“A Constituição (...) queria garantir ao Estado um executivo
estável, forte e eficiente, respeitando, ao mesmo tempo, os princípios da
democracia. Mas, com o correr dos anos, a instituição presidencial virou
onipotente, irresponsável e – paradoxalmente – incompetente. Querendo abarcar a
totalidade da vida pública, o poder presidencial invade todos os domínios,
paralisa a ação e não dá a mínima para a sociedade que não consegue reforma-lo,
enquanto que os poderes legislativo e judiciário perdem a sua autoridade, os
costumes políticos se corrompem e instâncias desprovidas de legitimidade
democrática ditam a sua lei. (...)”.
Palavras escritas por algum oposicionista ao governo de
Dilma? Não. Foram redigidas em 1992, pelo escritor, filósofo e jornalista
francês Jean-François Revel (1924-2006), membro da Academia Francesa de Letras,
para criticar a corrupção e o autoritarismo que grassavam no Estado francês,
que foi monopolizado pelo Executivo. Mandava, na época, na França, o presidente
socialista François Miterrand (1916-1996), que ficou 14 anos na presidência da
República, entre 1981 e 1995. Como os leitores podem observar, a semelhança com
o Brasil de hoje é bem grande. Porque, aliás, a história francesa se assemelha
muito à brasileira, no que tange à forma como se consolidou o Estado, com um
Executivo hipertrofiado.
Lá como cá, o Executivo hipertrofiado instalou no Estado a
irracionalidade e a improvisação. Lá como cá, essa pesada herança finca
profundas raízes na história. Na França, o imperialismo presidencial é herdeiro
direto do espírito absolutista de Luis XIV (1638-1715), que cunhou a famosa
frase: “L´État c´est moi” (“O Estado sou eu”), que passou para os jacobinos, no
final do século XVIII, que protagonizaram as desgraças da Revolução Francesa,
ao colocar por cima de tudo e de todos o poder total do Diretório, que terminou
sendo canalizado pelo genial Napoleão Bonaparte (1769-1821) no seu projeto de
imperialismo unipessoal, que modificou as fronteiras da Europa, entre 1804 e
1814, com um saldo trágico de 3 milhões de vítimas.
No Brasil, o “presidencialismo imperial” é filho direto do
Castilhismo, que constituiu a primeira tentativa bem sucedida de ditadura
republicana ao redor de um Executivo-legiferante. Por sua vez, o Castilhismo
inspirou-se no despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, com a sua tendência
estatizante na política, na economia (com os monopólios estatais) e na cultura
(com a nova forma de saber pseudocientífico garantido pelo Estado onipotente e
legitimador das suas aventuras). Getulismo, regime militar e, hoje,
lulopetismo, seriam frutos dessa árvore do absolutismo caboclo.
Convenhamos que com o
Getulismo e com o regime de 64 houve centralização do poder no Executivo, mas
com o cuidado de dar satisfação à sociedade por razões tecnocráticas, mantendo
um mínimo de eficiência e de decência no trato da coisa pública. No entanto,
infelizmente, com o correr das décadas, o Executivo imperial perdeu toda a
vergonha na cara e é exercido, hoje, como mandato unipessoal pela
presidenta-poste, que manda e desmanda na economia, na política e na cultura,
sem dar a mínima importância para os anseios e os reclamos da sociedade. O país
é hoje gerido como apêndice familístico do PT e dos seus obscuros interesses
sindicais, que tudo enxergam como passível de privatização em benefício da nova
oligarquia petralha, que aspira a se perpetuar no poder.
Em relação à desagregação social e à sem-vergonhice de que se
revestiu, na França, o “absolutismo ineficaz” do Presidente da República,
Jean-François Revel escreveu o seu clássico livro intitulado: L´Absolutisme
inefficace, ou contre le présidentialisme à la française (O Absolutismo ineficaz ou contra o
presidencialismo à francesa, Paris: Plon, 1992). Nessa obra, encontramos as
seguintes palavras sobre o caráter destrutivo do presidencialismo francês:
“(...) É o presidente que está a serviço do Estado, ou o Estado que está a
serviço do presidente? Aí está toda a questão da Vª República. Essa questão não
consiste, pois, em saber quais são as falhas de caráter de François Miterrand
ou de não importa qual outro presidente francês. A questão que se levanta é a
de saber que a pendente das instituições as conduz a ampliar os seus defeitos
em detrimento de suas qualidades, que acabam por desaparecer. De qualquer
ângulo que se observe, o sistema presidencial francês parece conter um vírus
fatal, pois ele conduz, sem que freio nenhum possa impedir, a este resultado:
existe na França um único poder, o do presidente e, ainda mais, um poder que se
converte muito rapidamente em instância pessoal, arbitrária e mesmo caprichosa,
sem limite, sem decência, sem a menor sanção, senão a sanção final pela
demissão graças ao sufrágio universal, cuja intervenção é infelizmente muito
rara para dissuadir o soberano de confundir, ao longo de sete anos, a sua
subjetividade com as leis da República” [p. 13].
Em tempos de campanha presidencial, em que a presidente age
mais como candidata que utiliza toda a máquina do Estado ao seu favor, com a
maior cara de pau, é bom lembrar o alerta de Revel, a fim de pensarmos o que
deveria ser feito para modificar esse estado de coisas. Isto é tanto mais
verdadeiro quanto que a petralhada no poder pretende, volta e meia, iludir a
Nação com dispositivos plebiscitários que têm como única finalidade garantir a
hegemonia do PT. Devemos pensar que a culpa por toda essa deformidade
institucional é principalmente das nossas instituições. Tocqueville, a respeito
das desgraças causadas pelo democratismo na França, considerava que esses
intentos de poder total só poderiam ser superados de forma democrática,
fazendo, primeiro, uma radical crítica dos mesmos. Já está em tempo de que a
opinião pública brasileira se mobilize em prol de conter essa tendência de um
presidencialismo imperial, que age, agora, com ares de “revolução bolivariana”.
Cadê a proposta de reforma política que poria limite a toda essa desgraça
coletiva? Com a palavra os candidatos.