|
Alguns participantes do Colóquio de Tepoztlán (da esquerda para a direita): Darío Roldán (Universidad Torcuato di Tella, Buenos Aires), Rafael Elías Rojas Gutiérrez (El Colegio de México e CIDE) e Emilio J. Pacheco (Executive Vice-President & COO do Liberty Fund). |
|
Alguns dos participantes do Colóquio de Tepoztlán: Erika Pani (El Colegio de México), José Antonio Aguilar Rivera (Diretor do Colóquio e do CIDE, México), María A. Blanco (Universidad San Pablo, Madrid) e Antonio Saborit (Instituto Nacional de Antropología e Historia, México).
Introdução - Entre 4 e 7 de Outubro de 2012 participei, em Tepoztlán
(Estado de Morelos), México, do colóquio promovido pelo Centro de Investigación
y Docencia Económicas, a convite de José Antonio Aguilar Rivera, diretor dessa
instituição e organizador do evento. O tema do colóquio não poderia ser mais
interessante: “Liberdade e Liberalismo no México”. Os papers foram constituídos pela ampla compilação realizada pelo
citado pesquisador, dos escritos de pensadores mexicanos que, desde a
Independência até a contemporaneidade, pensaram, sob uma ótica liberal, as
instituições e os acontecimentos da Nação mexicana. A mencionada compilação deu
ensejo à obra intitulada: La pluma y la espada: libertad y liberalismo
en México - 1821-2005, (Organização, apresentação e notas de José
Antonio Aguilar Rivera). México: Fondo de Cultura Económica, 1086 páginas.
|
Nos anos 80 do século
passado, realizei pesquisas sobre o papel do positivismo nas reformas
modernizadoras de Porfirio Díaz (1830-1915), a Revolução Liberal de Lázaro Cárdenas
(1895-1970) e a ascensão do Partido Revolucionário Institucional. Na década
passada, estudei a obra de Octavio Paz (1914-1998), do ângulo das suas teses
liberais e da crítica ao Estado patrimonial mexicano. As leituras feitas com
motivo do Colóquio de Tepoztlán representaram uma preciosa janela para
observar, de forma panorâmica, a rica cultura política desse grande país.
Os textos lidos para o Colóquio foram organizados em 6 itens,
da seguinte forma: I – La incipiente ausencia de la tolerancia religiosa. Texto de José Fernando Ramírez
(“De La libertad de cultos y su influencia en la moral y en la política”); II -
La libertad en la República temprana.
Texto de Mariano Otero (“Voto particular presentado al Congreso
Constituyente en la sesión del 5 de abril de 1847”); III - Liberales y conservadores. Textos de: Ignacio Ramírez (“Discurso
ante el Congreso Constituyente de 7 de Julio de 1856”); Francisco Zarco (“Ley
electoral”, “El orden constitucional”, “Las leyes y las costumbres: la
federación y la libertad de cultos”); Guillermo Prieto (“Sobre la cuestión del
Senado”, “Al debatirse el dictamen para elevar al rango de preceptos
constitucionales las leyes de reforma”, “Sobre las reformas a la ley de
instrucción pública”); Benito Juárez y otros (“Sobre el sentido de las leyes de
reforma”). IV – La libertad y el orden. Textos
de: Justo Sierra (“Polémica con don José María Vigil”), José María Vigil
(“Polémica de 1878 con Justo Sierra en El Monitor Republicano”). V – Contra la corriente. Texto de
Gustavo R. Velasco (“Un programa para un partido liberal”. VI – El renacimiento del
Liberalismo. Textos de: Jesús
Reyes Heroles (“El liberalismo mexicano”), Daniel Cosío Villegas (“Transfondo
tiránico - Julio de 1950)”, Enrique Krauze (“Solo a tres voces”) y Octavio Paz
(“La tradición liberal” – fragmento).
O colóquio realizou-se com o apoio do Liberty Fund, entidade americana que organiza, pelo mundo afora,
eventos projetados sobre a análise do pensamento político e as suas relações
com instâncias culturais e variáveis econômicas em países os mais diversos,
enfatizando o papel que a liberdade joga nesses variados contextos. No Brasil,
desde os anos noventa do século passado, tenho acompanhado de perto as
atividades apoiadas pelo Liberty Fund,
em convênio com os Institutos Liberais (do Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo
e Porto Alegre).
Do colóquio de Tepoztlán, que foi coordenado por Roberto M.
Salinas-León (México Bussines Forum) participaram os seguintes pesquisadores e
estudiosos: José Antonio Aguilar Rivera (Diretor do Colóquio y do Centro de
Investigación y Docencia Económicas, México), Leônidas Zelmanovitz (Liberty
Fund Fellow), Soledad Loaeza (El Colegio de México), María A. Blanco
(Universidad San Pablo, Madrid), Carlos Bravo Regidor (Centro de Investigación
y Docencia Económicas, CIDE, México), Roberto S. Breña (El Colegio de México),
Christopher Dominguez Michael (Crítico literário e editor da obra de Octavio
Paz), Iván Jaksic (Stanford University, sede de Santiago - Chile), Ricardo López-Göttig
(Universidad ORT, Montevidéu), Erika G. Pani (El Colegio de México), Tania
Rabasa (Petróleos Mexicanos), Rafael Elías Rojas Gutiérrez (CIDE, México),
Darío Roldán (Universidad Torcuato di Tella, Buenos Aires), Antonio Saborit
(Instituto Nacional de Antropología e Historia, México), Jesús Silva-Herzog
Márquez (ITAM - Departamento de Derecho, México), Esteban González Herrejón
(Asistente del CIDE, México) y Emilio J. Pacheco (Executive Vice-President
& COO Liberty Fund). Participei do evento em representação do Centro de
Pesquisas Estratégicas e do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos,
entidades acadêmicas que coordeno na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Liberdade e revolução: dois aspectos dialéticos que acompanham
a saga das instituições mexicanas no decorrer dos últimos duzentos anos. O novo
país, que emergiu das sombras do poder colonial na Nova Espanha, a mais rica e
evoluída das colônias hispânicas da América, percorreu, ao longo desse dilatado
período, uma agitada jornada de guerra e paz, de estabilidade e revoluções, que
terminou desaguando na ditadura do general Porfírio Díaz (1830-1915). Este
presidente, a partir do executivo hipertrofiado, realizou as reformas que modernizaram
a infraestrutura do país e terminaram por conduzir a novo ciclo reformista
ensejado pela Revolução Mexicana (1910-1928). Seguiu-se, posteriormente, a ditadura científica do Partido
Revolucionário Institucional, organizado por Lázaro Cárdenas. É sabido como
esse partido dominou o cenário político mexicano durante a quase totalidade do
século XX, com um breve interregno que se deu entre o final do século XX e o
presente, sendo que, a partir de 1º de Dezembro de 2012, o PRI voltou ao poder
na presidência da República, com o jovem advogado Enrique Peña Nieto (1966-),
eleito nesse mesmo ano.
A saga das instituições republicanas no México, desde a
Independência, foi polarizada pelo democratismo rousseauniano, presente na
Constituição espanhola de Cádiz (1812), que serviu de modelo para a primeira
carta constitucional do novo país (1824). Não que as idéias de John Locke (1632-1704)
e dos Patriarcas da Independência americana estivessem ausentes do panorama
mexicano. O liberalismo de Locke e dos autores anglo-americanos era conhecido.
Mas não de forma a inspirar, diretamente, o funcionamento das Instituições
republicanas. Apareceu mais como filosofia política que permitiu, aos
intelectuais, fazer a crítica ao viés autoritário de que se revestiu a
República desde o seu nascedouro. Muitos desses intelectuais foram, sem dúvida,
influenciados também pelos conceitos da soberania
popular, desenvolvidos na Península Ibérica pelo padre jesuíta Francisco
Suárez (1548-1617), no início do século XVII, que foi o principal inspirador
das concepções ibéricas acerca da origem do poder popular e do direito de
resistência.
Estas doutrinas estavam, certamente, na origem dos movimentos sociais
revolucionários do final do século XVIII, que varreram os países
ibero-americanos com o nome de “revoltas dos comuneros” (na América espanhola)
ou “conjuração mineira” (no caso brasileiro).
Alicerçados nessa tradição de libertarianismo telúrico e de
liberalismo clássico, os intelectuais criollos
passaram a criticar o autocratismo que despontava na nova República. Mas,
embora houvesse propostas solidamente fundamentadas na tradição do liberalismo
clássico, as condições históricas fortemente polarizadas pelas práticas
familisticas herdadas da tradição patrimonialista ibérica, bem como do
despotismo ancestral ameríndio, fizeram
com que prevalecesse o modelo de republicanismo francês, fortemente contaminado
pelo democratismo emanado da filosofia política de Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778).
Faltaram no México, certamente, o amadurecimento e a consolidação
do sistema representativo, da forma em que no Brasil, por exemplo, Silvestre
Pinheiro Ferreira (1769-1846), ministro de Dom João VI (1767-1826), pensou as
instituições que dariam formatação à nova Nação, que viu proclamada a sua
Independência de Portugal em 1822. O liberalismo clássico, bem como a tradição
libertária suareziana entraram, na realidade mexicana, mais como recurso
intelectual e retórico dos que fizeram oposição à República autoritária. Esta
centrou a sua essência, como já foi frisado, no legado do democratismo
rousseauniano, em decorrência da ampla influência que tiveram, no México, as
idéias dos revolucionários franceses. Tais conceitos foram inspiradores do
arquétipo que serviu de base à primeira Constituição republicana do México, de
1824. Na prática, ela se identificava mais com a Carta espanhola de 1812 (a
denominada de “La Pepa”, cujo cerne consistia na teoria rousseauniana da
“vontade geral” e da soberania ilimitada), do que com os freios e contrapesos
com que o poder central era controlado na Constituição americana (1787).
O México conheceu, ao longo da sua história de país
independente, dois momentos em que a monarquia foi instituída: em primeiro
lugar, com o general Agustín Itúrbide (1783-1824), coroado imperador com o nome
de Agustín I em 1822, tendo sido logo deposto e executado pelos revolucionários
em 1824; em segundo lugar, com Maximiliano I de Habsburgo (1832-1867), na
trágica série de acontecimentos manipulados pelo imperialismo de Napoleão III
da França (1808-1883), que culminaram com a execução do soberano mexicano, após
um fátuo reinado (1863-1867) que se alicerçou nos conservadores e em alguns
liberais moderados, na Igreja Católica e na proteção de forças estrangeiras
francesas, belgas e austríacas. Em ambos momentos prevaleceu, certamente, não o
modelo de monarquia parlamentar apoiado na representação, que foi instituído no
Brasil por Dom João VI e consolidado na Constituição de 1824 e no Ato Adicional
de 1841. O que tumultuou o panorama mexicano foi o espírito revolucionário
rousseauniano, que fez com que os intentos monárquicos não se coadunassem
devidamente com as idéias progressistas, de um lado, e de outro, com a sadia
manutenção das tradições, mediante a instituição do governo representativo.
Ambos os imperadores sucumbiram tragicamente em meio à maré
revolucionária que os engoliu. A tragédia deles ficou como lembrança da
expectativa dos criollos de ver
instaurada a Monarquia espanhola em terras mexicanas, quando da invasão
napoleônica à Península Ibérica. Acontece que Fernando VII (1784-1833) não era
um estadista da têmpera de Dom João VI (que realizou, mediante reformas, no
Reino de Portugal, Brasil e Algarve, a tranqüila passagem do modelo de
monarquia absoluta para a constitucional). De outro lado, o soberano espanhol não
contava com a visão estratégica que lhe fornecesse uma opção alternativa em
caso da invasão da Espanha por tropas estrangeiras. Os portugueses, aliás, calejados
desde o século XI pela urgência de subsistir em meio a vizinhos mais poderosos,
já contavam, a partir do século XVII, com um plano dessa natureza (diante da
perspectiva de possível invasão castelhana ou francesa) e, para isso, tinham
elaborado uma estratégica proposta que deslocaria a capital do Reino para as
Ilhas Açores ou para o Brasil. Como de fato aconteceu, terminou vingando esta
segunda alternativa, quando da invasão de Portugal pelas tropas de José I Bonaparte
(1768-1844). É conhecida a reação destemperada do Imperador Napoleão (1769-1821)
diante da solução lusitana, tendo-se considerado ludibriado pelo Monarca
português.
Seria difícil, numa simples resenha, dar conta da riquíssima
tradição liberal mexicana. Mais com a finalidade de ilustrar alguns momentos
especiais da mesma para os leitores de fala portuguesa, desenvolverei os
seguintes itens, a fim de apresentar alguns pensadores significativos: 1 – Os
limites da soberania, segundo José María Luis Mora (1794-1850). 2 – Absolutismo
e terror, notas características do poder espanhol no México e a sua
substituição por obras que corromperam os espíritos, segundo a análise de
Lorenzo de Zavala (1788-1836). 3 – A questão das relações entre Igreja e Estado
no pensamento de José Fernando Ramírez (1804-1871). 4 – A origem dos males
políticos que afligiam a República mexicana, segundo a polêmica dos jornais El Universal, El Siglo XIX e El Monitor
Republicano (1848-1849). 5 – O espírito liberal da Constituição de 1824,
como arquétipo capaz de renovar a vida republicana, segundo Mariano Otero
(1817-1850). 6 – Justo Sierra (1848-1912) e a ortodoxia positivista republicana.
7 – Antonio Caso (1883-1946) e os fundamentos humanísticos do Liberalismo. 8 - Daniel
Cosío Villegas (1898-1976) e os paradoxos do Liberalismo em face do despotismo
ilustrado. 9 – Octavio Paz (1914-1998) e a estética barroca da liberdade. 10 – Gabriel
Zaid (1934-): mercado, liberdade e democracia para desmontar a privatização
patrimonialista do Estado pelos sindicatos. 11 - Enrique Krauze (1947-) e a
geração liberal contemporânea.
Na complexa evolução das instituições mexicanas, uma
realidade política emergiu do conflito entre as forças opostas, nas últimas
décadas do oitocentos e primeiros decênios do século XX: a consolidação do
Estado patrimonial modernizador, após as
reformas positivistas de Porfírio Díaz e depois da Revolução Liberal de Lázaro
Cárdenas. Algo semelhante ocorreu no Brasil: as instituições imperiais (com o
modelo de representatividade liberal presente no parlamento), foram
substituídas pelo cientificismo positivista e abriram espaço para uma República
centralizadora e cada vez mais alicerçada nos conselhos técnicos integrados à
administração, que encontrou a sua versão definitiva na diuturna ditadura
tecnocrática de Getúlio Vargas (1883-1954), que se estendeu de 1930 até 1945.
Esse republicanismo autocrático teve uma nova manifestação no ciclo militar,
entre 1964 e 1985. Em ambos os contextos, o mexicano e o brasileiro, o
autoritarismo tecnocrático encarnado num modelo de patrimonialismo
modernizador, foi a alternativa mediadora possível entre o jacobinismo
rousseauniano e o extremo autoritário que representava a volta ao despotismo
ibérico, com o seu patrimonialismo bárbaro. A vítima de todo esse processo foi
o modelo de República liberal, alicerçada na representação e na participação
cidadã, bem como no controle moral ao poder e no respeito aos direitos
individuais. Este ideal simplesmente foi deixado de lado, no México e no Brasil
republicano.
1 - Os limites da
soberania, segundo José María Luis Mora (1794-1850). O liberalismo moderado, herdado de
Locke, foi transmitido aos mexicanos pela leitura dos doutrinários franceses.
Esta versão liberal esteve, sim, presente, como frisamos atrás, em tanto que
recurso retórico de crítica às instituições emergentes à luz do democratismo (presente,
como foi frisado, na Constituição espanhola de Cádiz, de 1812 e na Carta
mexicana de 1824). No entanto, o liberalismo clássico não chegou a inspirar, de
forma direta e duradoura, as instituições republicanas. Não há dúvida, no
entanto, de que a primeira geração de pensadores após a Independência conhecia
bem as fontes desse liberalismo. Prova disto é o seguinte trecho do historiador
e sacerdote José Maria Luis Mora, escrito em 1827, seguindo as pegadas da
crítica de Benjamin Constant (1767-1830) ao despotismo herdado de Rousseau pelos
revolucionários franceses de 1789.
Estas são as palavras de José Maria Luis Mora: “(...) Qualquer
uma que seja a origem das sociedades, é inteiramente certo que estas não
puderam se estabelecer com outra finalidade que promover a felicidade dos
indivíduos que as compõem, garantir as suas pessoas e interesses, bem como a
sua liberdade civil. (...) Não, não são estes simples temores de uma imaginação
exaltada; são efeitos comprovados pela experiência; pois, como observa o
célebre Constant, os horrorosos atentados cometidos na Revolução Francesa
contra a liberdade individual e os direitos do cidadão provieram, em grande
parte, da moda em que se achava a doutrina, que não só não é liberal, mas que é
o princípio fundamental do despotismo. Este não consiste, como muitos
acreditam, no abuso que o monarca faz da autoridade que lhe foi confiada ou que
usurpou; pois então seria fácil demais curar as nações dos seus males políticos
desterrando delas, para sempre, os monarcas; e o governo popular, precisamente
enquanto tal, seria sempre justificado; mas a razão e a experiência concordam
em desmentir tão infundada teoria, apresentando-nos povos déspotas como a
França na sua Revolução e monarcas liberais como os da Inglaterra e a Espanha.
O despotismo, pois, não é outra coisa que o uso absoluto e ilimitado do poder,
sem sujeição a regra alguma, quaisquer que sejam as mãos que administrem essa
massa formidável que faz sentir todo o seu peso aos indivíduos do Estado; daí
provém que chamemos de providência despótica àquela que não foi ditada senão
para satisfazer a vontade de quem manda. Mas se todo governo, considerado na
extensão dos três poderes, deve ter limites prescritos dentro dos quais deva se
conter no exercício de suas funções, é absolutamente necessário assinalá-los
com a maior precisão e exatidão a fim de evitar, por este meio, as funestas
conseqüências que produzem as idéias equívocas de muitos escritores, acerca dos
direitos do povo sobre o governo e do governo sobre o povo. Remontemo-nos,
pois, à origem primitiva das sociedades; examinemos os princípios do contrato
social com atenta imparcialidade e detida meditação, e sem outra providência
encontraremos a solução para este problema”.
No texto a seguir, o historiador e sacerdote aplica, ao
sistema republicano, o princípio derivado de Constant da defesa da liberdade do
indivíduo em face da inspeção das autoridades constituídas. O texto faz
lembrar, sem dúvida nenhuma, as considerações que Tocqueville (1805-1859) fazia
a respeito do que ele entendia por República, após a viagem de estudos que fez
aos Estados Unidos, de que emergiu a Democracia na América. A respeito,
escreve Mora: “(...) Que coisa mais feliz do que estar o mais longe possível da
inspeção da autoridade e submeter minimamente a pessoa e ações próprias à
vigilância e disposições dos agentes do poder? E em que sistema, senão no
republicano, é possível gozar dessas benesses mais largamente e com maiores
expectativas do que no republicano? Em mais nenhum, com certeza. Pois este bem
inestimável está mais exposto a se perder do que em qualquer outro tipo de
governo, se as pessoas livres não estão muito abertas para prevenir toda
espécie de pretensões que tendam, mesmo que por poucos instantes, a diminuir a
sua liberdade e a aumentar, com essas perdas, a força daquele que começa a
dirigi-las e terminará seguramente por dominá-las”.
2 – Absolutismo e
terror, notas características do poder espanhol no México e a sua substituição
por obras que corromperam os espíritos, segundo a análise de Lorenzo de Zavala
(1788-1836). Para
este líder da independência mexicana e vice-presidente da República do Texas, a
dominação espanhola constituiu mais um tipo de despotismo exercido por minorias
vindas da Península sobre a grande massa dos indígenas, em que pese os
institutos do “direito indiano” que pretendiam mudar essa situação; no entanto,
foi mantido o despotismo vigente, em decorrência do fato de que os que
aplicavam a lei eram, unicamente, os capitães gerais, vice-reis, etc., sem que
houvesse algum controle por parte da sociedade. O poder era exercido
simplesmente em nome do rei.
Eis o incisivo texto de Zavala: “A conquista dos espanhóis na
América reduziu os indígenas a tal estado de escravidão, que cada homem branco
considerava-se no direito de se servir dos aborígenes sem que eles tivessem nem
coragem para se opor, nem mesmo capacidade para reivindicar qualquer direito.
Aqueles que escaparam dos efeitos dos primeiros morticínios foram distribuídos
entre os conquistadores. No início, não havia mais do que senhores e servos. As
autoridades não governavam mediante leis que inexistiam, mas em nome do rei.
Posteriormente, foram aparecendo essas disposições que chamaram de Leis de Índias, que tinham como objetivo
modificar a tirania dos descendentes dos conquistadores e dos chefes que
partiam da Espanha para governar aqueles países; mas como essas leis ou
decretos só estavam em mãos daqueles que os deveriam executar, em realidade não
se fazia mais do que a vontade dos capitães gerais, vice-reis ou governadores.
(...). Os índios tinham as suas leis especiais, os seus juízes, os seus
procuradores e defensores que o governo nomeava, porque eram legalmente
considerados menores de idade. O estado de embrutecimento em que foram mantidos
tornava-os efetivamente incapazes para reivindicar direitos ou celebrar
contratos importantes, em que fosse pressuposta a necessidade de algumas idéias
relacionadas (...)”.
Para Lorenzo de Zavala, o despotismo espanhol exercia-se
mediante o terror. Mas, paradoxalmente, o movimento de libertação contra esse
despotismo trouxe a desordem social, em decorrência da ignorância em que
permaneceu a sociedade, ensejando o caos e a confusão sob a sombra de uma
“falação” em torno aos ideais de liberdade e igualdade, que terminou destruindo
os negócios e a administração pública. Não é difícil enxergar, por trás dessa
“falação”, as confusas idéias do democratismo rousseauniano.
Eis o interessante texto de Zavala a respeito: “Todo governo
possui o seu princípio de existência que, uma vez decomposto, ou desnaturado,
deve ser substituído por outro análogo em relação às mudanças ocorridas no
país. O sistema colonial estabelecido pelo governo espanhol estava
fundamentado: 1 – Sobre o terror que
produz o imediato castigo das menores ações que pudessem induzir à
desobediência; ou seja, sobre a mais cega obediência passiva, sem ser permitido
o exame daquilo que se mandava, nem da pessoa que ordenava. 2 – Sobre a
ignorância em que eram mantidos aqueles habitantes, que não podiam aprender
mais do que o governo queria e até o ponto que lhe era conveniente. 3 – Sobre a
educação religiosa e notadamente sobre a mais indigna superstição. 4 – Sobre
uma incomunicação judaica com todos os estrangeiros. 5 – Sobre o monopólio do
comércio, das propriedades territoriais e dos empregos. 6 – Sobre um número de
tropas arregimentadas que executavam na hora as ordens dos mandarins e que eram
mais agentes de polícia do que soldados do exército para defender o país”.
“Depois de terem conseguido os mexicanos a sua independência
– continua Zavala – desapareceu o terror
que inspiravam as autoridades espanholas, conservado como hábito transmitido de
pais para filhos e tudo isso foi substituído pelas mais amplas declarações de liberdade e igualdade. A ignorância, sem ter conseguido desaparecer, deu lugar
a uma falação política que se apoderou dos negócios públicos e conduziu o
Estado ao caos e à confusão. Sem deixar de existir a superstição popular, foi
introduzida uma porção de livros que corrompem os costumes sem ilustrar o
entendimento. Já não há mais monopólio de comércio, de empregos, nem de
propriedades territoriais, e este artigo precisa de uma longa explicação. O
comércio foi franqueado a todos os estrangeiros e os especuladores juntaram
grandes utilidades, como era de se esperar (...)”.
3 – A questão das
relações entre Igreja e Estado no pensamento de José Fernando Ramírez
(1804-1871). Ramírez
pertencia ao grupo dos liberais moderados, tendo sido ministro das Relações
Exteriores em 1846 e Secretário de Estado durante o Segundo Império Mexicano
(1863-1867). De sólida formação humanística, em sua obra intitulada: De la
libertad de cultos y de su influencia en la moral y en la política , faz uma erudita análise acerca das
relações entre religião, moral e política, partindo da leitura dos Santos
Padres (Santo Agostinho, Tertuliano, São Atanásio, Santo Hilário, São Cipriano,
etc.), bem como da hermenêutica dos textos bíblicos, que conhece em
profundidade, para mostrar que o Estado não deve ter uma religião oficial.
Reforça esta posição com a opinião de escritores de fins do século XVIII e do
XIX, como Mirabeau, e passa depois em revista o pensamento de Mably, Benjamin
Constant, Helvetius, Prädt, Le Beau, etc. Ramírez conclui a sua análise,
mostrando que a melhor opção para a República mexicana seria a separação entre
a Igreja e o Estado. De não ser seguida esta opção, graves tumultos afetarão a
República.
Escreve a respeito: “Do esquecimento destes princípios
resultará, forçosamente, que o governo se converte em um tirano, pois sufoca o
exercício de um direito; resultará, de outro lado, que esta tirania o
comprometa a alterar a igualdade, pois tem necessidade de proteger uma classe
privilegiada que começa pedindo proteção e acaba dominando e sufocando a quem
lhe deu apoio. Como as plantas parasitas, manterá a República numa constante
convulsão em decorrência das disputas de jurisdição (...)”.
4 – A origem dos males
políticos que afligiam a República mexicana, segundo a polêmica dos jornais El Universal, El Siglo XIX e El Monitor
Republicano (1848-1849). Na aguda polêmica desatada entre 1848 e 1849, em torno à
questão da origem dos males que afetavam à Nação Mexicana, três jornais tiveram
voz ativa: El Universal, El Siglo XIX e El Monitor Republicano.
Para os redatores de El Monitor Republicano, a causa dos
males radicava na adoção do sistema federativo que atomizou a sociedade
mexicana, fazendo com que se substituísse um despotismo por outro: ao
despotismo colonial exercido pelo monarca espanhol, sucedeu o despotismo da vontade geral dos mexicanos.
A respeito, frisava o redator do jornal El Siglo XIX:
“Acostumados os mexicanos a não ter influência nenhuma na administração
pública, ao mesmo tempo em que as portas da magistratura, dos escritórios e do
exército ficaram escancaradas a todas as ambições, a empregomania estendeu a
sua mortífera influência, os cargos públicos foram tomados de assalto por
pessoas pouco dignas deles, os escritórios se encheram de gente inútil e
onerosa aos cofres públicos e no exército multiplicaram-se assombrosamente as
promoções até ficarem no estado de triste degradação em que as encontramos”.
Não tendo recebido os mexicanos educação que os capacitasse
para exercerem a soberania que lhes foi entregue de um momento a outro, o
resultado não podia ser outro do que o exercício do absolutismo em nome do
povo. A respeito frisava o editorialista do jornal El Siglo XIX: “De tudo
isto inferimos que a multidão de males de que a nação se tem ressentido durante
20 anos é conseqüência necessária do estado em que se encontrava ao empreender
a nova marcha de sua existência política. Ao abandonar a nossa pátria o nome de
colônia para assumir o de nação independente, não pôde mudar de hábitos e
costumes como tinha mudado de nome; o terreno não estava preparado para receber
as novas sementes que se pretendia fazer frutificar. Elas brotaram, talvez, mas
as plantas daninhas com que se misturaram, bem cedo as sufocaram”.
Para o editorialista de El Universal, os males da pátria
mexicana não decorriam da independência, que era um bem em si, mas dos
princípios errados sob os quais passou a ser exercida a soberania da Nação. A
respeito frisava: “A independência, diga-se o que se quiser, é um bem, e um bem
precioso que temos sabido estimar em todo o seu valor. Somos muito sensíveis ao
fato de que o fanatismo por um certo tipo de governo deixe cego de tal forma o
entendimento, que o faça ver, nele, a origem de todas as nossas desgraças. Que
seria do sistema mesmo se tal opinião se generalizasse? Não basta com ter
destruído a unidade do poder em que se alicerçava a obediência, único vínculo
que ligava os mexicanos, mas também devemos enfraquecer o espírito de
independência, fomentando preocupações vulgares, que só uma enorme ignorância
pôde introduzir, rompendo assim o vínculo de união que pudesse substituir esse
vínculo? Não será El Universal que isto faça. Pintará as desgraças da Pátria,
sim, mas jamais buscará as causas dela na independência, mas na má eleição de
princípios, na desastrada adoção dos meios para desfrutar do bem verdadeiro e
precioso da nossa independência”.
Para o redator do jornal El Siglo XIX, os males da República
decorriam do fato de que o grito de independência de 15 de setembro de 1810, e
o Plano Iguala que o acompanhou,
foram mal encaminhados e substituídos pela retórica vazia do democratismo, que
introduziu o despotismo da multidão. Efetivamente, o que os revolucionários de
1810, chefiados pelo padre Miguel Hidalgo (1753-1811) queriam era que Fernando
VII, após a invasão da Península pelas tropas de Napoleão, transladasse a
capital do Reino para a Nova Espanha. Se os revolucionários tivessem
substituído essa opção (que apresentaram como abençoada pela Virgem de
Guadalupe) pela reivindicação abstrata de liberdade, não teriam tido sucesso na
empreitada do grito da independência. O Plano
Iguala foi concebido como simples meio para a derrubada do poder colonial.
A respeito frisava o redator: “(...) Pois somente unindo os interesses opostos
que dividiam a opinião pública, seria possível canalizar esta rumo a um único
objetivo”.
Inexistindo um princípio de ordem que possibilitasse a
canalização construtiva do ódio contra o jugo colonial, restou aos mexicanos a
abstração da independência. A propósito, frisava o editor de El
Universal: “(...) Nós não temos acusado a independência de ter
produzido nossos males. Nós dissemos, e o repetimos hoje, que o estado em que a
Nação se encontrava, em decorrência da política estúpida dos Reis da Espanha,
devia produzir grandes perturbações, ao mesmo tempo em que a Nação, abandonada
a antiga servidão, apareceria entre os povos livres. Esta única mudança deveria
produzir grandes perturbações, qualquer que fosse o sistema que a Nação
adotasse. Por isso dissemos que se tinha sido uma vulgaridade muito grande
acreditar que a Nação seria feliz unicamente com a adoção do sistema federal,
não é menos vulgar afirmar que a causa dos nossos males é a adoção daquele
sistema”.
A busca da causa dos males da nação mexicana presente no
debate dos jornais El Universal, El Siglo XIX e El Monitor Republicano,
em meados do século XIX, enraíza-se na tradição romântica. Efetivamente, a
partir dela os pensadores buscavam identificar os males do presente no seu
nascedouro, se remontando às causas históricas e culturais presentes na vida
das Nações. É desse feitio a análise efetivada por Benjamin Constant em Princípios
de Política (1810),
bem como a desenvolvida por Madame de Staël nas suas Considerações sobre a Revolução Francesa,
ou a
riquíssima abordagem ensejada pelo curso de História da França, ministrado por
Guizot na Sorbonne (1827), que foi concretizado na obra intitulada: História
da civilização européia, desde a queda do Império Romano até a Revolução
Francesa,
inspiradora, sem dúvida, dos livros de Tocqueville: O Antigo Regime e a Revolução (1856)
e Lembranças
de 1848
(1859). Nessa mesma trilha de busca da explicação histórica e cultural para os
males do presente, situam-se as Cartas sobre a Revolução brasileira
(1810-1820) de Silvestre Pinheiro Ferreira, bem como a obra de Tavares Bastos
intitulada: Os males do presente e as esperanças do futuro (1861).
No mesmo contexto de reconstrução da gênese histórica e cultural das nações,
situam-se outras obras como a do visconde de Uruguai, Tratado de Direito Administrativo
(1860),
o ensaio autobiográfico do colombiano Daniel Samper intitulado: História
de uma alma
(1848), ou o memorável livrinho de Antero de Quental, Causas
da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos (1870),
com o texto das conferências do poeta e ensaísta nas memoráveis “Conferências
do Cassino”, em Lisboa. Como se pode observar, os pensadores mexicanos de
meados do século XIX situavam-se no contexto do movimento romântico, ao buscar
as razões para os males do presente na história da própria Nação, começando
pela história colonial e pela Independência.
5 – O espírito liberal
da Constituição de 1824, como arquétipo capaz de renovar a vida republicana,
segundo Mariano Otero (1817-1850). Encontramos, neste pensador, uma sólida doutrina liberal
alicerçada na leitura dos clássicos, notadamente dos doutrinários franceses e
dos seus seguidores no terreno do constitucionalismo peninsular, como Silvestre
Pinheiro Ferreira. Para Mariano Otero, a República mexicana, nas suas primeiras
décadas de vida, sofria de um terrível mal: nada tinha de sólido nem de
organizado constituindo, assim, uma espécie de miragem institucional. Eis as
suas palavras a respeito: “Nada há de sólido e organizado. Tudo quanto temos é
de ontem: foi obra de um movimento, que embora de alcance nacional, não
conseguiu conferir às instituições a segurança que produzem o tempo e o
trabalho de arrumação. O governo federal acaba de ser organizado e ainda luta
com mil dificuldades; com a violência de todo tipo de reação, com a falta de
meios de poder, com a inexperiência de uma ordem quase nova, com o espírito de
receio tão próprio destes momentos, com o alarme de todos aqueles que, vendo a
sua sorte ligada às instituições, não sabem se os seus interesses serão
sacrificados ou respeitados. Os Estados ensaiam com desconfiança o seu poder; o
centro vê que não é tão acatado como deveria ser; e a revolução acaba por se
apoderar da mais formosa de todas as nossas esperanças, da Guarda, que num
momento de vertigem deu um exemplo que os amantes das instituições esperam que
não se repita mais. Em resumo: temos, hoje, o poder público abrumado com as
dificuldades de uma guerra indispensável e com uma organização em que tudo é
transitório, em que nenhum poder tem consciência da sua estabilidade, em que
aparecem tendências à desunião muito preocupantes, em que se sente a falta de
certas condições de ordem. E tudo isso quando a guerra civil já tem sido um
fato e constitui, ainda, talvez, uma ameaça”.
No contexto da maré de instabilidade que se estabeleceu após
a Independência, Mariano Otero considerava, no entanto, que havia algo a ser
preservado: o espírito de Constituição de 1824 que, inspirando-se na Carta dos
Estados Unidos, procurava sedimentar na República mexicana o sistema
representativo. A propósito, escrevia o autor: “(...) A primeira condição de
vida das leis fundamentais, depois de sua conveniência, consiste no amor e na
veneração do povo. Essa condição não advém de sua perfeição científica e
literária, porque há poucos juízes dela e eles mesmos dividem-se em matéria tão
controversa. Essa condição provém das lembranças que excitam, das opiniões que
sobre ela se transmitem de pais para filhos. Sob este aspecto, a antigüidade é,
por si só, uma recomendação; e o melhor código que, até hoje, foi redigido por
nós não poderia competir, no que tange a essas vantagens, com aquele de 1824,
superior em todos os aspectos e em legitimidade. Na época de sua formação,
ninguém contestou os poderes dos deputados eleitos em meio a uma paz profunda.
Todos os Estados concorreram àquela solene convenção e ela se realizou em meio,
também, às emoções de um povo que acabava de conquistar a sua independência e
que se entregava às ilusões do mais venturoso porvir (...). De outro lado, a
lembrança dessa Constituição está unida à recordação do estabelecimento da
República e do sistema representativo que ela mesma sedimentou; está unida à
lembrança das liberdades locais, tão queridas pela nação, e à de nossa
respeitabilidade exterior que permaneceu inviolável durante o seu reinado, bem
como à lembrança dos únicos dias pacíficos e felizes de que até hoje
desfrutamos. A mais superficial análise de nossas circunstâncias atuais deve
convencer-nos de que estamos muito longe de podermos contar com tão favoráveis
perspectivas; deve persuadir-nos de que nada será hoje tão patriótico quanto
colocar as leis fundamentais da República sob o amparo de todos esses
prestígios”.
Mas essa espécie de “idade de ouro republicana”, representada
pela Constituição de 1824, estava mais para um tempo arquetípico de índole
mitológica, do que para uma constituição praticável pelos mortais que, após a
Independência, tudo passaram a privatizar em benefício exclusivo dos seus
tacanhos interesses individuais e clânicos. Em face dessa realidade, o autor,
contudo, continuava apelando para a dinâmica do mito ao propor o
restabelecimento da credibilidade das instituições mediante a volta ao “tempo
de ouro” da Constituição de 1824. Eis as suas palavras a respeito: “(...) Já
frisei antes que o resultado produzido pela destruição do nosso pacto primitivo
foi proclamar que a sociedade não está constituída, e abandoná-la, assim, à
turbulenta luta de todos os que crêem possuir o segredo de fixar sobre diversas
bases a sua organização estável. E para terminar esse movimento funesto, que
meio seria melhor do que voltar ao ponto de partida, reconhecer que a nação
esteve e está constituída, reprovar os resultados de um crime em que
apareceríamos igualmente complicados ao adotar as suas conseqüências, anunciar
solenemente, em favor da união, que no México não há outros direitos que os
criados pela Constituição de 1824 e exigir de todos o cumprimento das
obrigações correlatas? Somente assim poderemos dizer que devolvemos a sua
respeitabilidade às leis. Essa espécie de abdicação da onipotência do poder
constituinte, diante da legitimidade do nosso pacto primitivo, seria um exemplo
tão útil para a República como honroso para o Congresso”.
Descendo do Olimpio das realidades arquetípicas para o
dia-a-dia da luta política, Mariano Otero reconhecia, contudo, que o modo de
agir dos mexicanos, no que tangia à administração da República e à representação,
estava contaminado pelo espírito rousseauniano presente na Constituição
espanhola de 1812, que sagrou o autocratismo da “vontade geral”. A respeito, o
autor frisava: “(...) Infelizmente, (...) o nosso direito constitucional
ressente-se do mais lamentável atraso: fizemos apenas alguns avanços em relação
ao sistema vicioso adotado pelas cortes espanholas, que foi com o qual se
manifestou, entre nós, o regime representativo. E me atrevo a garantir que,
enquanto não corrigirmos essa parte da nossa Constituição, inúteis haverão de
ser as melhores reformas em face das demais. Porque a todas elas haverá de
faltar a condição indispensável para a sua realização, ou seja, a nomeação dos
mais dignos cidadãos para o cumprimento das funções públicas”.
6 – Justo Sierra
(1848-1912) e a ortodoxia positivista republicana. Neste intelectual e homem de ação o
pensamento político mexicano de inspiração liberal tende uma ponte com a filosofia
positivista. Mas esse nexo não se deu mediante a transposição da doutrina de Augusto
Comte (1798-1857). A descoberta do valor do positivismo como doutrina que
permitiria consolidar a ordem republicana se deu, no México, na obra de Justo
Sierra, através da influência que teve, neste, o pensamento do tribuno e
político espanhol Joaquín Emilio Castelar (1832-1899).
O grande pensador e ensaísta liberal Daniel Cosío Villegas
(1898-1976), de quem trataremos mais adiante, reconstruiu, de forma clara, o
roteiro histórico seguido por Justo Sierra na formulação do positivismo
político que empolgou o regime de Porfírio Díaz (1830-1915). Segundo Cosío
Villegas, o Porfirismo se consolidou à sombra de um fato: a busca pela
estabilidade política que deveria acompanhar ao desenvolvimento econômico. A
propósito, afirma: “O Porfiriato foi real, positivamente uma exceção à regra de
uma história angustiada, como tem sido singular a Revolução dos últimos vinte e cinco anos; em que, verdadeiramente,
radica essa raridade? Em muitas coisas, embora duas sejam notáveis: a
estabilidade política e o progresso econômico. México não atinge a estabilidade
política até 1884, depois de 63 anos de persegui-la com desespero; perde-a em
1910 e apenas a recupera em 1940, depois de 30 anos de arranhá-la. México não
progride economicamente, de um modo visível e contínuo, senão até 1880, ou
seja, depois de 74 anos de miséria e estancamento. O avanço econômico do México
revolucionário se torna manifesto, desde o primeiro momento, mas de forma
esporádica, porque o progresso visível e geral só se atinge em 1940”.
José Antonio Aguilar Rivera frisa que, para Castelar, “(...)
o espírito moderno se identifica com a democracia, mediante a generalização da
instrução, da liberdade e da vida pública”. O pensador espanhol “(...) defende
os meios pacíficos, ganhando a opinião, o realismo reformista, a prática das
eleições, rejeitando as utopias governamentais que não se realizam, unindo a
democracia à autoridade, o direito dos povos às práticas dos governos, e
elevando todos esses princípios a programa jornalístico. São bem conhecidas a
admiração e a influência que Sierra reconhecia em Castelar, a quem cita com
muita freqüência e a quem dedicou importantes momentos da sua obra”. Como se
pode observar, Castelar desenvolveu, na Espanha, um tipo de comtismo pedagógico
e político semelhante ao que, no Brasil, foi denominado pelos estudiosos de
“positivismo ilustrado”.
Eis o cerne da doutrina política de Justo Sierra, expresso no
jornal La Libertad, que
serviu de meio para divulgar as suas propostas reformistas. Escrevia Sierra em
1878: “Não temos como bandeira uma pessoa, mas uma idéia. Tendemos a reunir, em
torno dela, todos aqueles que pensam que passou já, para o nosso país, a época
de querer realizar as suas aspirações pela violência revolucionária; todos os
que acreditem que chegou já o momento definitivo de organizar um partido mais
amigo da liberdade prática do que da liberdade proclamada, e convencido
profundamente de que o progresso positivo se alicerça no desenvolvimento normal
de uma sociedade, quer dizer, na ordem. Depois de meio século de dolorosas
experiências, parece-nos que a hora presente não voltará a se repetir na nossa
história. Pressentimos que, se os esforços dos homens de paz e de trabalho não
são suficientes, num breve período, para fazer triunfar a vontade do país sobre
os apetites da anarquia, (...) deixaremos desarticulada e moribunda a
nacionalidade mesma”. As
palavras de Sierra lembram as de outro positivista ilustrado, o colombiano
Rafael Núñez (1825-1894), para quem o dilema enfrentado pelo seu país oscilava
entre a “regeneração moral” ou a “catástrofe”.
A concepção sociológica positivista de Castelar descortinava,
para Justo Sierra, uma opção política de caráter prático. A escolha das idéias
do tribuno espanhol como norte de ação não constituía uma cópia inspirada na vaidade.
Era uma opção “científica e experimental” que reconhecia a preeminência da
variável social sobre a perspectiva meramente individualista. Tratava-se, em
suma, de uma escolha que hoje seria chamada de pragmática, a fim de conciliar
ordem e progresso e deitar os alicerces programáticos de um partido
conservador, evitando as aventuras revolucionárias.
Eram esses os ideais que Justo Sierra colocava em destaque.
Na trilha de Castelar, o publicista mexicano filiava-se à tendência positivista
que se firmava no final do século XIX, proveniente da releitura da “física
social” comteana no contexto da “fisiologia social” saint-simoniana. Tendência
organicista que, aliás, inspirou no Brasil a Getúlio Vargas (1883-1954) na sua
magna ação reformista, a partir da Revolução de 1930. Estas
são as palavras de Justo Sierra: “Somos individualistas no sentido de que
colocamos o direito humano sobre toda ação do Estado, mas não porque
acreditemos que é absoluto tudo quanto recebe o nome de direito individual.
Pelo contrário, é nossa opinião que como a sociedade não é uma ficção, mas um
organismo real, sujeito às leis mais complexas do que aquelas que regem os
indivíduos, a sua ação pode, em determinados casos, servir de limite a alguns
dos direitos humanos, como o de propriedade. Acreditamos que, partindo dessa
base, pode-se, em condições da mais elevada justiça, fundamentar uma parte da
solução do problema social numa legislação que tendesse, de forma prudente e
firme, à desapropriação da propriedade territorial. Acreditamos que é este o
meio apto para tirar a mais numerosa das nossas classes da situação em que se
encontra, e de desenvolver, rapidamente, as grandes melhorias exigidas pela
nova vida da agricultura, da indústria e do comércio”.
Justo Sierra pretendia, assim, dar ensejo, na sociedade
mexicana, a uma nova e definitiva etapa de modernização, alicerçado na ciência
experimental, a fim de consolidar uma nova ordem de cunho conservador,
superando o idealismo dos “sonhos primaveris”.
Estas são as suas palavras a respeito: “O senhor Castelar condensou, em
algumas palavras, a nova face da revolução democrática; passou a época dos
sonhos primaveris. Eis aqui o que nos esforçaremos para ter sempre presente.
Estas são as palavras que procuraremos fazer ouvir constantemente aos bandos em
contenda. Ouvir-nos-ão? Saberemos nós mesmos sempre cumprir com espírito sereno
o nosso propósito, sem nos deixarmos arrastar pelas paixões do momento, mais
ardentes quanto mais fugazes? O porvir di-lo-á. Conste, entretanto, que ao manifestarmos
o nosso completo assentimento ao programa do democrata espanhol, não tivemos
pejo em manifestar que desejamos a formação de um grande partido conservador,
integrado por todos os elementos de ordem que, no nosso país, tenham aptidão
suficiente para surgir na vida política. E esta aptidão mede-se pela aceitação
franca e completa da sociedade moderna. Os nossos leitores não nos farão a
afronta de supor que temos reproduzido as palavras do grande tribuno, movidos
pela néscia pretensão de demonstrar que o seu pensamento político coincide com
o nosso, mas porque quisemos fundamentar os nossos humildes conceitos nos de
Emílio Castelar. Eles possuem, como garantia, uma consciência inatacável e um
talento excepcional”.
No contexto do positivismo organicista de inspiração
saint-simoniana defendido por Justo Sierra, este autor desenvolvia as suas
idéias em torno à nova Constituição. Esta deveria superar, definitivamente, os
delírios metafísicos de defesa incondicional do individualismo, a fim de dar
ensejo a uma nova ordem pautada pela ciência social e afinada com o ideal
comteano de defesa do progresso dentro da ordem. Eis aqui as linhas mestras do
constitucionalismo de Justo Sierra: “Mas, por que pedimos, então, respeito pela
Constituição? Se não a consideramos boa, por que fizemos dela a nossa bandeira;
por que, ontem, em seu nome combatemos um governo que tinha começado nos
chamando de amigos e, hoje, opomos resistência a outro governo que começou nos
tratando como inimigos? Eis a razão: a Constituição é uma regra, é uma lei, é a
autoridade impessoal de um preceito garantia suprema da liberdade humana. Fora
dela só fica o arbítrio, o despotismo pessoal e, numa palavra, o domínio de um
homem sobre os demais. E como acreditamos que, dado o nosso modo de ser atual
não há nada pior do que a falta de regra e de limite (...), devemos defender
que é preciso colocar a Constituição sobre tudo o mais. Será uma lei ruim, mas
é uma lei; reformemo-la amanhã; obedeçamos a ela sempre”.
Justo Sierra inaugurava, no seu entender, uma nova forma de
convívio social afastada dos extremos revolucionário e reacionário. Situava-se
no contexto de um constitucionalismo realista e conservador, que definia nos
seguintes termos: “Nunca houve, no nosso país, liberais nem conservadores, mas unicamente
revolucionários e reacionários. Isto se refere aos partidos, não aos homens. Ao
partido revolucionário tem faltado, para ser liberal, o conhecimento de que a
liberdade, considerada como um direito, não pode se realizar por fora do
desenvolvimento moral de um povo, o que constitui a ordem; e aos reacionários
tem faltado, para serem conservadores, até o instinto do progresso
característico da nossa época, e fora do qual a ordem é, unicamente, a
imobilidade e a morte. Em boa medida não foi isso culpa deles, e é absurdo
pedir a um país que nasceu e cresceu em condições tão inapropriadas para a vida
social, aquilo que povos melhor dotados pedem hoje, não sempre com sucesso, a
uma longa experiência e à difusão da instrução científica. A nossa existência
gravitou em direção aos extremos. O sistema colonial alicerçado sobre o
isolamento, é um extremo; constitui o outro extremo o regime constitucional
alicerçado sobre o seguinte dogma: o indivíduo é um soberano absoluto. O
primeiro garantia-nos uma realidade sem ideal; o segundo oferece-nos um ideal
sem realidade; e este constitui um erro, porque é necessário se preocupar, ao
mesmo tempo, com a força de atração que exerce e até que ponto elas permitem se
aproximar desse ideal”.
A Constituição de 1857 alicerçou-se num ideal mais sacerdotal
do que político. Era necessário, pensava Sierra, colocar a defesa da liberdade
dentro da ordem. A propósito, frisava: “Declaramos, conseqüentemente, não
compreender a liberdade se não se realiza dentro da ordem e somos, por isso,
conservadores. Nem compreendemos a ordem senão como impulso normal em direção
ao progresso. E somos, em virtude disto, liberais. Imensa é a gravidade dos
nossos problemas sociais e políticos. Não temos a presunção de apresentar uma
solução; temos, sim, a segurança de marchar pelo único caminho em que esta pode
ser encontrada”.
As críticas de liberais como José Maria Vigil contra a nova
ordem constitucional, veiculadas no jornal El Monitor Republicano provinham, no
sentir de Justo Sierra, do individualismo metafísico desse publicista. O
verdadeiro mal e o atentado contra a Nação provinham, segundo Sierra, do
desconhecimento da vida e das necessidades por parte dos liberais
individualistas. A propósito, frisava: “(...) A afronta ao direito provém de que,
quando o preceito legal não é consoante com as necessidades da vida, a
arbitrariedade e o despotismo são o único regime possível nas sociedades apenas
embrionárias, como a nossa”.
Que os interesses individuais deviam ser refreados quando o
interesse social estava em jogo era um princípio válido, considerava Sierra,
inclusive para os países que, como os Estados Unidos, professavam o liberalismo
anglo-saxônico. Ao ensejo da recente guerra civil americana, o publicista
frisava: “(...) Precisamente pela violência, rompendo os contratos dos
voluntários e os obrigando a permanecer no acampamento, foi como pôde Sherman
organizar o exército do Potomac e assim salvar a causa do Norte. E é que o
saxão, que respeita tanto o direito individual, quando soa a hora do perigo
social faz ceder os direitos do indivíduo tanto quanto é necessário para
contrarrestar o perigo”.
Quanto às fontes de que se louvava Sierra para adotar a
posição liberal-conservadora apontada, destacava que elas se remontavam ao
grande positivista britânico de inspiração liberal, John Stuart Mill
(1806-1873), que na sua obra intitulada: A liberdade deitou
os alicerces doutrinários daquela opção. Mil superou definitivamente e com
claridade a confusa versão de democracia proposta por Rousseau no Contrato
social.
Em três princípios Sierra sintetizava a doutrina por ele adotada. Estas são as
suas palavras a respeito: “1 – A sociedade, como toda existência concreta, é
produto de um desenvolvimento submetido a leis fixas. Dirigir as pesquisas no
sentido de conhecer essas leis e a elas conformar as leis positivas deve ser o
trabalho do estadista, do legislador, do publicista. Tudo quanto for contrário
a essas leis é artificial e só pode ser mantido pela violência física ou moral
(...). Essa violência é, por regra geral, a que recebe o nome de revolução ou
de reação. Chamamos o desenvolvimento orgânico dos grupos humanos de evolução
social. 2 – Não podendo ter o direito, fora do arbítrio metafísico, outra base
que o princípio de utilidade em relação aos interesses progressivos do gênero
humano, e sendo o progresso a resultante da atividade crescente de cada
indivíduo, é dever de todos, formulado na lei, facilitar o desenvolvimento
dessa atividade. Isso é o que entendemos por direito individual. 3 - A função do Estado consiste em proteger
esses direitos, ou seja, o que denominamos de justiça social. Mas como o Estado
é, seja qual for a sua forma ou aparência legal, um produto dos sentimentos que
prevalecem numa sociedade, na medida em que esses sentimentos são mais
anti-sociais, digamos assim, o Estado deve ser mais conservador, a autoridade
mais vigorosa para impedir a dissolução do grupo nacional, e nesse caso o
direito individual cederá sempre para não desaparecer. Essa é a irrefutável
verdade, sancionada por todas as constituições”.
7 – Antonio Caso
(1883-1946) e os fundamentos humanísticos do Liberalismo. Filósofo e membro do Ateneu da
Juventude, Caso contribuiu, com a sua reflexão sobre a política, a fundamentar,
do ponto de vista humanístico, uma versão do liberalismo moderado. José Antonio
Aguilar Rivera escolheu, para sua antologia, uma série de reflexões do pensador
sobre a liberdade em face do individualismo e do coletivismo, que foram
publicadas em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial.
Para Caso, como para Hegel e Nietzsche, a filosofia é um ato
crepuscular, quando a cultura humana experimentou a sua plenitude e inicia,
perplexa, a descida à planície da mediocridade. Também a ciência “é o último
fruto do desenvolvimento”. A propósito dessa situação paradoxal vivida pelo
homem contemporâneo, escrevia Caso: “O que pode significar, na caminhada da
cultura, tal inaudito auge da ciência? (...) A ciência é o último fruto no
ciclo de desenvolvimento das culturas. Progrediram os conhecimentos científicos
na Grécia, não na época clássica, mas nos dias do helenismo e do
alexandrinismo. Do Museu de Alexandria brotou o movimento científico da
Antigüidade. Quando já fazia séculos que as letras e a história floresciam, a
ciência inaugurou o seu esplendor. Isso indica que as grandes épocas do
desenvolvimento científico não correspondem aos momentos criadores da
humanidade, mas aos instantes crepusculares de declínio. Alexandria foi o
magnífico crepúsculo da cultura grega. Também a filosofia consegue, em nosso
tempo, um admirável desenvolvimento, e isto não faz outra coisa senão confirmar
a tese do declínio. Porque filosofar é uma espécie de reflexão de segundo grau;
uma reflexão de reflexões, uma meditação universal sobre o mundo e o eu, já
explorados em outras ramas da cultura. O
filósofo é também um fruto tardio. Dos valores que cria só pode dar notícia
depois que a meditação humana foi exercida, diretamente, sobre a vida e a
história. Sócrates, Platão e Aristóteles são, para Nietzsche, sintomas de
decadência. Depois do grande século grego do drama e da política, aparece a
grande síntese aristotélica, coincidindo com a vida de Alexandre”.
No mundo contemporâneo não poderia ser de outra forma.
Também, agora, ciência e filosofia são frutos tardios do espírito humano, portadores,
portanto, das perplexidades típicas dos momentos de decadência. Eis a forma em
que o filósofo mexicano tipificou essa paradoxal circunstância: “Grandes
filósofos, comparáveis aos mais insignes nomes do pensamento humano, são os de
Bergson, Husserl e Scheler. O bergsonismo e a fenomenologia coincidem com
Einstein e a teoria da relatividade. Portanto, no auge do pensamento filosófico
pode-se ver, talvez, outro sintoma do grande crepúsculo da cultura européia.
Não há grandes poetas líricos nem dramáticos, nem artistas geniais como os que
geraram outros séculos. O que existe, sim, e honra o nosso século, é a
meditação filosófica e científica, inegável atributo diferencial de nossa
idade”.
O paradoxo contemporâneo, no sentir de Caso, manifesta-se, também,
e de forma dramática, na política, no binômio democracia-totalitarismo e no
fruto tardio da ciência e da indústria, na hodierna arquitetura que produz
obras faraônicas que engolem o homem. Esse homem que a acelerada história
contemporânea deixou refém da guerra e da revolução social. A propósito,
escreve: “Finalmente, a política, indiscutivelmente renovada, sela com a sua
criação a vida contemporânea. Duas grandes lutas se travam entre a democracia e
o Estado totalitário, assim como entre os dois tipos de Estados totalitários. O
Estado, a comunidade privilegiada por excelência, tende a abarcar a vida social
na sua plenitude. O velho individualismo liberal vai-se afastando das
constituições políticas européias; os direitos do homem, que a Revolução Francesa
sagrou, hoje são desacatados por muitos teóricos do direito e do Estado.
Chegou-se a afirmar que o mundo inicia, na sua marcha, os episódios de uma nova
Idade Média. E não é apenas a pugna entre a democracia e o Estado totalitário,
mas a discussão entre o regime russo e o alemão, entre o racismo e o classismo.
(...). Como não ver, nas vicissitudes políticas contemporâneas, um dos
atributos distintivos do nosso tempo? (...). A ciência e a indústria, o seu
imediato corolário, voltam a organizar as gentes em grandes grupos, em torno às
máquinas. A arquitetura, que dispõe de recursos industriais novos é, talvez,
entre as artes liberais, a única que se destaca, podendo exercitar a sua
invenção estética em magníficas edificações que lembram os dias da Babilônia ou
de Menfis. Grandes massas tramadas de ferro que escalam o céu; estruturas
formidáveis cujas vértebras forjaram as máquinas, os ciclopes incomparavelmente
mais potentes da nossa mitologia industrial e científica! O mundo se transforma
num ritmo político e econômico acelerado, cujo compasso marca a hora que
atingimos, na pressa da nossa vida, constantemente agitada e complexa, e a
angústia do nosso coração, atribulado com o âmago perene da guerra e da
revolução social urgente, formidável”.
O grande pesadelo que ameaça ao homem contemporâneo consiste
no binômio anarquismo-totalitarismo. Ambos extremos, pensa Caso, decorrem de
uma grosseira simplificação em relação ao homem. No anarquismo, o humano é
reduzido ao indivíduo egoísta que nega a dimensão social. No totalitarismo,
seja ele o nazista ou o soviético, o humano é reduzido à raça ou à classe. A
humanidade, portadora da mensagem renovadora da filosofia ocidental conseguirá,
no entanto, se erguer por cima desse cenário de falsidade, para voltar a viver
iluminada pelos ideais que fundaram a Civilização Ocidental, centrada na
valorização da pessoa e da sua dimensão espiritual que eclode na cultura. A
mensagem de Caso é de moderado otimismo humanístico.
Uma mostra dessa posição deixou o filósofo no seguinte
trecho: “Mas a humanidade não pode incorrer constantemente numa posição falsa.
O mundo moderno voltará, finalmente, sobre os seus passos. Compreenderá que
pensa mal e não apenas que age mal. Compreenderá, ainda mais, que age mal
porque pensa mal. Porque o absoluto, o incondicionado, o independente de todo
pressuposto, o necessário, o infinito, o perfeito, não pode ser um ídolo
humano, demasiadamente humano, como diria Nietzsche. Negar Deus é divinizar o
homem; divinizar o homem é pensar equivocadamente; pensar equivocadamente é
inspirar e justificar o ódio, a guerra e o desastre. Desta forma, a verdade
primordial metafísica e religiosa liga-se às demonstrações lógicas, os
imperativos morais e os valores eternos”.
8 - Daniel Cosío
Villegas (1898-1976) e os paradoxos do Liberalismo em face do despotismo
ilustrado. Cosío
Villegas foi, sem dúvida, um dos mais destacados pensadores liberais do México,
no período contemporâneo. A sua obra mais importante foi Historia moderna de México. Da
coletânea organizada por José Antonio Aguilar Rivera formam parte, além de
textos extraídos dessa obra, outros provenientes de ensaios publicados entre
1950 e 1971.
A contribuição mais importante deste autor foi, ao nosso modo de ver, a análise
crítica que realizou do Porfirismo.
O positivismo porfirista constituiu, no sentir de Cosío
Villegas, uma doutrina política irmanada com o velho despotismo ibérico. Embora
Justo Sierra tivesse apresentado o Porfirismo como uma opção de liberalismo
social inspirada em Galdós y em John Stuart Mill, o marco ideológico que lhe
deu sustentação, bem como a Porfírio Díaz era, no fundo, uma teoria despótica
que visava a eliminar qualquer oposição. Justo Sierra deu embasamento, assim, à
opção política do partido único, em nome da ciência. Algo semelhante ao que os
Castilhistas efetivaram no Brasil, nas duas últimas décadas do século XIX e nos
primeiros decênios do século XX, até 1930.
O clima da América Latina, do ângulo político, não difere do
vivido pela sociedade mexicana. Em ambos contextos, frisa Cosío Villegas, pode-se
falar em clima de tirania, na perspectiva histórica dos últimos séculos. A
propósito, escrevia o pensador mexicano: “Não poderá ser qualificada de
democrática ou de tirânica a situação política de nossos países sem antes
definir o que, neles, pode ser entendido por democracia, pois os conceitos e as
instituições do mundo ocidental sofrem desvios insuspeitos quando são
transplantados à terra hispano-americana. Uma democracia de estilo inglês,
norte-americano ou escandinavo, mesmo de tipo francês, jamais existiu em país
nenhum da nossa América, entre outras razões porque numa sociedade genuína,
realmente democrática, a tirania é inconcebível por definição. A tirania é
sempre imposta e jamais consentida, e a essência da democracia é que uma
maioria da sociedade consinta na forma de governo que deve regê-la. E quase
sobra dizer que em todos e cada um dos países latino-americanos houve alguma
vez tiranias; mais ainda, agora volta a havé-las com uma facilidade que aponta
para a existência de velhos hábitos e talvez para o vício que exige a
satisfação periódica. Aqui a democracia consiste, especialmente, num mínimo de
liberdade pessoal e num mínimo de liberdade pública, e a falta de uma dessas
liberdades, ou de ambas, justifica a aplicação do termo tirania, quando não o de ditadura.
(O primeiro é o abuso ou a imposição, em grau extraordinário, de qualquer poder
ou força; o segundo se aplica quando um governo, invocando o interesse público,
exerce os seus poderes por fora das leis constitutivas do país)”.
Os povos latino-americanos, segundo Cosío Villegas,
notadamente os meso-americanos e os andinos, viram sobrepor a uma tirania
telúrica herdada de incas e astecas, uma outra proveniente da Península
Ibérica. Isso ensejou um ambiente pouco propício à liberdade e à livre produção
de riqueza. A respeito, o pensador liberal frisa: “Ora, para nada estavam menos
preparados os povos hispano-americanos do que para conseguir a liberdade
política e a riqueza material, pois jamais tinham sido livres nem ricos, nem
tinham feito da liberdade ou da riqueza uma preocupação maior ou menor. Os
povos indígenas que encontraram no continente os conquistadores espanhóis e
portugueses careciam de toda organização social, ou tinham chegado a uma forma
teocrática militar extremadamente rígida. Em todo caso, a massa popular jamais
contou para nada, com exceção do trabalho mais ou menos escravo ou servil. A
dominação hispano-portuguesa confirmou e prolongou por mais três séculos uma
organização em que um grupo incrivelmente pequeno dominava a imensa maioria;
mudou apenas o grupo governante composto, agora, pela hierarquia eclesiástica e
a burocracia”.
Ora, justamente o Porfirismo correspondia a esse segundo tipo
de tirania mencionado acima, constituindo, destarte, uma ditadura. Pelo seu
arrazoado positivista, tal regime constituiu um tipo de “despotismo
esclarecido” ou de “ditadura científica”. Cosío Villegas reconstruiu os cinco passos
seguidos por Justo Sierra para a formulação da doutrina positivista que serviu
de alicerce ao Porfirismo.
O primeiro passo
consistiu na valorização da figura do ditador ou do tirano, que possibilitaria, a uma sociedade
atrasada como a mexicana, queimar etapas para a implantação do desenvolvimento
econômico que conduziria, mais tarde, ao enriquecimento da sociedade e ao pleno
desenvolvimento político. Isso garantiria o exercício da liberdade e a
felicidade geral. A respeito, escreve Cosío Villegas: “Os povos
hispano-americanos sentem um vivíssimo desejo de pôr termo à luta pela
liberdade, para avançar em direção à riqueza. Então se pretende forçar o
progresso material e, para consegui-lo, surge outra vez o tirano, o homem
impaciente, violento e arbitrário que, numa nova meta que se propõe atingir,
encarna-se muito tipicamente no Rosas argentino ou no Porfirio Díaz mexicano”.
Ora, Justo Sierra reconhecia em Porfirio Díaz justamente o
tipo de governante autoritário que garantiria a ordem, num contexto de defesa
do direito social e do progresso econômico, como ficou patenteado nos textos
citados ao ensejo da exposição do pensamento do tribuno. Em relação à convicção
que tinha Sierra a respeito do líder despótico que garantiria o progresso e a
ordem, escrevia: “Busquemos em paz o modo mais prático de resolver, de começar
a resolver pelo menos as nossas questões econômicas e sociais, que os nossos
governos, ocupados unicamente em preparar as suas reeleições, deixaram até hoje
intactas; apoiemos a irreprochável intenção do leal soldado [Porfirio Díaz] que
em silêncio e com calma dirige a nau do Estado (...). Há um país que nem
entende nem quer entender de política num sentido vulgar, mas que deseja que o
deixem fazer tranqüilo os seus negócios (...) e que contemplaria, impávido,
sumirem, como a fumaça, as nossas frases e brigas, se no lugar restasse um
pouco de prosperidade no presente e de progresso no porvir”.
O segundo passo
imaginado por Sierra consistia na centralização do poder no Executivo
alicerçado na técnica.
Acolhia-se assim, o publicista mexicano, à velha tendência ibérica do
despotismo ilustrado formulado por Gaspar Melchor de Jovellanos (1744-1811) na
Espanha de Carlos III (1716-1788). Tal regime despótico e modernizador
encontrou a sua réplica nas reformas estatizantes do Marquês de Pombal
(1699-1782), no reinado de Dom José I (1714-1777), em Portugal. Para Sierra, no
México, “tudo depende do governo num país em que o rico é o Estado, que é
pobre”. O caminho para sair do impasse estava na concentração de funções no
Executivo para, à luz da ciência e da técnica, atacar o problema da pobreza. A
respeito, escreve Cosío Villegas: “O quadro daquilo que será o Porfiriato já
está desenhado: deixar para trás as idéias e os problemas políticos; atacar, de
entrada, o problema da riqueza nacional, cuja solução se enraíza num poder
ditatorial e numa oligarquia endinheirada que empreendam, conjuntamente, as
grandes empresas das vias de comunicação e da imigração. Era inevitável que,
dentro desse quadro de idéias, se insistisse na proposta do governo forte.
Justo Sierra admite que uma forma de chegar a ele consiste em limitar o direito
democrático, ou seja, a liberdade, já que as instituições políticas não
possuem, no México, senão uma existência fictícia e tudo está à mercê do
revolucionário. (...) Sierra considera que as instituições políticas mexicanas
eram incapazes de preservar a ordem, sem a qual é impossível a solução dos
nossos problemas. Por isso aconselha reformar a Constituição; não na sua
totalidade, pois já é tarde, mas sim naquilo que possa estabelecer um centro de unidade para um país que se
dissolve, um centro de coesão para uma Federação que se aniquila, ou um centro
de estabilidade enérgica para um povo sujeito às oscilações mortais da revolta...
Em México predominam as forças dissolventes e a desagregação e só um governo
forte pode superá-las”.
O terceiro passo
seguido por Justo Sierra consistiu no combate à liberdade de imprensa, como forma eficaz de neutralizar a
oposição liberal ou conservadora. O mencionado publicista passou a defender uma
fórmula bastante eficaz para garantir o controle da mídia escrita: a
concentração da licença para importar papel nas mãos de uma empresa submissa
incondicionalmente ao regime. É sabido como posteriormente, com a consolidação
do Partido Revolucionário Institucional ao longo do século XX, o controle para
importação de papel de imprensa ficou em mãos do partido governante. A respeito
da fórmula encontrada por Sierra, escreve Cosío Villegas: “Justo Sierra,
praticante da arte da retórica, a arte de falar e escrever para persuadir ou
impressionar, desfralda aqui toda a ideologia que fará sua o Porfiriato: o país
deve ingressar na paz e nela se desenvolver; o que importa é a liberdade prática (uma liberdade assim
caracterizada acomodava-se perfeitamente à mentalidade pragmática de Porfirio
Díaz) e não a liberdade declamada, ou seja, aquela que se antepõe a qualquer
consideração, entre outras à prosperidade material”.
O quarto passo seguido
por Justo Sierra para consolidar a ditadura porfirista consistiu na eliminação
da oposição, especialmente a liberal. A luta de partidos, bem como a retórica liberal em que ela
se alicerçava, são coisas do passado. É necessário superar o vetusto
parlamentarismo que opunha interesses egoístas, pela convicção científica de
que só o progresso material redime e garante a paz social. O tempo da luta de
classes e de partidos passou, frisa a respeito Cosío Villegas: “(...) Agora
novas idéias ganham terreno sobre os antigos princípios e das idéias novas será
a vitória, porque são tão inflexíveis quanto a verdade científica (...). O que
se pode fazer com nossos pais, com aqueles velhos e românticos liberais? Nada
que não seja colocá-los respeitosamente a
um lado para deixar passar esses veneráveis restos da nossa história”.
O quinto passo
recomendado por Justo Sierra para a consolidação da “ditadura científica”
consistia na implantação de uma ditadura estamental, mais do que pessoal,
integrada pelos “corpos técnicos” de que o governante deveria se rodear na
tomada das suas decisões, abandonando de vez o debate político que a metafísica liberal tinha
centrado nos Parlamentos. Aproximava-se, assim, o positivismo mexicano, da
versão implantada no Brasil pela Segunda Geração Castilhista, que teve em
Getúlio Vargas o seu centro de gravitação. O “estamento” deveria estar
integrado, no sentir de Sierra, pelos técnicos, com apoio das Forças Armadas.
Algo semelhante ao que no Brasil se efetivou com o getulismo e com a herança
tecnocrática, que foi posta em prática no longo ciclo militar (1964-1985).
9 – Octavio Paz
(1914-1998) e a estética barroca da liberdade. José Antonio Aguilar Rivera juntou, na sua antologia,
três textos
de Paz sobre o liberalismo e a tradição liberal mexicana, escritos entre 1982 e
1989. São eles: “La tradición liberal”, “La dictadura y el Estado” e “Poesía,
mito y revolución”. O
valor desses três ensaios, felizmente escolhidos pelo autor da antologia,
radica na sua originalidade: a caracterização, do ângulo estético, da opção
liberal do poeta e ensaísta, que foi galardoado com o Prêmio Nobel de
Literatura.
Octavio Paz nasceu na cidade do México, em 1914 e ali faleceu
em 1998. Duas figuras familiares exerceram sobre ele forte influência: o seu
avô paterno, Irineo Paz, escritor e intelectual, que participou ativamente do
reformismo positivista ensejado pelo general Porfirio Díaz, na segunda metade
do século XIX. De outro lado, seu pai, Octavio Irineo Paz, que foi militante da
revolução liberal com que Emiliano Zapata (1879-1919) tentou transformar as
velhas estruturas mexicanas, nas primeiras décadas do século XX. O nosso jovem
experimentou de perto, portanto, os dois grandes momentos revolucionários que
os mexicanos sofreram no final do século XX e no início do século seguinte: o
positivista e o liberal.
Morto o líder revolucionário Emiliano Zapata, a família de
Octavio Irineo Paz teve de se exilar nos Estados Unidos, onde o jovem fez o
aprendizado das primeiras letras. Já estava presente, na vida do escritor, a
vocação marginal do intelectual
latino-americano, fadado a não se inscrever incondicionalmente nas fileiras de
nenhum credo revolucionário, a fim de manter viva a sua capacidade crítica. De
outro lado, restava uma lição para o jovem Octavio: uma revolução no comando do
país não resolve nada, se não ancorar numa mudança de crenças e de valores. Vocação
de escritor claramente definida, já com 17 anos o nosso autor fundou a sua
primeira revista literária. Tendo realizado os seus estudos superiores na
Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma do México, o escritor,
no entanto, não exerceu a advocacia, tendo preferido a docência endereçada aos
jovens pobres.
Poeta de grande criatividade, Octavio Paz efetivou uma
significativa renovação da poesia mexicana, ainda atrelada aos velhos
parâmetros parnasianos. Entre 1943 e 1945, cursou estudos literários na
Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, tendo imediatamente ingressado no
serviço diplomático do seu país, nele permanecendo até 1968, quando, após a
violenta repressão do governo do México contra os estudantes, o nosso autor
demitiu-se sumariamente do corpo diplomático. Entre 1946 e 1962, com motivo de
sua permanência em Paris, como diplomata, Paz conheceu André Breton
(1896-1966), tendo recebido forte influência dele, que se manifestou
basicamente na mudança de parâmetros do estilo literário, adotando a concepção
surrealista da poesia como extensão da vida.
Paz exerceu as funções diplomáticas nos Estados Unidos,
França, Suíça, Índia e Japão, no período compreendido entre 1943 e 1968.
Simpatizante comunista na sua juventude, Octavio Paz participou, em 1937, durante
a Guerra Civil Espanhola, do Congresso de Escritores Antifascistas realizado em
Valencia. No entanto, a sua simpatia pelo comunismo logo recebeu um duro golpe,
quando da assinatura do pacto de Hitler com Stalin, em 1939, que facilitou, ao
ensejo da transigência dos líderes franceses e ingleses, a aventura bélica
alemã que deu início à Segunda Guerra Mundial. Nesse ano, o nosso escritor
rompeu definitivamente com o comunismo, fato que não lhe seria perdoado pelos
intelectuais marxistas.
Antes de desenvolver as idéias presentes nos ensaios de Paz
que foram escolhidos na antologia de José Antonio Aguilar Rivera, lembremos um
aspecto que é destacado pelo poeta na sua obra El ogro filantrópico (que
não entrou na seleção referida): o caráter familístico da política mexicana,
herdeiro da tradição patrimonialista ibérica. A propósito, escreve Paz: “No
fundo da psique mexicana há realidades recobertas pela história e pela vida
moderna. Realidades ocultas, mas presentes. Um exemplo é a nossa imagem da
autoridade política. É evidente que, nela, há elementos pré-colombianos e,
também, restos de crenças hispânicas, mediterrâneas e muçulmanas. Por trás do
respeito ao Senhor Presidente está a imagem tradicional do Pai. A família é uma
realidade muito poderosa. É o lar no sentido originário da palavra: centro e
reunião dos vivos e dos mortos, ao mesmo tempo altar, cama onde se pratica o
amor, fogão onde se cozinha, cinza que enterra os antepassados. A família
mexicana atravessou quase indene vários séculos de calamidades e somente, até
agora, começa a se desintegrar nas cidades. A família deu aos mexicanos as suas
crenças, valores, conceitos sobre a vida e a morte, o bom e o mau, o masculino
e o feminino, o belo e o feio, o que se deve fazer e o indevido. No centro da
família: o pai bifurca-se na dualidade de patriarca e de macho. O patriarca
protege, é bom, poderoso, sábio. O macho é o homem terrível, o chingón, o pai que foi embora, que
abandonou mulher e filhos. A imagem da autoridade mexicana inspira-se nesses
dois extremos: o Senhor Presidente e o Caudilho”.
O liberalismo, segundo Paz, é passível de uma caracterização
estética. Considero que esta apreciação do escritor mexicano se estende a
outros movimentos de idéias políticas como o absolutismo, por exemplo. No caso
deste, foi magnificamente caracterizado por Paul Hazard no seu clássico livro
intitulado: La crise de la conscience europeenne. No
caso brasileiro, dois estudos serviriam como exemplo desse tipo de abordagem da
“estética liberal”: a obra de Joel Neves sobre o Aleijadinho e o
ensaio de Roque Spencer Maciel de Barros sobre o romantismo de Gonçalves de
Magalhães.
O Liberalismo enseja, na obra de Octavio Paz, a elaboração de
uma “estética barroca”, em que a forma de contornos equilibrados, herdada do
classicismo, é desbordada pela maré libertária que brota do indivíduo. No caso
mexicano, a ordem ibérica, que tinha sobreposto numa estática síntese, ordem
filipina e identidade aborígine, foi traída pela dialética da estranheza da
civilização maia e asteca. Espanha já tinha dado ensejo a uma síntese
multicultural que abarcou o legado cristão, mouro e judaico. Mas aqui, considera
Paz, tratou-se de uma síntese entre concepções religiosas monoteístas. No caso
ameríndio, tanto no México maia-asteca quanto no Peru incaico, terminou
vigorando uma estética da estranheza doloridamente tendida entre o monoteísmo
ibérico e o politeísmo indígena.
Assim caracterizou Octavio Paz essa paradoxal dialética de
contornos libertários: “A aparição de América, com suas grandes civilizações
estranhas, modifica radicalmente o diálogo da civilização hispânica consigo
mesma. Introduziu um elemento de incerteza, por dizer assim, que desde então
desafia a nossa imaginação e interroga a nossa identidade. O interlocutor
indígena nos diz que o homem é uma criatura imprevisível e que é um ser duplo.
Em outras nações hispano-americanas, os agentes do deslocamento e da
transformação do diálogo foram os nômades, os negros, a geografia. Em lugar de outra história, como no Peru e no
México, a ausência de história. Desde
a sua origem Espanha foi terra de fronteiras em movimento e a sua última grande
fronteira foi América: por ela, e nela, Espanha limita com o desconhecido.
América ou a imensidão: as terras sem povoar, as lonjuras sem nomear, as costas
que olham para a Ásia e a Oceania, as civilizações que não conheciam o
cristianismo, mas que tinham descoberto o zero. Formas diversas do ilimitado”.
O drama ibérico na América consiste no repto de preservar
essa dialética da estranheza sem cair nos extremos simplificadores do
contra-reformismo absolutista ou do jacobinismo unanimista. A primeira
alternativa foi a dos poderes coloniais que reproduziram, na América espanhola,
nos vice-reinados, o patrimonialismo centrípeto dos Áustrias. A segunda foi a alternativa
dos atores crioulos das diferentes revoluções que tentaram, manu militari, impor a unanimidade
rousseauniana nas incontáveis “revoluções”.
A respeito desse drama ibérico na América, escrevia Paz: “A
diversidade de passados e de interlocutores provoca, sempre, duas tentações
contrárias: a dispersão e a centralização. Nossos povos têm sofrido, num
extremo, a atomização como a da América Central e das Antilhas; no outro, o
rígido centralismo, como os de Castela e do México. A dispersão culmina na dissipação;
a centralização, na petrificação. Dupla ameaça: tornarmos-nos ar,
convertermo-nos em pedras. Durante dois séculos temos buscado o difícil
equilíbrio entre a liberdade e a autoridade, o centralismo e a desagregação. A
índole de nossa tradição não tem sido muito favorável a esses esforços de
reforma. O século XVIII, o século da crítica e o primeiro que, desde a
Antigüidade pagã, voltou a exaltar as virtudes intelectuais da tolerância, não
teve, no mundo hispânico, o brilho que tiveram o XVI e o XVII. Um exemplo da
persistência das atitudes e tendências autoritárias, encobertas por opiniões
liberais, encontra-se precisamente nas páginas finais da novela de Galdós
(...). Um personagem conhecido pelo fervor dos seus sentimentos liberais
defende, sem pestanejar, que todos os
espanhóis devem abraçar a bandeira da liberdade e admitir os progressos do
século...E se não todos desejam entrar por este caminho, os rebeldes devem ser
convencidos a pauladas, e para isso seria conveniente que os livres se
armassem, constituindo uma milícia. Este curioso liberal era um devoto de
Rousseau, aquele da onipotência da vontade
geral, máscara democrática da tirania jacobina. Armado com uma teoria geral
da liberdade, Carlos Garrote entra no século XX. Mudou de hábito, não de alma:
já não ameaça ao adversário com os ferrugentos silogismos da escolástica, mas
com as ondulações da dialética. Novas quimeras lhe secam os miolos, mas
continua a fasciná-lo o cheiro de sangue. Saltou da Inquisição ao Comitê de
Saúde Pública sem mudar de lugar”.
Para Octavio Paz há uma complementaridade entre liberdade e
democracia. A primeira, no indivíduo incomunicado (como Robinson Crusoe, na sua
ilha deserta), é apenas projeto. Este se torna ato quando, no seio de uma
sociedade democrática, reconhecemos a liberdade dos nossos semelhantes. O
escritor mexicano lembra as palavras pronunciadas por Rosa Luxemburgo
(1871-1919) quando os bolcheviques dissolveram a Assembléia Constituinte russa
em nome da liberdade: “A liberdade de opinião é, sempre, a liberdade daquele
que não pensa como nós”.
A grande conquista das sociedades modernas foi, para Paz, a
construção do binômio liberdade e democracia. “A liberdade – frisa – é
preciosa como a água e, como ela, se não a guardarmos, derrama-se, escapa de
nossas mãos e se perde”. O escritor mexicano apela para que saibamos preservar
os rebentos de liberdade que aparecem na nossa tradição ibero-americana,
regando-os com a fértil água do pensamento político moderno. Lembra que a
palavra liberal aparece cedo na literatura
hispânica, já no século XVII, com Cervantes, carregada de um sentido irônico
próprio do barroco. Tal termo se torna presente, segundo Paz, “(...) não como
uma idéia ou uma filosofia, mas como caráter da alma e uma disposição do
espírito. Mais do que uma ideologia é uma virtude. Ao dizer isso, volto a olhar
em direção de Cervantes, o nosso escritor que mais completamente encarna os
diferentes sentidos da palavra liberal.
Com ele nasce a novela moderna, o gênero literário de uma sociedade que, desde
o seu nascimento, identifica-se a si mesma e a sua história com a crítica. A Comédia
de Dante é o reflexo de um mundo regido pela analogia, quer dizer, pela
correspondência entre este mundo e o mundo do além; o Quixote é uma obra
animada pelo princípio contrário, a ironia, que é ruptura da correspondência e
que sublinha com um sorriso a fratura entre o real e o ideal. Com Cervantes
começa a crítica dos absolutos: começa a liberdade. E começa com um sorriso,
não de prazer mas de sabedoria. O homem é um ser precário, complexo, duplo ou
triplo, habitado por fantasmas, esporeado pelos apetites, roído pelo desejo:
espetáculo prodigioso e lamentável. Cada homem é um ser singular e cada homem
se assemelha a todos os outros. Cada homem é único e cada homem é muitos homens
que ele não conhece: o eu é plural. Cervantes sorri: aprender a ser livre é
aprender a sorrir”.
O poeta mexicano dedica parte significativa da sua obra à
meditação acerca do papel que corresponde à poesia e à meditação liberal, num
mundo premido pelas contradições e pelo risco da catástrofe nuclear. Na
modernidade, os homens passaram a acreditar no mito da revolução guiada pela
razão. Ora, a poesia viveu dois momentos em face dessa mitologia: de admiração,
como fez Friedrich Hölderlin (1770-1843) diante da revolução da igualdade
chefiada pelo general Bonaparte e de repulsa, como aconteceu com o mesmo
Hölderlin, em face do retorno da desigualdade diante de Napoleão, coroado
Imperador dos Franceses, em 1804. Este segundo momento, considera Paz, deve ser
vivenciado pelos espíritos amantes da liberdade, mediante a leitura dos poetas.
A propósito, escreve o Prêmio Nobel mexicano: “Qual pode ser
a contribuição da poesia na reconstituição de um novo pensamento político? Não
se trata de idéias novas, mas de algo mais precioso e frágil: a memória. Em
cada geração os poetas redescobrem a terrível antigüidade e a não menos
terrível juventude das paixões. Nas escolas e faculdades onde são ensinadas as
chamadas ciências políticas, deveria ser obrigatória a leitura de Ésquilo e
Shakespeare. Os poetas alimentaram o pensamento de Hobbes e Locke, de Marx e
Tocqueville. Pela boca do poeta fala,
não escreve – a outra voz. É a voz do
poeta trágico e a do bufão, a da solitária melancolia e a da festa, é a
gargalhada e o suspiro, a do abraço dos amantes e a de Hamlet diante do crânio,
a voz do silêncio e a do tumulto, louca sabedoria e cordata loucura, sussurro
de confidência na alcova e marejada de multidão na praça. Ouvir essa voz é
ouvir, ao mesmo tempo, o tempo que passa e que, não obstante, regressa feito
umas quantas sílabas cristalinas”.
No que tange ao papel desempenhado pela tradição liberal no
mundo contemporâneo, o poeta mexicano destaca o seu caráter inusitado, na
história do Ocidente. Momento inusitado, pois a reflexão liberal marcou o fim,
na Europa, do mito revolucionário. Esse mito – como acabam os mitos, segundo
Ortega y Gasset – morreu por dentro e foi justamente o liberalismo a filosofia
que explicitou essa morte.
A propósito, escreve Octavio Paz: “A crítica das revoluções
foi feita pelos nostálgicos da ordem antiga e pelos liberais (no sentido amplo
do termo liberal: mais do que uma doutrina, uma têmpera filosófica e política).
De modo inverso à crítica reacionária, a liberal foi eficaz: desmontou as
construções ideológicas das revoluções, arrancou-lhes a máscara religiosa e as
mostrou na sua nudez histórica, profana. O liberalismo não se propôs a
substituir essas construções com outras; a índole mesma dessa tradição
intelectual, essencialmente crítica, proibiu-lhe propor, como as outras grandes
filosofias políticas, uma meta-história. Esse domínio tinha sido antes das
religiões; o liberalismo não ofereceu nada em troca e circunscreveu a religião
à esfera privada. Fundou a liberdade sobre a única base que pode sustentá-la: a
autonomia da consciência e o reconhecimento da autonomia das consciências
alheias. Foi admirável e também terrível: trancou-nos num solipsismo, quebrou a
ponte que unia o eu ao tu e ambos à terceira pessoa: o outro, os outros. Entre
liberdade e fraternidade não há contradição mas distância - uma distância que o
liberalismo não tem conseguido anular -. Qual poderia ser o fundamento da
fraternidade? Inspirados nos antigos, Robespierre e Saint-Just quiseram fundar
a solidariedade dos cidadãos na virtude. Só que cabe perguntar: qual pode ser o
fundamento da virtude? Os jacobinos, como depois os seus descendentes, os
bolcheviques, não se fizeram esta pergunta. Melhor dizendo: a sua resposta foi
a virtude por decreto, o terror. Mas o terror só pode gerar duas fraternidades
irreconciliáveis: a dos carrascos e a das vítimas”.
Paz conclui a sua reflexão acerca do papel ímpar desempenhado
pelo liberalismo no desmonte da mitologia revolucionária, destacando o que os
anglo-americanos denominam de “a prova da história”, nos seguintes termos: “O
liberalismo democrático é um modo civilizado de convívio. Para mim é o melhor entre
todos os concebidos pela filosofia política. No entanto, deixa sem resposta a
metade das perguntas que os homens nos fazemos: a fraternidade, a questão da
origem e a do fim, a do sentido e o valor da existência. A idade moderna
exaltou o individualismo e tem constituído, assim, o período da dispersão das
consciências. Os poetas têm sido particularmente sensíveis a esse vazio (...)”.
10 – Gabriel Zaid
(1934-): mercado, liberdade e democracia para desmontar a privatização
patrimonialista do Estado pelos sindicatos. Este pensador, economista e poeta é lembrado por José
Antonio Aguilar Rivera com três textos de crítica econômica, escritos entre
1979 e 1999. A contribuição de Zaid à reflexão liberal é de rara atualidade,
porquanto abarca a questão das relações econômicas, cruzando dados
macroeconômicos com a perspectiva das ações individuais, de um lado, e, de
outro, inserindo essas informações no pano de fundo de uma dinâmica axiológica
de inspiração weberiana. O resultado é um quadro bem original, em que se
destacam as relações econômicas em face dos interesses individuais, grupais e
estamentais, no contexto da realidade mexicana.
Qual seria o problema fundamental do México, à luz da análise
econômica e política empreendida por Gabriel Zaid? Não há dúvida de que esse
problema é constituído pela privatização do espaço público pelos interesses
estamentais dos sindicatos. Trata-se, portanto, de uma problemática bem típica
dos Estados patrimoniais, encontradiça em outros contextos latino-americanos
como o argentino e o brasileiro.
A propósito dessa problemática no México, escreve Zaid:
“Embora a Igreja combateu a Reforma [efetivada pelos positivistas e pela
Revolução Liberal no final do século XIX e no início do XX], hoje reconhece que
a separação da Igreja e do Estado é preferível para sua missão espiritual.
Também é preferível para a sociedade, bem como para o próprio Estado. Por
razões análogas, hoje faz falta outra reforma: a separação dos sindicatos e o
Estado. Em meio século, as corporações sindicais acumularam mais do que as
antigas corporações eclesiásticas. Têm direito para designar alcaides (prefeitos), governadores,
deputados, senadores. Controlam o principal setor do PRI (Partido
Revolucionário Institucional). Têm poderes locais e regionais. Possuem miles de
milhões de pesos, empresas de todos os tipos, barcos, fazendas, fábricas, cadeias
de lojas, jornais, escolas. Têm foros fiscais: os seus ingressos não são tributados
e ninguém possui o direito de fiscalizar as suas contas. Têm foros de
propriedade: o presidente que se atreveu a expropriar a banca privada, não teve
a coragem de expropriar o Banco Operário. Têm foros de força: podem controlar
grêmios utilizando a intimidação física; podem expulsar (e deixar sem trabalho)
os seus agremiados; podem obrigá-los a marchar em peregrinações políticas;
podem seqüestrá-los e obrigá-los a confessar, como fazia a Santa Inquisição:
como donos da sua própria justiça, à margem dos foros civis. Têm um histórico
de mortes não esclarecidas, que parecem ajustes de contas. Em caso extremo, têm
chegado a ameaçar às autoridades com o recurso à violência, dentro ou fora da
Constituição. Num regime presidencialista, que apóiam em troca do respeito aos
seus foros, uma e outra vez têm deixado claro que o seu apoio não é
incondicional. São capazes de gestos de desafio e até de velados desacatos, sem
paralelo na atualidade: como os que antes se observavam entre os caudilhos
armados que negociavam a sua lealdade ao presidente da República. Como se tudo
isso fosse pouco, possuem legitimidade. Assim como os intelectuais, as
instituições, o poder, a sociedade, não podiam blasfemar diante dos propósitos
redentores das corporações eclesiásticas, hoje não se pode blasfemar diante dos
propósitos redentores do sindicalismo. Existem até doutrinas que supõem que os
sindicatos são algo assim como a Igreja Militante: protagonistas da luta do Bem
contra o Mal. Um foro como a cláusula de exclusão, que coloca os agremiados nas
mãos dos seus líderes, parece sacrossanto. Já ninguém reclama religião e foros! Mas controle sindical e foros! E isso parece
uma aspiração legítima para muitas almas piedosas”.
Que remédio aplicar para extirpar o mal do sindicalismo
sobranceiro à Nação e ao Estado? A solução mais fácil, mas ineficiente, seria a
eliminação dos atuais líderes sindicais; outros viriam a ocupar, com a mesma
cupidez, as vagas deixadas pelos que foram removidos. O único remédio duradouro,
segundo Gabriel Zaid, deve ser democrático: modificar a legislação que torna
possível o absolutismo presidencial,
que torna possíveis as negociações à margem da lei. Essas negociações, que
partem do pressuposto de que o Executivo é o dono da República e de que pode efetivar
cooptações de tipo corporativo, devem ser eliminadas. O mecanismo democrático
seria uma legislação que somente permita apoios democráticos em lugar de
corporativos, no exercício do poder presidencial.
Zaid não deixa dúvidas quanto à índole liberal do remédio
proposto, que aumenta o poder da sociedade sobre o aparelho do Estado e sobre
os estamentos que comandam a política. O pensador sintetiza, nas seguintes
palavras, tanto o seu diagnóstico do mal que afeta ao México, quanto o remédio
democrático proposto: “Naturalmente, a separação dos sindicatos e o Estado
seria boa para os sindicatos e para o Estado, não para os seus atuais
proprietários. Entre os quais há uma diferença importante: a propriedade
privada das funções públicas é transitória, enquanto a propriedade privada dos
sindicatos é permanente. No setor público, os proprietários permanentes das
vagas laborais vêm vir as aves de passo: os proprietários transitórios das
vagas de confiança presidencial; calculam as suas medidas; negociam;
Observam-nos ao se afastarem; e, em tão breve lapso de tempo, enquanto negociam
os interesses de ambas as partes, não resta muito o que fazer pelos interesses
do público, suposto proprietário do setor público. Obregón, Calles, Cárdenas,
que criaram o monstro em favor do poder presidencial, nunca imaginaram o quanto
ele iria crescer, alimentado pelo gigantismo industrial. Há até os que pensam
que, num futuro próximo, algum presidente terá de se impor, como Carranza,
Obregón, Calles, Cárdenas, sobre alguns líderes fortes demais: eliminando-os de
alguma forma mais ou menos violenta. Mas isso constituiria um erro. O perigo
não reside em que tais ou quais pessoas tenham acumulado um poder sem paralelo
por fora da presidência, mas na forma de acumulá-lo, que de fato é a mesma que
culmina na presidência (com a exceção de que a presidência é transitória): os
arranjos privados à margem dos votantes. Por isso, a maneira de acabar com o
monstro tem de ser democrática: destruir os foros do absolutismo presidencial
junto com os foros sindicais; fazer com que os presidentes não sejam donos da
República, nem os líderes donos dos sindicatos: fazê-los depender de apoios
democráticos, em lugar de corporativos”.
11 – Enrique Krauze
(1947-) e a geração liberal contemporânea. Com este autor José Antonio Aguilar Rivera encerra a
sua antologia. Krause busca os seus ícones entre os teóricos mais importantes
do liberalismo mexicano do século XX: Cosío Villegas e Octavio Paz. Desenvolve
o seu propósito no contexto de uma busca pela família intelectual, presidida
pelo seu avô Saul Krause, um socialista humanitário sobrevivente do Holocausto.
Nesse contexto, como “avôs intelectuais” com os quais dialoga, situam-se, na
biografia interior do autor, Cosío Villegas y Paz.
Uma linha mestra une a todos os ancestrais espirituais de
Krauze: a luta pela liberdade. Com o avô, Saul, em conversas intermináveis
durante a adolescência e juventude, Enrique Krauze aprendeu a lição da
liberdade como arte de viver em meio aos totalitarismos nazi-fascista e
comunista. Com Cosío Villegas e Octavio Paz, Krauze aprende a lição de
continuidade de luta pela liberdade, em meio às desilusões e desencantos da
história mexicana da segunda metade do século XX. Se na juventude Krauze tinha
defendido a liberdade individual como luta contra todas as proibições, no
contexto do espírito libertário de vago socialismo que inspirou as revoltas de
1968 pelo mundo afora, na sua maturidade, à luz de Cosío Villegas e Octavio
Paz, opta pelo liberalismo.
Em relação à influência recebida do avô, escreve Krauze: “Que
saída tinham, por exemplo, países como os nossos? Não o capitalismo, teria dito
o avô, quem, devo ressaltar, o menosprezava do alto da aristocrática
simplicidade de um artesão. Penso na orfandade ideológica de seus últimos anos
e me pergunto por que não voltou a olhar para a religião: eu sou spinozista, dizia, Deus
está em todas partes. Se a liberdade é, como dizia Spinoza, a compreensão
clara e distinta de nossas paixões e determinações, Saúl foi um homem livre.
Porque conhecia a opressão, a discriminação, a perseguição e o extermínio,
apreciava a liberdade. Porque era um transterrado da História, estou seguro de
que acordava cada manhã bendizendo o ar que respirava. (...) Com Saúl entendi o
afazer intelectual como uma conversa ao longo da vida em torno às idéias, os
ideais e as ideologias. Antes que morresse, comecei a ler Spinoza e a buscar
novos avôs intelectuais com os que pudesse conversar”.
O pensamento de Cosío Villegas impressionou vivamente ao
jovem Enrique Krauze, admirador fiel do vago socialismo que animava a Revolução
de 1968 na França, potencializado pela Escola de Frankfurt. Cosío, em pleno
século XX, pretendia se remontar às fontes do espírito libertário mexicano, que
estavam presentes na geração liberal de 1856. Essa geração escreveu uma espécie
de “página dourada” do liberalismo mexicano, justamente por centrar todas as
lutas na defesa incondicional da liberdade.
Krauze sintetizou, assim, os ideais de Cosío Villegas:
“Enquanto avançavam as nossas conversas, comecei a conhecer a sua biografia e a
compreender a sua identidade liberal. Dom Daniel era liberal, em primeiro lugar,
por razões que ele considerava físicas,
orgânicas. Talvez tivessem a sua origem – segundo me explicou – na opressão
que sobre ele exerceu o seu pai, um homem estrito e por vezes tirânico. Tenho um N de não na frente, dizia,
sorrindo com ironia. Os adjetivos com que alguma vez definiu aqueles liberais
mexicanos do século XIX eram perfeitamente aplicáveis à sua pessoa: eram feramente, orgulhosamente, insensatamente,
irracionalmente independentes.... Filho da Revolução mexicana, acreditou
rigorosamente nos ideais da democracia, justiça social, eqüidade econômica,
orgulho nacional e educação universal que ela apregoava. Mas, com o correr do
tempo, desiludiu-se em face dos magros resultados, ao ponto de publicar, em
1947, quase com cinqüenta anos, um célebre ensaio, A crise do México que, no
seu momento, foi considerado como o epitáfio da Revolução mexicana. Cosío
defendia que todos os seus dirigentes, sem exceção, tinham resultado inferiores às suas exigências. Suspeitava que algo
tinha falhado no desenho político do México. O país tinha saído do seu caminho
com a ditadura de Porfírio Díaz, tinha tentado uma correção de rumo com a Revolução
mexicana, mas esta, por sua vez, tinha desaguado num regime político fechado e
monopolístico: uma monarquia sexenal
absoluta. Para compreender o processo no seu conjunto, Cosío Villegas
embarcou numa travessia historiográfica em direção à origem, a época dourada em que uns homens
escreveram aquela página única de
maturidade democrática e liberal na história mexicana (...). Cosío entendeu
que a sua contribuição poderia ser mais duradoura nos âmbitos do pensamento e
da cultura. Poucos latino-americanos tinham a sua sabedoria editorial. Por isso
conseguiu planejar o acervo do Fundo de Cultura Econômica e o labor acadêmico de
El Colegio de México. Ambos dariam ao
mundo – póstuma e literalmente – páginas em que o México voltou a se inscrever,
por méritos próprios, na melhor tradição do humanismo liberal”.
Toda a admiração de Enrique Krauze pelo seu mestre em El Colegio de México foi concretizada em
duas realizações pessoais: a plena conversão do discípulo ao ideário liberal,
de um lado e, de outro, a obra intitulada: Daniel Cosío Villegas: uma biografia
intelectual. A
escrita desta obra e a publicação de parte da mesma por Octavio Paz foi a ponte
que uniu Enrique Krauze ao terceiro avô intelectual. Nas seguintes palavras,
Krauze resume a lição liberal aprendida dos avôs
Cosío Villegas e Paz e amplia a herança recebida deste último: “[Em Paz] a
palavra liberal fazia alusão – como em Cervantes – a uma virtude, uma têmpera,
uma disposição nobre e generosa da alma (...). Esse caminho me conduziu ao tema
da democracia eleitoral, apenas presente nos textos de Cosío Villegas e de
Octavio Paz. Ambos eram mais liberais do que democratas. Não se perguntavam
quem exercia o poder público. Perguntavam-se acerca de quais deveriam ser os
limites do poder público. Comecei a pensar que a melhor forma de consolidar a
ordem liberal consistia em buscar uma democracia sem adjetivos (...). [Paz] era
o defensor da dissidência mexicana contra as ditaduras e os totalitarismos de
nosso tempo: Temos de aprender a olhar de
frente para o grande norte do século XX, escreveu, e, para olhá-lo, precisamos tanto de integridade quanto de lucidez (...).
A esquerda mexicana leu essas frases não só com reserva, mas com franca
inimizade: Paz tinha virado reacionário. Mas me emocionou a sua confissão.
Senti que, efetivamente, a intelligentsia
latino-americana, no seu conjunto, continuava presa a velhas doutrinas que lhe
impediam ver (documentar, medir, interpretar, explicar, ponderar, expressar) a
realidade. Paz não tinha se afastado da esquerda para se refugiar na direita.
Paz afastou-se de ambas para integrar, no seu pensamento político, o valor da
liberdade que já era cardeal na sua literatura. A sua redescoberta alentou,
enriqueceu e inspirou a de seus leitores, inclusive a minha. Fui um convertido
de sua conversão. Por isso me afastei da corrente dominante na minha geração e,
em 1975, comecei escrevendo notas de livros em Plural”.
Alicerçado na herança recebida do pensamento liberal dos seus
avôs Cosío Villegas e Paz, Enrique Krauze partiu para uma interpretação liberal
da história política latino-americana. Encontra na obra de Richard Morse
(1922-2001)
elementos importantes para entender o processo político destes povos. Os
ibero-americanos interpretaram o liberalismo telúrico do padre Francisco Suárez
(1548-1617) como uma espécie de lei natural que inspirava momentos de revolta,
mas não conseguia iluminar o dia a dia do convívio político submetido,
diuturnamente, ao patrimonialismo. Cita, a respeito, as palavras de Morse:
“Hoje em dia é quase tão certo, como em tempos coloniais, que em Latinoamérica
se considera que a maior parte da sociedade é composta de partes que se
relacionam através de um centro patrimonial e não diretamente entre si. O
governo nacional não funciona como árbitro de grupos de pressão, mas como fonte
de energia, coordenação e direção para os grêmios, sindicatos, entidades
corporativas, instituições, estratos sociais e regiões geográficas”. Essa
ilustração suareziana serviu, portanto, para a contestação e não propriamente como
filosofia que iluminasse um processo de lenta e diuturna construção
democrática.
Como decorrência dessa incompleta evolução das idéias
liberais, no horizonte dos poderes patrimoniais que, nos vários países foram se
consolidando, clarões de civilidade e de liberdade democrática foram eclodindo
aqui e acolá. Mas sem que brilhasse plenamente o sol da democracia liberal.
Esse processo endógeno e oligárquico de poderes patrimoniais viu-se agravado
por uma causa externa: o apoio que, no contexto global da Guerra Fria, os
Estados Unidos deram, na segunda metade do século XX, a ditaduras escancaradas
que proliferaram no continente. A emergência de um caudilhismo populista antiamericano,
como o representado pela “revolução bolivariana” de Chávez, seria apenas questão
de tempo.
A respeito desse paradoxal processo, Krauze escreve:
“Contudo, não parecia impossível a construção democrática. Nos interstícios das
legitimidades carismáticas e tradicionais, várias figuras do século XIX lutaram
pela sedimentação de uma cultura política moderna e liberal: Rivadavia na
Argentina, Balmaceda no Chile, a geração da Reforma no México. Ao despertar o
século XX, alguns países da América espanhola deitaram as bases igualitárias de
uma classe média e uma educação pública que parecia aproximá-los do desenho
tocquevillliano. E nunca faltaram, no século XX, pensadores e políticos
liberais que, geração após geração, intentaram consolidar nos nossos países a
democracia liberal. Mas, desde o século XIX, esta América tinha começado a brincar
de esconde-esconde com a democracia devido a um novo fator dissuasivo: o agravo
infringido pela pátria mesma da democracia, Estados Unidos. Nada contribuiu
mais para minar o prestígio da democracia liberal na América hispânica, do que
o desdém dos governos estadunidenses pelos representantes genuínos do
liberalismo democrático na América Latina, e o seu apoio às ditaduras
escancaradas que começaram a proliferar no continente. O próprio Tocqueville
tinha assinalado que as virtudes internas de uma democracia podiam se converter
em vícios na sua política externa (...)”.
Numa das suas mais recentes obras, intitulada: O
poder e o delírio , Krauze
elabora detalhada análise do fenômeno do chavismo e da “revolução bolivariana”.
Trata-se, no sentir do autor, de um fenômeno muito especial de mandonismo,
alicerçado numa mística revolucionária, que polariza, ao redor de si, as
ideologias totalitárias que fizeram época no século XX: o comunismo e o
nazi-fascismo. Como retórica demencial do poder personalista ensejado por um
dos mais brutais regimes patrimonialistas latino-americanos de que se tem
notícia nos dias atuais, o chavismo chamou a si, na qualidade de sustentáculos
retóricos da dominação, os discursos comunista, antisemita e antiamericano, potencializando-os
com o relato mítico da teologia da libertação. Nessa versão, o populismo
sentimental
se abre aos delírios soteriológicos do pentecostalismo hodierno, bem como às
versões do messianismo político que inspiraram a ala esquerda dos teólogos da
libertação, de um lado, e, de outro, ao salvacionismo jacobino de inspiração
rousseauniana, presente na ideologia bolivariana. Isso sem deixar de lado o
cenário mítico dos cultos afro-caribenhos também cooptados por Chávez ao ensejo
da cerimônia dos “paleros”, que presidiram a exumação dos restos do Libertador,
a fim de transferir o espírito guerreiro do lendário herói das Américas ao
messias da “revolução bolivariana”.
Eis a forma em que Krauze enquadra criticamente o chavismo,
no contexto da crítica à pretensão de seqüestrar a história: “Na Venezuela, é o
que vou percebendo, os historiadores atravessam um período de exigência
extrema. Terrível e fascinante ao mesmo tempo. Chávez, pelo que noto, procura
apoderar-se da verdade histórica, e não só reescrevê-la, mas reencarná-la. Seu
regime extrai sua legitimidade de uma interpretação mítica da história que fala
através dele, que converge nele, que se encarna nele. Só os historiadores podem
refutá-lo, só eles podem restaurar a verdade dos fatos e a historicidade dos
processos, embora seus livros alcancem milhares, não milhões. Na Venezuela, a
disputa do passado é a disputa do futuro”.
Conclusão. Li, nesta resenha, os textos da
antologia de Luis Antonio Aguilar Rivera, num contexto que não poderia deixar
de se enquadrar na perspectiva brasileira, desde a qual analiso a realidade
ibero-americana. Nessa leitura, destaquei a grande vitalidade do pensamento
político mexicano e, no seu contexto, da lucidez e da coragem com que os
pensadores liberais encararam, sempre, a sua própria realidade.
Uma anotação para concluir o meu trabalho: qual seria a
diferença fundamental dos liberais mexicanos em face dos brasileiros? A meu
ver, uma: estes se projetam mais em face da construção das instituições que
garantiriam o exercício da liberdade e da democracia. Os mexicanos, por sua
vez, ficam mais no terreno da descrição de ideais de luta, de crítica histórica
e ideológica às vertentes autoritárias, mas sem dar igual peso à tarefa de
pensar os mecanismos jurídicos e institucionais que garantirão a conquista da
liberdade e a plena democracia, no dia a dia da nação. Gabriel Zaid talvez seja
uma notória exceção: pensa corajosamente a economia em termos práticos, do
ângulo do que poderia ser feito à luz dos ideais liberais, formulando políticas
públicas condizentes com a defesa da liberdade da pessoa e dos seus interesses.
Ora, essa tarefa, que identifico como a presença, na tradição liberal
brasileira, da vertente doutrinária que
aflorou na França do século XIX com Guizot e Tocqueville, repete-se no cenário
brasileiro do século XX no pensamento de um jurista do peso de Miguel Reale ou de
um pensador das idéias políticas e das instituições democráticas como Antônio
Paim . Esta
vertente do pensamento brasileiro se reforça atualmente, em face da agressividade
das políticas patrimonialistas inspiradas pelo populismo lulopetista. Certamente,
é uma manifestação da criatividade que anima a outras vertentes do panorama
político, como a social-democracia, por exemplo, na obra de autores da talha de
Fernando Henrique Cardoso, Simon Schwartzman, Bolívar Lamounier, José Serra, etc.
É uma avaliação pessoal que, espero, encontre eco nos meus
amigos mexicanos, a fim de que seja revigorado o debate em torno ao papel do
liberalismo nesta difícil quadra das nossas histórias nacionais, num mundo
agressivamente globalizado.
Bibliografia citada
FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Ensaios filosóficos.
(Introdução de Antônio Paim). Rio de Janeiro: PUC / Conselho Federal de Cultura
/ Editora Documentário, 1979.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro. "Choque entre tendências
liberais na época de dom João VI" (Transcrição de algumas das "Cartas
sobre a Revolução do Brasil:"). In: Humanidades, Brasília, I, no. 4:
pgs. 117-122, 1983.
FERREIRA, Silvestre Pinheiro.
Idéias políticas. (Apresentação de Celina Junqueira; introdução
de Vicente Barretto). Rio de Janeiro: PUC / Conselho Federal de Cultura /
Editora Documentário, 1976.
SOUZA, Paulino Soares de, visconde de Uruguai. Ensaio
sobre o Direito Administrativo.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1960.
STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de. Considérations
sur la Révolution Française. 2ª edição. (Introdução, bibliografia, cronologia e notas de Jacques
Godechot). Paris: Tallandier, 2000.
TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido. Os males do presente e as esperanças do
futuro (Estudos brasileiros). (Prefácio de Cassiano Tavares Bastos;
nota introdutória de José Honório Rodrigues). 2ª edição. São Paulo: Companhia
Editora Nacional; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1976.
TOCQUEVILLE,
Alexis de. A democracia na América. (Tradução, notas e introdução de Neil
Ribeiro da Silva). Belo Horizonte: Itatiaia, 1977.
TOCQUEVILLE,
Alexis de. L ‘Ancien Régime et la Révolution. (Prefácio, Notas e Bibliografia
elaborados por F. Mélonio). Paris: Flammarion, 1988.
STAËL Holstein, Germaine Necker Madame de. Considérations sur la Révolution Française. 2ª edição. (Introdução,
bibliografia, cronologia e notas de Jacques Godechot). Paris:
Tallandier, 2000.
GUIZOT,
François. Histoire de la Civilisation en Europe depuis la chute de l'Empire
Romain jusqu'à la Révolution Française. 8ª. edição, Paris: Didier, 1864.
TOCQUEVILLE,
Alexis de. L ‘Ancien Régime et la Révolution. (Prefácio, Notas e Bibliografia
elaborados por F. Mélonio). Paris: Flammarion, 1988.
Cf. FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Idéias
políticas. (Apresentação de Celina Junqueira; introdução de Vicente
Barretto). Rio de Janeiro: PUC / Conselho Federal de Cultura / Editora
Documentário, 1976. De Silvestre Pinheiro FERREIRA, cf. também: "Choque
entre tendências liberais na época de dom João VI" (Transcrição de algumas
das "Cartas sobre a Revolução do Brasil"). In: Humanidades, Brasília, I,
no. 4: pgs. 117-122, 1983.
TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido. Os
males do presente e as esperanças do futuro (Estudos brasileiros).
(Prefácio de Cassiano Tavares Bastos; nota introdutória de José Honório
Rodrigues). 2ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional; Brasília:
Instituto Nacional do Livro, 1976.
SOUZA, Paulino Soares de, visconde de Uruguai. Ensaio sobre o Direito
Administrativo. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1960.