas tem-se mostrado uma solução pouco conveniente. Nos países onde houve uma política nesse sentido, como na Holanda, os efeitos perversos do tráfico fizeram-se sentir com toda a sua crueza. Milhares de viciados em drogas invadiram o país europeu depois que a legislação baixou a guarda, tendo obrigado as autoridades a revisar as políticas de tolerância extremada. Algo semelhante tinha acontecido na Suíça, onde houve a liberação de áreas restritas para o consumo livre de drogas (como aconteceu em Zurique). A criminalidade acelerou-se de forma descontrolada e passou a ser transferida para outros segmentos da sociedade. Algo semelhante aconteceu na Espanha, com as políticas liberais dos anos 80. Não se trata de criminalizar sumariamente os usuários. Mas eles devem ser enquadrados nas suas responsabilidades como dependentes químicos, ajudando-os a superar a dependência. Políticas sociais devem ser formuladas, para garantir tratamento de desintoxicação aos narco-dependentes e para ajudar as suas famílias na incorporação deles à sociedade.
Em quarto lugar, devem ser formuladas políticas realistas de segurança pública, centradas na idéia de preservar os direitos básicos dos cidadãos à vida, à liberdade e às posses. Ora, esses direitos hoje se encontram seriamente ameaçados em decorrência da inoperância do Estado em face das mazelas do narcotráfico, nas nossas cidades. É evidente que essas políticas não devem ser apenas repressivas (o que não significa desarmar as polícias, que devem fazer frente à ameaça narcoterrorista). Mas estas políticas de combate frontal ao narcotráfico devem ser complementadas com políticas sociais que ajudem as comunidades a se protegerem da cultura da violência. É importante conhecer a fundo o exemplo de cidades como Bogotá e Medellín, que encontraram, na massiva modernização da educação e da cultura, instrumentos de alta eficiência para desenvolver o ambiente da paz. Os jovens têm sido os principais beneficiários dessas políticas, pois foram criados, nos lugares mais problemáticos, espaços de educação, cultura, lazer e integração, que terminaram produzindo um ambiente propício à reconstrução da paz.
Em quinto lugar, devem ser reformuladas as políticas sociais de âmbito nacional como o programa “bolsa família”. Na forma em que está sendo desenvolvido pelo atual governo, ficou claro que não redime as populações mais carentes, somente lhes dando um auxílio temporal que as torna caudatárias do favor oficial. O ideal seria adaptar esses programas, de uma forma que eficazmente tire os carentes da sua situação de penúria, integrando-os ao processo produtivo nacional. Temos hoje um exemplo importante de políticas sensatas nesse terreno, na forma em que o governo colombiano colocou em funcionamento o programa “bolsa escola” (inspirado no exemplo brasileiro), mas aperfeiçoado de forma a colocar as famílias carentes no caminho da educação básica dos filhos, da capacitação para o mercado de trabalho dos chefes de família e da integração dessas famílias ao resto da sociedade mediante o respeito à lei e a observância das suas responsabilidades como cidadãos.
Em sexto lugar, incorporar o item redução do consumo de drogas aos já existentes, para avaliar o desempenho dos governos municipais nas cidades brasileiras onde foi introduzido o Movimento “Como Vamos”, realizado inicialmente em Bogotá e Medellín. As cidades do nosso país que hoje participam desse Movimento (denominado, a partir de 2008, de Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis) são as seguintes: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Holambra (SP), Ilha Bela (SP), Ilhéus (BA), Januária (MG), Maringá (PR), Niterói (RJ), Peruíbe (SP), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA), Ribeirão Bonito (SP), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), São Luís (MA), São Paulo (SP) Teresópolis (RJ), e Vitória (ES).
Uma quantificação sistemática da violência, indicando as áreas geográficas em que mais ocorrem os atentados à vida, à dignidade e à propriedade dos cidadãos, certamente ajudaria cada um desses municípios a traçar um quadro sobre o qual pudessem ser formuladas políticas rápidas de resposta à violência urbana. É o que, de quinze anos para cá, vem sendo feito em Bogotá e Medellín, com os resultados alvissareiros de queda acentuada dos níveis de violência. Não duvido de que do amadurecimento da Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis, novos municípios passarão a se integrar a esse Movimento e se abrirá uma perspectiva de redenção da violência ensejada pelo narcotráfico nas nossas cidades.


[1] A propósito da grave situação de aumento do consumo de drogas no Brasil, o jornal O Estado de S. Paulo destacou o seguinte no seu Editorial de 26 de Junho de 2009: “Foi em tom de comemoração que o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc) divulgou, na quarta-feira, o Relatório Mundial sobre Drogas 2009, no qual celebra os cem anos de campanhas contra elas, tidos como um dos resultados mais positivos da cooperação internacional. E realmente, o mundo tem motivos para comemorar, porquanto, segundo o relatório, ‘o mercado global de cocaína, de US$ 50 bilhões, sofreu abalos sísmicos’, tendo a produção caído em 15% - a maior queda em cinco anos. Mas, no Brasil, não há motivo para se comemorar coisa alguma, pois, ao contrário do que ocorre no mundo, o consumo de cocaína quase dobrou em três anos - com o número de brasileiros hoje viciados nessa droga chegando à casa dos 890 mil. E o mais grave é que aqui houve um aumento substancial do consumo de crack, derivado mais barato e mais maléfico da cocaína, cujos volumes de apreensão triplicaram, indo de 145 mil para 578 mil quilos. Como diz Bo Mathiasen, representante da Unodc em nosso país, ‘o crack vicia muito, agravando, rapidamente, o problema da dependência química’ ".

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