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domingo, 7 de março de 2010
GRAMSCISMO E LULOPETISMO EM AÇÃO
Lula "o cara" de duas caras: o líder sindical "orgânico", a serviço do proletariado internacional e o Presidente do Brasil
Lula, como diz Obama, “é o cara”. Só que “o cara” tem duas caras. A que agrada aos representantes do capital especulativo global e é festejada nos foros internacionais (como em Davos), e a cara carrancuda que não visita flagelados, que ameaça os direitos básicos dos brasileiros e se alinha com terroristas e torturadores pelo mundo afora, como os irmãos Castro e Amadinejad.
Macunaímico representante da sedução populista no poder, o presidente usa e abusa de sua popularidade para levar adiante projeto mais ousado, que deixa para trás o simples carisma dos palanques, e que envereda perigosamente pelo caminho da construção de pesada hegemonia sindical que leva de roldão tudo que encontra pela frente: valores tradicionais, ética pública, instituições republicanas, direitos inalienáveis dos cidadãos à vida, à liberdade e às posses. Tudo numa boa e com amplos índices de aprovação plebiscitária. O expresidente Fernando Henrique até chegou a falar, em artigo recente, da instauração de uma espécie nova de peronismo tropical, que poderíamos denominar de lulopetismo.
É importante caracterizar aspectos essenciais da denominada revolução cultural gramsciana, para a qual alertava, com muito bom senso, o saudoso Miguel Reale, considerando que se tratava do veneno mais perigoso para a preservação das instituições republicanas no nosso país. Separadas infra-estrutura e superestrutura, Gramsci passou a atribuir a capacidade de racionalização do processo econômico à superestrutura política. Tudo, no seio da incerteza dos fatos sociais, passaria a ser posto em ordem por força da atividade dos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, à frente do Estado. Nisto consistiria a ação ética por excelência. Os puros do sistema, identificados com a elite orgânica a serviço do proletariado, formatariam o Partido único (o Novo Príncipe) e garantiriam a racionalidade social, instaurando um regime regenerador. Por uma estranha mágica da lógica das ideologias, o superestrutural, em Gramsci, passou a se sobrepor ao infraestrutural, obscuramente ligado às forças produtivas. A racionalidade econômica seria fruto da ação regeneradora de uma elite à frente do Partido das massas operárias e camponesas. Estava constituída, assim, a politização total da vida social.
As decorrências do gramscismo na vida política brasileira acomodaram-se à mais velha tradição patrimonialista. A tendência, interior ao patrimonialismo, a privatizar o poder em função de amigos e apaniguados, produziu, na nossa cultura, a apropriação, pelos quadros da inteligentsia petista, do processo racionalizador do Estado. Tudo ficará bem se o Partido passar a dominar, sobranceiro, no universo político, mediante a diuturna prática da hegemonia dos seus quadros sobre os demais atores políticos. A crise do mensalão revelou, desde o início, como seria a estratégia de controle do poder por parte dos quadros partidários. O que fazer com a representação política e a pluralidade partidária? Cooptação nela, mediante as non-sanctas práticas de distribuição de benefícios aos que se acolherem às decisões estratégicas do Partido. É a imposição da liturgia hegemônica praticada, à maneira tradicional, só que em benefício dos dirigentes da racionalidade social, os arautos do proletariado, deixando do lado de fora todos aqueles que tradicionalmente se beneficiaram das políticas oligárquicas, despectivamente denominadas de “neoliberais” e identificadas com as demoníacas elites. Com os amigos do peito, os antigos militantes, compreensão até os limites do realismo mágico, negando, se preciso for, as evidências que falam por si próprias, as falcatruas mensaleiras e outras. A liderança simplesmente “não sabia de nada”. Como “não sabia de nada”, também, em relação a obscuros episódios que envolveram diretamente o Partido, no início da atual quadra de conquista do poder supremo em Santo André e Campinas, nos assassinatos de conhecidos dirigentes partidários que, pelo menos no caso do prefeito da primeira cidade, escapavam às novas exigências táticas do lulismo em ascensão.
Para os corruptos de outras latitudes, nenhuma tolerância e aplicação da lei com todo o seu rigor. O PT conseguiu tornar realidade o velho ditado do folclore patrimonialista: “Aos amigos, marmelada; aos inimigos, bordoada”, que, traduzido no linguajar burocrático, reza assim: “Aos amigos, os cargos; aos inimigos, a lei”. Faço referência, aqui, ao “mensalão do DEM”, (denominado assim, ad nauseam, pela PTGlobo e outras emissoras afinadas com o Planalto), embora o principal culpado já tivesse se desvinculado da mencionada agremiação partidária. Isso com a clara finalidade de enfraquecer os inimigos da hegemonia petista, aqueles Partidos (como o PSDB e o DEM), dispostos a fazer oposição dentro dos marcos da legalidade, coisa cada vez menos tolerada pelos arquitetos da estratégia hegemônica lulopetista, Marco Aurélio Garcia, Luiz Dulci e quejandos. Registro, com perplexidade, a eficientíssima ação de setores do Ministério Público e da Magistratura, no caso de denúncias que visavam a enfraquecer outros adversários pelo Brasil afora, como foi o caso da Governadora do Rio Grande do Sul. Não se viu a mesma agilidade dessas instâncias institucionais, em face das denúncias dos crimes cometidos por companheiros do governo petista, em outras regiões do país.
Apenas agora, já no apagar das luzes dos dois governos lulistas, começam a vir a público, graças à eficiente ação do Ministério Público paulista, as tramóias petistas que desviaram importantes recursos de fundos habitacionais para financiamento do Partido em 2002. Surtirão efeito essas denúncias? Será a nossa Magistratura ágil no julgamento dos responsáveis por esses crimes? Ficarão os mesmos sujeitos aos demoradíssimos trâmites que ainda não possibilitaram o julgamento, na mais importante Corte do país, dos 40 larápios do primeiro mensalão?
Voltando à arquitetura gramsciana, a verdade é que o processo de racionalização da política completar-se-á, no contexto do patrimonialismo petista, mediante a privatização das decisões pelos intelectuais orgânicos que aparecem no topo do universo ideológico contemporâneo: as lideranças sindicais e as que se situam à frente dos denominados “movimentos sociais”. “Intelectuais” orgânicos a serviço do proletariado, como Stédile e quejandos, são guindados à condição de “pensadores brasileiros” em Universidades Federais e festejados inclusive por alguns juízes. O assembleísmo sindical (com conselhos ad hoc sofregamente reunidos pelo país afora) garante a clareza das decisões, bem como a racionalidade das mesmas. Estamos vendo ressurgir o velho fantasma da República Sindical, só que agora iluminado com filosofia própria: o gramscismo acadêmico, habilmente apropriado pela inteligentsia petista e que passou a reforçar a velha tendência, existente desde os tempos de Leônidas de Rezende, nas primeiras décadas do século passado, do cientificismo marxista, tendência amplamente estudada pelo professor Antônio Paim nos seus livros clássicos: A escola cientificista brasileira (Londrina, 2002) e Marxismo e descendência (Campinas, 2009). A racionalização da cultura em prol da classe trabalhadora ocorrerá, no modelo em andamento, pelo controle de toda a produção, efetivada pelas correspondentes lideranças sindicais, no terreno específico do jornalismo (com o malfadado projeto de dominação da classe pelo correspondente sindicato), bem como no campo das produções culturais (lembremos o abortado projeto estatizante do Ministério da Cultura, que volta e meia ressurge com outras aparências).
No terreno das políticas públicas internacionais, falou mais alto a ideologia, submetendo as decisões de inserção estratégica do Brasil no mundo globalizado à malsã ideologização que privilegia aqueles que, no contexto latino-americano e mundial, aparecem como “intelectuais orgânicos” do proletariado internacional. Na crista da onda, certamente, estão o coronel Chávez e os seus gurus do peito, os velhos irmãos Castro. Crise com o gás boliviano? Os interesses estratégicos brasileiros são de pouca monta, diante do fato, mais decisivo, de que o presidente Morales é um intelectual orgânico da revolução bolivariana, alinhado indiscutivelmente com Chávez (e financiado por ele). Vale a pena passar por cima do direito internacional, intervindo abusivamente na política interna dos outros países, como aconteceu no caso de Honduras, se os interesses orgânicos do marxismo globalizado são favorecidos. O BNDs é chamado, pelo Executivo, a auxiliar a Bolívia, como se não tivéssemos já pago um enorme preço, financeiro e moral, com as malucas iniciativas estatizantes do telúrico mandatário andino, que terminou fazendo pouco do Brasil nos foros internacionais. Mais difíceis de entender, à luz do raciocínio lulista-gramsciano, são as paqueras do Itamaraty com o presidente iraniano, que colocaram o nosso país na contramão do bom senso mundial, que aconselha uma política de retaliações com o fundamentalista regime dos Aiatollás. O presidente brasileiro alegava, quando da recente visita da Secretária de Estado americana, que “é perigoso encostar o Irã contra a parede”, como se não fosse o país islâmico que estivesse acuando aos demais países com a sua maluca política nuclear. O arrazoado do governo é tão primário e debilóide, que estou para dar crédito aos analistas que acham que Lula falava à platéia interna da militância pró-Dilma.
No terreno macroeconômico, o governo petista preservou as linhas mestras traçadas por Fernando Henrique Cardoso. Isso lhe garantiu, entre outras coisas, o triunfo eleitoral em 2002. Mas são claras as vozes, no interior do Partido, bem como na base aliada, de que as coisas devem mudar, em função dos aumentos dos gastos sociais, se desfazendo o governo dos limites estabelecidos pela lei de responsabilidade fiscal. Como todo mundo sabe, o Tribunal de Contas da União já não controla mais os gastos do sistema sindical, por força de medida provisória do presidente Lula. Não seria de estranhar que, num eventual governo Dilma, o PT passasse a escutar mais as diretrizes dos denominados “movimentos sociais” que apregoam, em alto e bom som, o indiscriminado favorecimento aos mesmos, às custas da saúde da economia nacional. Tratar-se-ia de uma política econômica traçada pelos interesses dos intelectuais orgânicos do proletariado e que partiria para uma louca estatização a serviço dos “companheiros”.
Um fato recente ilustra para onde caminham as coisas do lado do governo lulista, em matéria de políticas econômicas. Os Projetos de Lei nº 5.080/09 e nº 5.082/09, bem como o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 469/09, que traçam novos parâmetros no que tange às normas e práticas tributárias, indicam os tortuosos caminhos pelos que envereda a atual administração. Sob o pretexto de "modernizar" a legislação atual, como frisa com propriedade e coragem o ex-procurador da Fazenda Nacional Cid Heráclito de Queiroz (em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo de 5 de março), esses projetos “instituem diversos instrumentos de tortura e violência, próprios de ditaduras, para pressionar e amedrontar os contribuintes, no pressuposto de que todos sejam sonegadores de tributos”. Para o ex-procurador e atual conselheiro da CNC, “o governo Lula avança perigosamente pelo caminho do constrangimento inconstitucional ao contribuinte, tratando-o como inimigo da República”.
Em cinco pontos Cid Heráclito de Queiroz concentra as suas críticas à nova investida lulopetista contra os direitos civis dos brasileiros: 1) o projeto de lei institui os "atos de constrição preparatória e provisória" a serem "praticados pela Fazenda Pública credora", antes do ajuizamento da execução fiscal, ou seja, “a penhora administrativa, assim invadindo a esfera de competência constitucional do Judiciário e propiciando, sobretudo nos municípios, a violência contra os adversários dos governantes”; 2) “determina o protesto da certidão de dívida ativa, o que é desnecessário, pois esse título já é mais privilegiado que os títulos protestados, além de representar mais um passo burocrático e mais um ônus para o contribuinte”; 3) “estabelece a responsabilidade subsidiária pela dívida em cobrança de quem, na pessoa jurídica, omitir ou retardar a prestação de informações ("dedurar") sobre o paradeiro e o patrimônio do devedor, violando, assim, as garantias constitucionais à inviolabilidade da intimidade e à livre manifestação do pensamento, que envolve o direito ao silêncio”; 4) “prevê a criação de cargos de Oficiais da Fazenda Pública, certamente milhares, com as mesmas prerrogativas atribuídas, pela lei, aos oficiais de justiça, mas sem fixar os respectivos vencimentos e sem indicar a fonte dos recursos para custeá-los, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal”; e 5) “com agressão à garantia constitucional, à inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo de dados, autoriza o Executivo a criar o Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes (SNIPC), um verdadeiro SNI fiscal, para organizar o acesso eletrônico às bases de informação patrimonial de contribuintes, contemplando informações sobre o patrimônio, os rendimentos e os endereços, entre outras”.
Trata-se, a meu ver, aqui, da criação de mais um “tribunal popular” de inspiração bolchevique, que engrossaria a lista desses mostrengos jurídicos anteriormente propostos pelo projeto de Decreto nº 7.037 (que estabelece o Programa Nacional de Direitos Humanos), nos terrenos da revisão da Lei de Anistia, bem como no de julgamento das invasões do MST et caterva.
No campo das políticas educacionais, prevalece o norte das decisões ideológicas tomadas à luz do gramscismo tupiniquim. Coerentes com os preconceitos de Gramsci em face da escola particular e da pluralidade de iniciativas nesse terreno, os novos planejadores fecham fileiras em torno à idéia do modelo único de sistema educacional, costurado ao redor das instituições públicas, desconhecendo o fato de que a maior parcela dos nossos universitários têm vaga assegurada nas Universidades privadas, que atendem, hoje, a 75 por cento da demanda. É clara a pretensão do governo para acabar simplesmente com as Universidades particulares, que passarão a ser geridas, segundo a nova proposta, por colegiados em que os proprietários têm voz minoritária, em face da representação sindical, majoritária, denominada de “comunitária”.
Concluo ressaltando o alerta dado pelo saudoso Miguel Reale, em face da denominada “Revolução Cultural Gramsciana”. Entendendo por Cultura o “acervo ou cabedal de idéias e de bens que a espécie humana logrou acumular através do tempo, sendo, não raro, identificado com o de civilização”, o mestre paulista considerava que Gramsci “apresenta a conquista dos órgãos culturais pelos comunistas como o caminho mais indicado para o alcance do poder, fundado na idéia de que quem domina a cultura domina o Estado. Surgia assim o culturalismo revolucionário erroneamente apontado como a nova diretriz da social democracia”. Para Reale, essa concepção merecia ser repudiada, o que o saudoso mestre fazia nos seguintes termos: “Nada, pois, mais pernicioso do que reduzir (a Cultura) a uma ideologia política que, optando por uma só via para condução da sociedade e do Estado, abre campo propício ao totalitarismo” (Miguel Reale, Política e Direito – Ensaios, São Paulo, 2006, p. 26-27).
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