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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A GUERRA CARIOCA E AS SUAS LIÇÕES PARA O BRASIL


Passada a intervenção policial e militar que pôs fim ao império do tráfico no Complexo do Alemão e nas favelas que integram a comunidade de Vila Cruzeiro, na Penha, vale a pena refletir acerca do que do episódio se pode tirar a limpo, em termos de políticas de segurança pública, a fim de que, em outras oportunidades, não se repitam erros do passado e a população se beneficie com ações melhor planejadas no combate à criminalidade.

A primeira lição que se depreende é que não existe, verdadeiramente, crime organizado, mas Estado desorganizado. A imagem da fuga atordoada dos meliantes pela mata que separa os dois conjuntos de favelas, repassada por duas cadeias de TV ao mundo todo, está a provar essa assertiva. Um “exército” medianamente treinado não debanda dessa forma. Os bandidos, fortemente armados, não tinham um “plano B”, para a eventualidade de a Vila Cruzeiro ser invadida. Ponto positivo para a cidade do Rio de Janeiro, cujo pior inimigo não constitui propriamente um “exército”, mas um bando de meliantes que fogem quando as autoridades decidem pôr a polícia no seu encalço, com o apóio das Forças Armadas. Diferente foi a situação enfrentada pelo exército e pelas forças policiais colombianas, no início desta década, em Bogotá e Medellín, quando da invasão aos santuários do crime: defrontaram-se com forças fortemente treinadas em táticas de guerrilha urbana que, conseqüentemente, trouxeram sérias baixas à população e aos soldados.

A segunda lição é que o apóio das Forças Armadas no combate ao narcotráfico é importante. O elemento diferenciador das duas intervenções da semana passada em relação às anteriores está justamente aí: quando se dá o apóio das Forças Armadas, no cerco aos bandidos e na logística militar, a ação repressiva é dissuasória e eficaz. Muitas pessoas criticam o fato de que a aviação militar não tenha aproveitado a fuga desordenada dos meliantes para metralhá-los desde os helicópteros. Imaginam os leitores a grita que estaria sendo feita, neste momento, pelos defensores dos direitos humanos? O uso dos equipamentos das Forças Armadas restringiu-se ao cerco e à tática intimidátoria que os tanques, os veículos blindados da Marinha e do Exército e os soldados das duas corporações exerceram, em apóio ao BOPE e à polícia civil. Claro que houve falhas no que tange a ter impedido a fuga dos meliantes do Complexo do Alemão, “disfarçados” de operários do PAC, como foi alegado. Falha que vai dar dores de cabeça à polícia e à cidadania nos próximos meses, pois esses bandidos, livres, voltarão a se aglutinar em algum outro conjunto de favelas, possivelmente na Baixada Fluminense. O cordão de isolamento tendido ao redor do Complexo do Alemão teve esse furo. É importante que os responsáveis analisem essa falha para que não se repita em episódios futuros.

A terceira lição consiste na constatação de que é perfeitamente possível uma ação de grande envergadura, que abarque Polícia Civil e Militar e Forças Armadas, sem que seja quebrada a unidade de comando e garantindo a eficiência e rapidez das decisões. O acompanhamento dos fatos pelas autoridades ocorreu em tempo real e utilizando modernos aparelhos de vídeo-comunicação com as diversas unidades envolvidas na ação. O comando da operação ficou por conta da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, sem que isso significasse atrito com os quadros das Forças Armadas. Ponto positivo. Vale a pena lembrar que, nas cidades colombianas, já tinha se posto em prática um mecanismo semelhante. O comando das ações policiais de combate ao narcotráfico é do prefeito metropolitano. Para que isso se tornasse possível foi feita, em 1993, uma reforma no texto da Constituição de 1991.

Quarta lição: foi muito eficaz a mobilização de funcionários públicos civis da área da saúde, para garantir o apóio logístico às duas operações, colocando à disposição da Secretaria de Segurança do Estado os leitos hospitalares necessários, bem como o serviço de ambulâncias. Felizmente não foi necessário fazer uso desses dispositivos, em decorrência da rapidez e da eficácia da ação repressiva.

Quinta lição: o apóio decidido da cidadania às duas ações desenvolvidas pela Secretaria de Segurança Pública, que se manifestou notadamente na utilização, por parte dos cidadãos, do disque-denúncia para identificar os meliantes. Causou emoção entre os telespectadores assistir aos testemunhos de humildes cidadãos e donas de casa, que expressavam a sua alegria por se verem livres do jugo do narcotráfico, imposto a ferro e fogo sobre populações à margem da vida cidadã. A conquista da liberdade, certamente, foi o fator mais importante do ângulo humano para essas populações da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão. E nessa conquista a rápida ação dos policiais e dos soldados das Forças Armadas foi decisiva.

A sexta lição fica por conta do importante papel desempenhado pela imprensa em todos esses episódios, informando passo a passo aos cidadãos acerca do que se estava passando e ajudando a orientar os habitantes das comunidades concernidas acerca do que deveriam fazer, para entrar e sair com segurança.

A democracia ganhou com esse triunfo das autoridades. O efeito positivo certamente será potencializado com a efetivação das políticas de inclusão social que os governos estadual e municipal desenvolverão, no decorrer das próximas semanas, elevando a auto-estima dos cidadãos outrora reféns do narcotráfico. Esse efeito positivo já se observa naquelas comunidades onde foram instaladas as UPPs.  

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

CULTURA X ESTATISMO NA ARGENTINA CONTEMORÂNEA

Enquanto se passam estes modorrentos meses do final do governo Lula e do início da sua continuidade pela mão da Dilma, com as costumeiras ameaças de estatização da inteligência pelo espírito estalinista do Franklin Martins et caterva, nada melhor do que ter aceitado o convite que me foi formulado pela Universidade Católica Argentina, de Buenos Aires, através do professor Doutor Luis Baliña, da Faculdade de Teologia (com a intermediação do meu amigo do Centro de Estudos de Economia Personalista, Alex Catarino, do Rio de Janeiro), para vir a esta belíssima cidade fazer três conferências: a primeira, sobre o Panorama da Filosofia Brasileira (no longo período que se estende do século XVIII até o presente), a segunda sobre Políticas culturais e erradicação da violência nas áreas carentes de Bogotá e Medellín e a terceira sobre A questão da originalidade na meditação filosófica na América Latina. Aproveitei, também, para divulgar, junto ao público docente e discente da mencionada Universidade, ao ensejo desses eventos, o meu mais recente livro, intitulado: Da guerra à pacificação: a escolha colombiana (Campinas: Vide Editorial, 2010).

Estas atividades foram desenvolvidas no período compreendido entre 9 e 13 de Novembro de 2010, mais ou menos ao mesmo tempo em que, em Lisboa, três membros do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade Federal de Juiz de Fora participavam do Colóquio Tobias Barreto, promovido pelo Instituto de Filosofia Luso-brasileira, em homenagem à vida e pensamento de Miguel Reale, falecido em 2006. Eles são: Alexandre Ferreira de Souza, Marco Antônio Barroso e Bruno Maciel. Eles serão convidados para dar aqui notícia do que se passou neste último evento.

 Fiquei surpreendido com a beleza do campus da Universidade Católica Argentina, situado na beira do Rio de la Plata, na região de Puerto Madero; a Universidade, há já vários anos, passou a ocupar alguns dos galpões do antigo porto, que foram postos à venda pela prefeitura de Buenos Aires. Foi feita magnífica obra arquitetônica que, mantendo a aparência externa dos prédios, em tijolo vermelho, acondicionou o interior para as várias unidades acadêmicas da Universidade (com exceção da Faculdade de Teologia e da Escola de Veterinária). Lembro-me de que, em 1987, eu tinha estado em Buenos Aires e visitei a região do porto, então tremendamente degredada. A recuperação da área, efetivada nos anos 90 do século passado, deu vida nova a esta parte da cidade.

Fiquei impressionado, especialmente, com a vitalidade da Universidade Católica Argentina. A partir da decisão dos seus dirigentes, a Universidade passou a olhar para o seu entorno e a querer dar uma contribuição, do ângulo acadêmico, à solução dos graves problemas sociais que apresenta a cidade de Buenos Aires, notadamente os decorrentes do tráfico de drogas e da violência por ele desencadeada. Ora, essa preocupação humanística passou a se tornar concreta em três núcleos acadêmicos: a Faculdade de Filosofia (cujo decano é o professor Doutor Néstor A. Corona), a Faculdade de Teologia (sendo um dos responsáveis por esse projeto o prof. Doutor Luis Baliña) e a Coordenação de Compromisso Social e Extensão (sob a direção do prof. Juan Cruz Hermida).  Achei muito interessante o fato de que, no contexto do compromisso social mencionado, os dirigentes da Universidade contemplaram a institucionalização do estudo da Filosofia Latino-americana, como forma de melhor compreender a identidade do país. Isso contrasta com as dificuldades que experimentamos, no Brasil, os estudiosos da filosofia brasileira, ainda banida dos currículos da graduação e da pós-graduação por obra e graça do patrulhamento exercido, a partir do MEC, pelos seguidores do Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, que dedicou os seus últimos anos a efetivar um acirrado combate em prol da supressão dos cursos de Filosofia Brasileira. Foram fechados, por pressão da CAPES, onde pontificava o padre Vaz no Comitê de Filosofia, os programas de pós-graduação em Pensamento Brasileiro existentes: extinguiram-se, um a um, numa implacável maré cartorial, o programa de mestrado da PUC, no Rio, em 1979; os de mestrado e doutorado em Pensamento Luso-brasileiro da Universidade Gama Filho, em 1995; e o de mestrado em Filosofia Brasileira da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1996.

Do contato com professores e alunos da Universidade Católica Argentina, tirei uma conclusão semelhante à que tenho tirado da minha experiência com a filosofia autóctone, na Universidade Federal de Juiz de Fora: os que se interessam – salvo algumas exceções que confirmam a regra e que estão constituídas pelos docentes mais antigos e por alguns dirigentes lúcidos – são jovens universitários que querem conhecer melhor o país no qual vivem e a sua formação cultural, a fim de mais efetivamente encarar aos reptos do mundo globalizado.

Impressionou-me muito positivamente a seriedade com que os docentes e dirigentes encaram esse repto, garantindo aos seus alunos uma extraordinária infra-estrutura nas salas de aula (maravilhosamente equipadas com tudo que há de mais moderno em novas tecnologias da comunicação) e com o suporte de uma biblioteca de grandes dimensões, situada na Faculdade de Teologia (com as obras primas dos clássicos da Filosofia Universal, desde os pré-socráticos, passando pelas edições críticas da obra integral de Platão e Aristóteles, dos Santos Padres, com a coleção Migne completa, da Filosofia Medieval e dos principais autores dos períodos moderno e contemporâneo). Integra a biblioteca, também, um elenco bastante representativo das mais importantes publicações periódicas, da Europa, dos Estados Unidos, Canadá e da América Latina, nos terrenos da Filosofia e da Teologia. Essa tradição de seriedade acadêmica e bibliográfica nós precisamos aprender, no Brasil, com os nossos vizinhos argentinos. Afinal de contas, os hispano-americanos contam com Universidades desde o século XVI e nós, no Brasil, vimos surgir as primeiras instituições do gênero apenas no século XX, a partir da criação da Universidade do Distrito Federal, no Rio, e da USP, nos anos trinta.

Como seria importante que, nas nossas Universidades, os dirigentes, mestres e funcionários cuidassem com mais carinho de dois aspectos deixados em segundo plano: a modernização das salas de aula e a organização de bibliotecas com critério de aprofundamento nas raízes da cultura ocidental. Um fato chocante me chacoalhou recentemente na Universidade Federal de Juiz de Fora: tinha para doar uma coleção de cem volumes, magnificamente editados (entre 1996 e 1999), pela Presidência da República da Colômbia, acerca das fontes da formação do Estado colombiano, ao ensejo da magna obra administrativa e legislativa de Francisco de Paula Santander e Simon Bolívar, os fundadores das instituições do vizinho país. Não consegui efetivar a doação ao acervo do Centro de Estudos Ibéricos da UFJF, por força de um estúpido critério: somente são aceitas, como doação, pela Biblioteca Central da Universidade, obras editadas depois do ano 2000, segundo me explicou a funcionária, “porque as anteriores estão na Internet”. Caberia perguntar se está na Internet a coleção Migne, por exemplo, que os nossos amigos argentinos se orgulham de ter para consulta de seus alunos na Biblioteca da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Argentina, em Buenos Aires... Para os interessados na coleção de obras colombianas que ia doar à UFJF: ela repousa, muito bem organizada, na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, que de braços abertos aceitou a minha doação....

Uma última observação, esta de caráter político, para encerrar o meu comentário: fui acordado no hotel onde fiquei hospedado, no centro de Buenos Aires, ao longo da semana ali passada, por barulho ensurdecedor de tambores e surdos tocados, desde o amanhecer, por militantes das centrais sindicais, que fazem as suas reivindicações infernizando a vida dos cidadãos comuns, dos turistas e dos que viajam a trabalho. Ao logo do dia, as manifestações (“piquetes”, como os argentinos as chamam) continuam, fechando vias e tornando caótico o já difícil trânsito da capital portenha. A polícia de Buenos Aires garante a livre circulação de militantes, não o direito de ir e vir dos outros cidadãos! É uma polícia a serviço dos novos “donos do poder”. Está a Argentina, como o Brasil, sofrendo com as desgraças do populismo sindical. No nosso país, o suplício dos cidadãos fica por conta de militantes do MST, dos funcionários públicos em greve crônica e, também, dos sequazes marginais do patrimonialismo, os bandidos e narcotraficantes. Tristes momentos estamos a viver na América Latina com esse populismo irresponsável, que eleva tributos sem limite, coopta massas de militantes para mostrar força e desestimula a vida civil organizada das odiadas classes médias. Estamos pagando, com certeza, a conta pelas nossas escolhas erradas.