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terça-feira, 31 de maio de 2011

O CRÔNICO VÔO DE GALINHA


Acostumamo-nos com a idéia de que somos o país do futuro. E, na corrida petista rumo ao pleno patrimonialismo, embalados pelo segundo mensalão (o da Dilma, presidido pelo Palocciduto), andamos a passos largos para instaurar, definitivamente, na nossa economia, o que os especialistas chamam de “reprimarização”, que consiste numa volta ao passado de exportar matérias primas, deixando para os mais desenvolvidos a competitividade com produtos industrializados.

Como lembra Jorge Castro, na sua coluna publicada no jornal argentino Clarín (“Brasil puede pagar cara su dependencia de la demanda china”, 28-05-11), a “reprimarização” significaria um retrocesso histórico brutal para o Brasil, pois “implicaria em voltar atrás no processo de acumulação lançado por Getúlio Vargas, consolidado por Juscelino Kubitschek e pelo regime militar”. Em 2010, segundo o analista citado, as nossas exportações para a China chegaram a 30,79 bilhões de dólares, trinta vezes mais do que uma década atrás; nesse mesmo período, porém, as importações cresceram vinte vezes, chegando a pouco mais de 25 bilhões. Sabe-se, por outro lado, que a China comprará aproximadamente 40% da produção do pré-sal nos próximos 5 a 10 anos, acelerando, portanto, a nossa dependência da exportação de commodities.

Ocorreu, ´também, uma queda extraordinária das exportações industriais brasileiras. Elas correspondiam a 58% do total em 2000 e caíram para 38% em 2011. O déficit da balança industrial alcançou 37 bilhões de dólares em 2010. Ao mesmo tempo, as exportações primárias (minério de ferro / soja), que eram 22% em 2000, aumentaram para 46% em 2010; e, se somarmos celulose e pasta de papel, ultrapassam os 60% durante esse período. Elas praticamente dobraram em 10 anos. Este processo, segundo Jorge Castro, coincide com uma extraordinária valorização de 119% do real, entre 2004 e 2011. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 45% das empresas industriais que concorrem com produtos chineses perderam participação no mercado nacional entre 2006 e 2010; a mesma coisa aconteceu com 67% das empresas exportadoras. Os fatores responsáveis pela perda de mercado são o alto custo de produção e a baixa produtividade / competitividade, agravada pela valorização do real.

Se levarmos em consideração o preço do dinheiro, a situação também não é das melhores para o Brasil. Os custos de produção estão diretamente relacionados com o alto preço do capital, com uma taxa de juros de 12% ao ano, três vezes superior à vigente na China. A nossa produção cara tem uma outra causa: a pressão tributária que chega ao patamar de 37% do PIB, duas vezes e meia maior do que a vigente na República Popular da China. Temos, ainda, o famoso "custo Brasil", que reside na modernização insuficiente da infra-estrutura e do sistema público, bem como na baixa produtividade e altos custos de produção. O desempenho do Brasil no comércio internacional é essencialmente passivo; seu superávit depende do preço das commodities no mercado mundial e não do próprio Brasil. Enfim, para o comentarista citado, “o maior problema do Brasil não é a China, nem a valorização do real, mas a falta de uma visão estratégica de longo prazo, que defina prioridades e objetivos para um processo sistemático de reformas internas”.

Infelizmente, o panorama político não é dos melhores, para uma possível correção de rumo das nossas políticas públicas ligadas ao desenvolvimento. O que estamos a observar é um acirramento da tendência a gerir o país como se fosse, simplesmente, posse de uma casta de privilegiados burocratas e políticos, que confundem público com privado. No ciclo Lula e, agora, no governo Dilma, o Executivo gasta bom tempo em tentar justificar, perante a opinião pública, os deslizes dos seus comandados, levando unicamente em consideração as conveniências de Partido e não os interesses do país. É o fenômeno que Oliveira Vianna definia, há décadas, em Instituições Políticas Brasileiras, como uma “partidarização” da gestão pública. O complexo de clã levou, dizia o mestre fluminense, à deformação da função presidencial, ao longo da história republicana. Em lugar de ser o Presidente o Chefe da Nação, converteu-se em Presidente-soldado de Partido, deformação própria dos povos que tiveram uma “formação na política alimentar”, segundo a qual “o Estado ou a Administração é o meio de vida a serviço dos amigos”.

No momento atual, já era tempo de que o ministro Palocci desse satisfação à sociedade acerca do seu enorme enriquecimento que, ao que tudo indica, constitui mais um episódio de “caixa dois”, em benefício do Partido. A questão não é de simples birra política, como sugeriu a Presidente Dilma. Trata-se, sim, de manter firme a credibilidade das nossas instituições, mediante a preservação da imagem de um ministro importante do atual governo, não escondendo os seus erros, mas mostrando, com transparência, para onde foi o dinheirama que ele juntou nas suas empresas de consultoria. Se, como é de se prever, as coisas ficam por isso mesmo, o afetado será certamente o Brasil, a credibilidade do governo e a sua capacidade de responder aos reptos de um mundo cada vez mais complexo, nos terrenos econômico e político. 

Por outro lado, medidas urgentes como era a que se destinava a corrigir, no Congresso, a ingerência do Executivo mediante as medidas provisórias, são empurradas para baixo do tapete pelos articuladores do Planalto e os seus aliados no Legislativo. Continuaremos, assim, a ver o Congresso preso à pauta da Presidência da República, que o afoga com as medidas provisórias. Nesse contexto de tacanho compadrio, o nosso desenvolvimento continuará a ser, não sabemos por quanto tempo ainda, o intermitente “vôo de galinha”, enquanto outros países, como a China, ganham cada vez mais espaços no cenário global.





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