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sábado, 28 de abril de 2018

DRAMAS DO OCIDENTE PROFUNDO: AS MAZELAS DA AMÉRICA LATINA

Neste conturbado início de milênio uma das características que aparece com maior claridade é esta: a América Latina corresponde ao Ocidente Profundo e ali tem vigência o estado mais agressivo de violência continuada no panorama mundial. 

O panorama é desolador: a América Latina é a área do Planeta onde mais pessoas são assassinadas por ano. Somente no Brasil (para falar da realidade que mais de perto conheço) temos uma estatística alarmante: 60 mil assassinatos anuais. Essa soma equivale a uma guerra de grandes proporções. Como pano de fundo dessa terrível situação que afeta indistintamente ao Brasil, ao México, à Colômbia, à Argentina, à Venezuela, etc., temos um traço cultural comum: o Estado tradicionalmente foi entendido como propriedade de uma minoria que privatizou o poder em benefício próprio, com exclusão violenta do resto. É o perfil do Patrimonialismo, aquela perversa herança ibérica, que nos levou a entender o poder como bem de família a ser distribuído entre amigos e apaniguados, a fim de que estes vingassem como minorias privilegiadas, enquanto a grande maioria ficava do lado de fora dos favores do Estado. O caso mais extremado dessa visão apocalíptica é hoje a Venezuela, literalmente em liquidação pelos corruptos "donos do poder" identificados com os seguidores do Chavismo e do Madurismo.

As últimas décadas assistiram a uma transformação dos parâmetros da violência: ao passo que nos decênios anteriores a divisão entre latino-americanos seguia a pauta das velhas lutas ideológicas que ensanguentaram o século XX, nos últimos quarenta anos essa disputa foi se polarizando ao redor da indústria do narcotráfico que passou a preencher os buracos financeiros deixados com o fim da guerra fria e a queda do Muro de Berlim. As guerrilhas tradicionais do continente sul-americano eram financiadas pelo bloco comunista. Com a dissolução da União Soviética e ao ensejo das reformas modernizadoras empreendidas pelos comunistas chineses sob a batuta de Lin-Xiao Ping, as coisas mudaram de rumo. Os narcotraficantes passaram a ocupar o lugar de financiadores dos grupos armados, como ocorreu na Colômbia ao ensejo da reorganização das FARC, com vistas à tomada do poder no longo conflito dos últimos 30 anos. Dessa transformação não escapou Cuba, com a aproximação das lideranças comunistas desse país em relação aos narcotraficantes. O drama do general Ochoa, fuzilado pelo regime cubano, mostra até que ponto foi profunda dentro da estrutura do Estado essa aproximação. Ochoa caiu quando ficou evidente demais a vinculação do patrimonialismo castrista com os narcotraficantes. Mas a opção pelo financiamento a partir do banditismo dos narcóticos permaneceu firme entre as FARC e outros grupos guerrilheiros colombianos. 

No Brasil, foi aparecendo cada vez mais a incômoda proximidade entre militantes partidários e setores do crime organizado no interior do Estado de São Paulo ou na Baixada Fluminense. O eixo de exportação de narcóticos, no Brasil, ao se deslocar do sudeste do país para as regiões norte e nordeste, carregou consigo o cenário de morte e destruição que hoje afeta as cidades do interior nordestino e da hinterlândia amazônica. Hoje, com o crack presente em 97% dos municípios brasileiros, o aumento da criminalidade está garantido. 

No México, ao longo das últimas duas décadas, revelou-se a capacidade do crime organizado para cooptar setores cada vez maiores da sociedade nos novos cartéis que, como os Zetas, deixavam ver a vinculação com amplos setores da corrupta burocracia estatal. A onda de violência que se alastrou pela América Central revela de que forma esse empoderamento dos grupos narco terroristas no México era capaz de mudar a dinâmica social dos pequenos países centro-americanos, hoje reféns da grande empreitada do tráfico de drogas.

No Brasil, ao longo dos últimos quinze anos, a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder reforçou o velho patrimonialismo que utilizava as benesses do Estado para enriquecimento dos atores políticos, tendo chegado à sistematização dos esquemas de enriquecimento ilícito, com a cooptação das grandes empreiteiras pelo partido do governo, ao ensejo dos episódios do denominado "Mensalão" e da megaoperação de desvio de recursos públicos desvendada pela Operação Lava-Jato. Tudo isso, em lugar de fazer diminuir os índices de violência, levou a que esta crescesse com maior celeridade ao caírem pelo chão as barreiras da moralidade pública. A esquerda literalmente naufragou no Brasil, como explicitou com lucidez um intelectual esquerdista da talha de Wanderley Guilherme dos Santos.

Não assusta, assim, a constatação  da dialética latino-americana entre civilização e barbárie, que o grande Domingo Faustino Sarmiento já evidenciava na sua obra Facundo (1846). Com a predominância, nesta dramática quadra da história latino-americana, da barbárie sobre na civilização. 

Nessa luta, destacam-se pela sua tentativa de consolidar o convívio civilizado e democrático por sobre o pano de fundo da criminalidade e a exclusão latino-americana, o Chile (que conseguiu consolidar e manter a alternância no poder), a Argentina (que com o atual presidente Macri faz as reformas essenciais) e a Colômbia (na heroica luta para derrotar os cartéis do narcotráfico e da narcoguerrilha e os esforços em prol da retomada do desenvolvimento e da reconstrução do tecido social após décadas de conflito). 

quarta-feira, 25 de abril de 2018

LULA (QUASE) FORA DA CADEIA - LIÇÕES

Que a nossa República é o reino da insegurança, prova-o o fato de o Supremo Tribunal Federal, na sessão de ontem da Segunda Turma, ter iniciado o processo que conduz à libertação do Lularápio. É um golpe despudorado nas Instituições Republicanas! A insegurança jurídica campeia perigosamente sobre as nossas cabeças. Ora, ao retirar da alçada do juiz Sérgio Moro o caso do sítio de Atibaia e remetê-lo à Justiça Federal em São Paulo, abre-se a porta para que, mais adiante, o próprio Supremo revise a decisão do juiz de Curitiba que enviou Lula para a cadeia. Um golpe na credibilidade das nossas Instituições!

As reações não têm sido nada tranquilizadoras. Eis o que escreveu a turma jornalística de "O Antagonista" a respeito: "Os advogados do condenado Lula estão como pinto no lixo. José Roberto Bartochio disse a O Globo: 'Toda decisão tomada por um juiz incompetente é nula'. O juiz incompetente é Sérgio Moro; o juiz competente é Dias Toffoli que não conseguiu passar no concurso para juiz em 2 exames".

O Movimento "Vem pra Rua Brasil", por sua vez, manifestou o seguinte na sua conta no twitter: "Que tribunal é esse que nem disfarça mais seu desejo incontrolável de retirar um corrupto da cadeia? Será que alguém no STF está sendo ameaçado? Está sendo chantageado? Por que TANTO ESFORÇO para ajudar um criminoso a escapar da cadeia?"

Estamos nos aproximando perigosamente da venezuelanização da República no Brasil. O dístico da nossa bandeira: "Ordem e Progresso", rapidinho pode ser trocado por: "Bagunça e Retrocesso". As coisas estão mudando tão rapidamente nas últimas horas, que me vejo na obrigação de corrigir as palavras que citei no meu post anterior, relativas ao que escreveu no twitter o príncipe dom Luiz P. de Orléas e Bragança. A correção ficaria assim: "Se tudo correr mal, Lula finalmente não vai entender o que é socialismo. Com ele no poder, nós, cidadãos brasileiros, vamos entender rapidinho e brutalmente o que é socialismo!"



LULA NA CADEIA - LIÇÕES


Gostei de recente post (7 de abril) do príncipe dom Luiz P. de Orléans e Bragança na sua conta no twitter, que reproduzo a seguir: "Na cadeia o direito de ir e vir é restrito, não há lazer, a comida é garantida mas não há opções, não há propriedade privada, não há liberdade de expressão e não há bem estar nem qualquer visão de futuro melhor. Se tudo correr bem Lula finalmente vai entender o que é o socialismo". Brilhante descrição do que é o ideal socialista acalentado por Lula e seguidores. Marasmo total. Dá vontade de chorar. É isso o socialismo.

Lembro-me de que na minha juventude, quando cursava o primeiro ano de Faculdade (na Universidade Javeriana de Bogotá) circulava uma piada a respeito da recente revolução cubana que tinha entronizado o ditador Fidel Castro, que iria se perpetuar no poder até os dias de hoje, com o seu irmão e com o sucessor que acaba de ser eleito por 99,9 % (oh tédio !) dos votos do colégio eleitoral. Um cachorrinho colombiano foi convidado para fazer turismo em Cuba. Tudo ia às mil maravilhas na visita do cão viajante: hotéis baratos, comidinha na hora certa, veterinário de graça, filas ordeiras para comprar tudo, nem faltava a companhia revolucionária das cadelinhas militantes, etc. Passada uma semana, o cãozinho voltou para a conturbada Colômbia. Os coleguinhas do viajante quiseram saber o que tinha achado. Ele contou tintim por tintim as suas aventuras na ilha do Dr. Castro. Mas destacou que preferia a vida na agitada Colômbia. Intrigados, os colegas indagaram o porquê da preferência do cachorrinho. Respondeu: "Não conseguia aguentar a vontade de latir"!

Ora, a delícia do paraíso socialista é cinza demais. Falta a aventura da liberdade, do ir e vir, do protestar, do falar o que bem o freguês entender, do criticar, do participar. Essa é realmente a questão: a falta de liberdade se torna um verdadeiro suplício. As perspectivas da vida humana, sem a liberdade, se tornam sombrias, exatamente como o panorama que espera aos cidadãos no paraíso socialista.

 Eis o que escrevia Alexis de Tocqueville quando na maturidade se deparou com que, na França, após as desgraças produzidas pela Revolução de 1789, a sociedade estava a caminho de novo despotismo que buscava a igualdade sem a liberdade (por volta de 1850): "Só a liberdade pode tirar  os cidadãos do isolamento no qual a própria independência de suas condições os faz viver para obrigá-los a aproximar-se uns dos outros, animando-os e reunindo-os cada dia pela necessidade de entender-se e de agradar-se mutuamente na prática de negócios comuns. Só a liberdade é capaz de arrancá-los do culto ao dinheiro e dos pequenos aborrecimentos cotidianos (...), para que percebam e sintam sem cessar a pátria, acima e ao lado deles. Só a liberdade substitui, vez por outra, o amor ao bem-estar por paixões mais enérgicas e elevadas, fornece à ambição objetivos maiores que a aquisição das riquezas e cria a luz que permite enxergar os vícios e as virtudes dos homens. (...). Eis o que eu pensava e dizia há  20 anos. Tenho de confessar que desde então nada aconteceu no mundo que me levasse a pensar e falar diferentemente. Tendo demonstrado a boa opinião que eu tinha da liberdade num tempo em que alcançou o apogeu, não acharão ruim que nela eu persista quando a abandonam" (Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, 1856).





quinta-feira, 19 de abril de 2018

A PALAVRA DO GENERAL


Foi comemorado hoje o Dia do Exército. E para celebrar essa data neste pequeno espaço, repetirei as palavras do Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, publicadas na conta do Twitter na véspera de o Supremo Tribunal Federal decidir sobre o habeas-corpus pedido pela defesa do ex-presidente Lula. Na citada circunstância, escreveu o General: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais. Asseguro à Nação que o Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". O General Villas Bôas externou o pensamento do Alto Comando do Exército, bem como da cúpula da Marinha e da Aeronáutica. E traduziu perfeitamente a preocupação da maioria dos brasileiros.

Quem está pensando no bem do Brasil não é certamente a esquerda maluca, encastelada na ignorância da legislação vigente e das Instituições republicanas, haja vista o péssimo espetáculo de falta de civismo dado por Lula antes de se entregar à Polícia Federal, se trancando no prédio do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, a fim de pronunciar o seu populista apelo em prol de uma resistência messiânica aos ataques da "direita" e para definir, mais uma vez, a índole totalitária da sua sigla partidária, avessa ao reconhecimento da pluralidade de opiniões e ao respeito à vontade republicana expressa pela boca da Justiça. A grotesca cena de confusão planejada e executada pelos militantes petistas quando da saída do seu chefe do recinto, só conseguiu ser superada pelo carnaval de asneiras e de desrespeito aos cidadãos encenado na praça em frente ao prédio da Polícia Federal em Curitiba. Houve até o chamado da senadora Gleysi Hoffman, pela rede de TV Al-Jazira, à colaboração dos radicais islâmicos para a "libertação" do chefão, passando por cima do mínimo respeito à Lei de Segurança Nacional e se tornando objeto da indignada reação de parlamentares sensatos que já protocolaram denúncia contra a falastrona senadora perante a PGR.

O diretor de redação da Revista Veja, o lulófilo André Petry, por sua vez, não gostou das palavras do general no Twitter e as considerou um "equívoco completo" (Veja, edição de 11 de abril, p. 11). Bom: sabemos que o "equívoco completo" corre tresloucado nas linhas dos amigos e admiradores de Lula, que já viu murchada a sua bola de candidato à presidência nas próximas eleições.

Os brasileiros de bem sabemos quem é quem e quem está do lado das instituições republicanas. Os defensores daquelas não são certamente os petistas e os colaboradores dos mal-chamados "movimentos sociais". Saberemos defender as instituições e a Pátria contra os que pretendem destruí-las. Contamos com os políticos honestos, com a Magistratura e o Ministério Público e com a ajuda do nosso Exército e das demais corporações das Forças Armadas, além das forças policiais. 

Bem definiu a arquidiocese do Rio de Janeiro quem é o defensor das instituições no nosso país quando, numa feliz decisão, providenciou para que, no dia de hoje, o Cristo Redentor fosse iluminado, ao ensejo da comemoração do dia do Exército, com as cores da nossa bandeira!

quarta-feira, 18 de abril de 2018

SEGURANÇA PÚBLICA: O "PLANO COLÔMBIA" E A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO

Cultura e pacificação cidadã. Acima: atividades educativas na Biblioteca Espanha, Conjunto de favelas São Domingos, Medellín - Colômbia, 2007 (Foto: Divulgação, Alcaldía de Medellín). Abaixo: Este cronista, numa tarde de domingo no Parque-Biblioteca "El Tintal", no antigo "Lixão" de Bogotá. As atividades culturais continuadas fizeram com que os antigos catadores se integrassem ao mercado de trabalho e recuperassem a auto-estima (Foto: álbum de família, 2005).



A Intervenção Federal no Rio, decretada pelo Presidente Michel Temer e aprovada pelo Congresso no final do mês de fevereiro de 2018, abriu as portas para a efetivação de um Plano Nacional de Segurança. Isso porque o decreto de Intervenção Federal veio acompanhado da criação do Ministério da Segurança Pública. A decisão foi motivada, inicialmente, pelo aumento expressivo da violência praticada por narcoterroristas no Rio. Mas certamente responde, também, ao fato de que mais de 60.000 pessoas são assassinadas por ano no Brasil, o que nos coloca no topo das nações mais violentas do mundo. A situação é catastrófica. Medidas excepcionais devem ser tomadas em face de problemas igualmente excepcionais. O potencial de violência contra a sociedade civil só tende a aumentar, se levarmos em consideração a disseminação do crack, o refugo mais tóxico da cocaína, em 97% dos municípios brasileiros. Em face dessa realidade, a Intervenção Federal no Rio é a ponta de lança para a implantação de uma Política Nacional de Segurança Pública. 
No ano de 2007, os governadores dos Estados de Minas Gerais (Aécio Neves) e do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral) estiveram na Colômbia, visitando as realizações sociais que, nas cidades de Bogotá e Medellín, tinham ajudado a restabelecer a paz, diminuindo sensivelmente os índices de violência.
No Rio de Janeiro foram empreendidos projetos que se inspiraram nas políticas públicas desenvolvidas nas metrópoles colombianas. As “Unidades de Polícia Pacificadora” implantadas pelo governador do Rio mudaram para melhor o convívio dos cidadãos, em áreas onde antes dominavam os traficantes. Estes tinham constituído redutos onde imperava a vontade dos criminosos com a quase absoluta ausência do Estado. A iniciativa mencionada, contudo, não foi efetivada de forma completa, tendo dado ensejo, assim, a contínuas reclamações de moradores, estudiosos, agentes pastorais, policiais, etc.
Com a finalidade de dar uma contribuição ao debate, desenvolverei aqui dois itens relacionados à política de Segurança Pública que foi implantada na Colômbia entre 2002 e 2012, levando em consideração que se trata de uma solução que deu certo num país que possui muitas semelhanças culturais, econômicas e políticas com o Brasil. Sintetizarei os pontos marcantes do “Plano Colômbia”, como foi denominado pelo presidente Álvaro Uribe Vélez o conjunto de Políticas Públicas de Pacificação implementadas no vizinho país. Esse processo foi objeto do meu livro publicado em 2010 e intitulado: Da guerra à pacificação – A escolha colombiana [1]. Num terceiro item analisarei o que se poderia aproveitar dessa experiência no Brasil de hoje.
Desenvolverei, portanto, os seguintes aspectos:
·                    I- A violência na Colômbia: alguns dados das últimas décadas.
·                    II - Políticas de Segurança Pública em Bogotá e Medellín.
·                    III - A influência da experiência colombiana no Brasil e como poderá ser dinamizada, entre nós, a Política de Segurança Pública.
I - A violência na Colômbia: alguns dados das últimas décadas.
Segundo pesquisa da Universidade de Genebra[2], pelo menos 475.000 civis e combatentes morreram vítimas do conflito armado na Colômbia, entre 1979 e 2005. Os grupos guerrilheiros e paramilitares foram os principais responsáveis pelas mortes de civis. Os paramilitares tiveram grande participação no transporte e distribuição de drogas, enquanto que a guerrilha participou do processo produtivo.
O impacto da violência armada na Colômbia foi tão grande que fez diminuir em até 40 meses a expectativa de vida de pessoas nascidas a partir de 2002. A maior parte das armas que circulavam, no período compreendido entre 1996 e 2006, era ilegal. O número de armas em poder dos particulares, legal e ilegalmente, (sem contar as pertencentes às Forças de Segurança do Estado) era calculado entre 2,3 milhões e 3,9 milhões, o que apresentava una taxa de posse de armas entre 5,05 e 8,42 por 100 habitantes. As estatísticas oficiais indicavam que havia apenas 1,53 armas de fogo legais por 100 habitantes, uma taxa baixa, em comparação com outros países latino-americanos. Os homens constituíam mais de 90% das mortes por armas de fogo. Mais de um terço dessas mortes abarcava homens jovens, entre 20 e 29 anos de idade. Entre 1985 e 2006 houve uma perda de mais de 342.000 anos de vida produtiva no país.
A prática da extorsão mediante seqüestro tornou-se o maior flagelo social. Há quinze anos havia na Colômbia 4.000 sequestrados. A guerrilha das FARC era a grande responsável por esse flagelo: 60% dos seus ingressos provinham dessa modalidade delituosa. Juízes, vereadores, prefeitos, intelectuais, professores, religiosos e jornalistas, profissionais geralmente alinhados com a defesa dos direitos humanos, figuravam entre as principais vítimas da violência armada.
Só para dar um exemplo: nos anos 80 e 90 do século passado, os traficantes assassinaram aproximadamente 200 funcionários públicos ligados ao Judiciário (magistrados, juízes e agentes judiciais), incluindo entre essas vítimas vários membros da Corte Suprema de Justiça e do Conselho de Estado, que foram sacrificados na tomada do Palácio da Justiça em Bogotá, por um comando de guerrilheiros do grupo M-19 pagos por Pablo Escobar, em novembro de 1985. Finalidade desse golpe contra as instituições democráticas: derrubar o Tratado de Extradição firmado entre a Colômbia e os Estados Unidos, que afetava diretamente aos chefões dos cartéis da cocaína. Entre 1984 e 2009 foram assassinados 75 religiosos (2 bispos, 62 sacerdotes, 8 membros de comunidades religiosas e 3 seminaristas). Em 2006, 17 bispos da Igreja Católica recebiam proteção policial permanente do Agrupamento de Segurança Eclesiástica da Polícia colombiana.
II - Políticas de Segurança Pública em Bogotá e Medellín
Apontadas como as cidades mais violentas do mundo, Bogotá (7 milhões de habitantes) e Medellín (2,5 milhões), na Colômbia, transformaram-se em avançados laboratórios para a prevenção da criminalidade, em especial dos homicídios. Apesar de ainda manterem altos níveis de pobreza – cerca de 40% da população — essas duas cidades conseguiram reduzir suas taxas de homicídio em 79% (Bogotá) e 90% (Medellín), entre 1993 e 2007.
Qual foi a estratégia desenvolvida para a redução da violência em Bogotá e Medellín? As principais medidas adotadas foram as seguintes:
1) Com a finalidade de unificar o combate à criminalidade, as reformas constitucionais feitas em 1993 atribuíram aos alcaides (prefeitos) das áreas metropolitanas a missão de coordenar as políticas públicas que visavam à segurança cidadã. O prefeito, nessas regiões, passou a desempenhar as funções de chefe de polícia.
2) A Polícia Nacional experimentou uma forte modernização, bem como a depuração dos maus elementos. Em Bogotá e Medellín foram extintas as bandas podres que davam cobertura aos meliantes. Para se ter uma idéia da profundidade da limpeza efetivada no seio dos organismos policiais, lembremos que somente na capital colombiana, no decorrer de um ano, foram excluídos dois mil agentes. Hoje, a polícia colombiana constitui uma força de 50 mil homens, com formação superior e muito bem treinada, remunerada de forma satisfatória e com armamento moderno. A reforma foi profunda e moralizadora. A população, em contrapartida, passou a confiar mais na corporação policial.
3) As Forças Armadas constituíram duas unidades especializadas [3] de combate urbano e na selva contra focos de narcotraficantes, paramilitares e guerrilheiros, desde início dos anos 90. Essas unidades oscilavam entre 1.000 e 1.500 homens. No caso da pacificação em áreas metropolitanas, entravam em ação a pedido do Prefeito. Os comandantes militares mantinham uma linha de comando unificado com os Prefeitos e Governadores e com o Estado Maior das Forças Armadas. É importante destacar que os projetos de pacificação empreendidos nas cidades de Bogotá e Medellín inseriram-se no contexto mais amplo da estratégia do “Plano Colômbia” (assinado entre Estados Unidos e a Colômbia em 2000), que o presidente Álvaro Uribe Vélez colocou em pleno funcionamento ao longo dos seus dois mandatos, entre 2002 e 2010.
As condições de sobrevivência das instituições do estado democrático de direito eram muito negativas quando Uribe assumiu o poder. A Colômbia estava praticamente dividida em três grandes áreas: no Norte, dominavam os paramilitares. No Centro, o governo mal conseguia governar a região de Bogotá. No Sul, dominavam as FARC. Tratava-se de uma situação de balkanização que ameaçava seriamente a sobrevivência da Colômbia como país democrático. Diante dessa situação extremada, os três ramos do poder público fecharam fileiras ao redor do Executivo. O Legislativo colaborou votando uma legislação que visava dar ao Estado instrumentos para combater o terrorismo das FARC e dos narcotraficantes, com um tratado de extradição de líderes dos cartéis da cocaína habilmente negociado pelos líderes colombianos com os Estados Unidos. [4] O regime penitenciário foi modificado, sendo aplicadas penas mais duras contra os que fossem condenados por crimes de narcoterrorismo. Prisões especiais como a de Cómbita (no Departamento de Boyacá) se tornaram o terror dos meliantes, sem visitas íntimas, sem celulares e sem nenhum outro tipo de regalia. O Judiciário colaborou também, mediante a rápida concretização das novas modalidades de aplicação da justiça (magistrados e legisladores inspiraram-se nas reformas que foram efetivadas na Itália para combater a máfia e o poder dos grupos terroristas, na década de 80 do século passado). Sem essas medidas que comprometeram o alto governo, a política pacificadora dos municípios teria sido insuficiente para restabelecer a tranqüilidade nas áreas metropolitanas. A Igreja Católica, de outro lado, deu a sua contribuição, apoiando de forma clara a política pacificadora posta em execução pelo governo. Isso ficou patenteado nos pronunciamentos da Conferência Episcopal colombiana.
4) Os Prefeitos das Áreas Metropolitanas e os seus assessores passaram a identificar as áreas mais violentas das cidades e a definir as ações que deveriam ser feitas para erradicar os focos de narcotraficantes, paramilitares e guerrilheiros ali instalados. A ação da Força Pública foi rápida e, uma vez desarticulados os focos violentos, a Polícia passou a ocupar, de forma permanente, as áreas que foram objeto da intervenção. Foi garantido, em todas as áreas ocupadas, o policiamento ostensivo.
5) Num prazo de 120 dias, após a erradicação dos focos armados, a Prefeitura entregava à comunidade uma série de obras sociais, que visavam a elevar a autoconfiança dos cidadãos, lhes mostrando, eficazmente, que o Estado veio para ficar e que não os abandonaria. Essa ação de presença do Estado abarcou a instalação dos seguintes itens: posto de saúde, escola municipal, delegacia de polícia, banco popular (denominado de Megabanco, cuja finalidade consistia em fazer empréstimos com juros baixos para pequenos comerciantes e prestadores de serviços), parque-biblioteca com área de lazer (vale a pena lembrar que as construções e as áreas públicas foram desenvolvidas com recursos de última geração em arquitetura e urbanismo) e sistema local de transporte urbano que conectava o bairro com a rede pública.
O eixo principal de transporte de massa em Medellín é constituído até hoje pelo metrô e, em Bogotá, pelo sistema de ônibus em faixa rápida denominado de Transmilênio (que se inspirou na modalidade de ônibus articulado de Curitiba). Como Medellín é uma cidade de relevo irregular, com muitos morros, o sistema de integração dos bairros com o metrô foi o bondinho, com seis linhas que atendem as mais remotas comunidades. Em virtude do fato de Bogotá ser uma cidade plana, o sistema integrado passou a ser a ciclovia (a cidade conta, atualmente, com 480 quilômetros de vias para essa modalidade de transporte, integradas ao Transmilênio).
Salientemos que o sistema de transporte serve às comunidades que buscam os parques-biblioteca, de forma tal que os habitantes dos bairros carentes contam com acesso rápido e barato a essas áreas de cultura e lazer, pois é possível a um passageiro percorrer vários desses lugares com um só bilhete. A ideia dos Parques-Bibliotecas era proporcionar, aos jovens das áreas carentes, oportunidade para que tivessem lazer de qualidade junto às suas famílias, a fim de afastá-los do consumo de entorpecentes. Uma medida que hoje, na Finlândia, está dando certo no combate à drogadição entre adolescentes.
6) Com a finalidade de restabelecer a confiança da população nas autoridades, tanto em Bogotá quanto em Medellín foram ocupados pelo poder municipal os lugares mais problemáticos da cidade. Em Bogotá as ações ocorreram, inicialmente, em três áreas onde o poder público não estava presente e que tinham sido tomadas de assalto pelos marginais: El Cartucho (reduto das FARC, no centro velho da cidade), El Tunal El Tintal (na periferia, sendo que estas localidades tinham virado núcleos maioristas de narcotráfico e outras formas de criminalidade).
Em Medellín foram ocupados, inicialmente, o conjunto de favelas Santo Domingo (na parte leste-norte da cidade, que tinha se convertido em praça forte de guerrilheiros e milicianos), a perigosa Comuna 13 (dominada pelas FARC) e a Comuna 6, (controlada por milicianos e traficantes). Depois de ocupadas as áreas mais problemáticas de ambas as cidades, outras áreas foram objeto da intervenção militar e social, com a criação, em Bogotá e Medellín, de mais parques-bibliotecas, que hoje somam meia-dúzia em cada uma dessas cidades.
7) Todas as obras foram financiadas pelas respectivas Prefeituras, mediante parcerias público-privadas (90% do investimento), ou ajuda internacional (10%). Os empreendimentos sociais chamaram a atenção de governos estrangeiros. Os espanhóis, por exemplo, financiaram integralmente o Parque-Biblioteca Espanha, em Medellín. Nessa mesma cidade, os franceses ajudaram transferindo a tecnologia para os bondinhos que atendem às comunidades carentes e para os veículos leves sobre trilhos que transitam pela área central.
Os colombianos se convenceram de que deveriam pagar pelas políticas de segurança pública: foi criado um “imposto de guerra” para financiar a luta contra o cartel das FARC, que tinha presença em quase todas as regiões do país. Para o financiamento das obras de inclusão social nas cidades, os empresários locais foram chamados a participar em parcerias público-privadas. O prefeito de Medellín em 2007, Sérgio Fajardo, declarava que, para o financiamento das obras de pacificação em Medellín, convocou os empresários que tinham ido morar em Miami e ponderou se não seria mais racional eles colaborarem no financiamento das obras de inclusão que a Prefeitura desenvolvia, a fim de resgatar a paz na cidade. A resposta foi positiva, com a volta de muitos empresários e das suas famílias.
8) Resultados: entre 1993 e 2007 a taxa de homicídios caiu 79% em Bogotá, passando de 80 por 100 mil habitantes para 17. A taxa, em Medellín, caiu 90%, passando de 380 por 100 mil habitantes, para 26. Em 2006 essa taxa era de 21. Além de transporte público e ciclovias, as duas cidades investiram no ensino fundamental, tornando-se epicentros, na América Latina, da idéia de Cidades Educadoras.
Papel importante coube, nesse esforço, à rede de bibliotecas públicas de Bogotá e Medellín (existem 30 delas na primeira cidade e 40 na segunda), e a sua principal finalidade consiste em recuperar o espaço público deteriorado e facilitar a convivência. O impacto visual dessas construções é semelhante ao dos CEUs, as modernas e amplas escolas públicas na periferia de São Paulo, sendo que algumas delas são verdadeiras jóias arquitetônicas, como a Biblioteca Virgílio Barco em Bogotá, ou a Biblioteca Espanha, em Medellín.
9) Essas políticas públicas de ocupação e resgate de áreas marginais foi precedida, em Bogotá e Medellín, pela participação cidadã na luta contra a violência, no movimento cívico “Como Vamos”. Este Movimento surgiu, nas principais cidades colombianas, ao longo da década de 1990, inspirado na resistência cívica dos indígenas contra guerrilheiros e paramilitares. Os habitantes de pequenas cidades do interior não se deixaram intimidar pela extorsão do denominado “clientelismo armado” das FARC.
Essa modalidade criminosa foi amplamente utilizada pelos guerrilheiros para submeter ao seu controle aproximadamente 600 municípios colombianos, ao longo dos anos 80 e 90 do século passado. Os meliantes atacavam a cidade com um forte bombardeio durante a noite. Eram utilizados canhões fabricados pelo IRA (o Exército Republicano Irlandês), que lançavam botijões de gás carregados de dinamite e metralha. Após a noite de terror, os guerrilheiros ocupavam, na manhã seguinte, a praça central da cidade, exigiam a presença do Alcaide (Prefeito) e do seu secretariado e os obrigavam a assinar um documento em que se comprometiam a repassar à guerrilha 10% do orçamento municipal, a título de “segurança democrática”. Se algum Prefeito ousasse se opor à proposta dos guerrilheiros, seria fuzilado diante de todos. Foram vários os funcionários municipais assim sacrificados pelas FARC. Os Municípios chantageados ficavam praticamente nas mãos da guerrilha.
Porém, em alguns municípios de áreas indígenas assaltados pelos guerrilheiros começou a aparecer um fenômeno inusitado. [5] Após a noite de bombardeio, os habitantes, acompanhados do Prefeito e dos seus secretários sentavam-se, desarmados, na praça pública e não falavam uma palavra com os seus agressores. Diante dessa manifestação passiva, que reunia entre 1000 e 5 mil pessoas, os guerrilheiros ficavam sem saber o que fazer. Seria difícil, para eles, assassinar a sangue frio todas essas pessoas (embora, em alguns casos, como em Bojayá, no Departamento de Chocó, nos anos 90, os guerrilheiros tivessem incinerado 300 pessoas indefesas – mulheres, velhos e crianças - que se refugiaram na Igreja da localidade).
A perplexidade que os indígenas produziram nos seus agressores com métodos de protesto à la Gandhi, acordaram o sentimento cívico em outros municípios de maior tamanho, até que essa atitude de luta pacífica se tornou presente nas grandes cidades. Lembro-me de que, após um atentado a bomba que matou várias pessoas, perpetrado pelos terroristas na cidade de Medellín, no “Parque Lleras” num bairro de classe média alta (em 2001), no dia seguinte os jovens voltaram ao mesmo lugar, limparam os destroços e ficaram ali, para passar aos violentos a mensagem de que os cidadãos não se rendiam aos métodos terroristas.
 10) Em meados da década de 90 consolidaram-se os movimentos “Bogotá como vamos” e “Medellín como vamos”. O movimento, nas duas cidades, foi organizado a partir das Câmaras de Comércio. Somaram-se a essa iniciativa as Universidades, bem como algumas Fundações mantidas pela Indústria e a Imprensa. A finalidade do Movimento consistia em fazer um balanço mensal do estado da gestão municipal, levando em consideração a qualidade de vida dos habitantes da cidade, bem como a percepção que eles tinham acerca da gestão urbana. Passaram a ser avaliados, mensalmente, 12 indicadores, a saber: educação, saúde, saneamento básico, habitação, meio ambiente, áreas públicas, transporte público, responsabilidade cidadã, segurança cidadã, gestão pública, finanças públicas e desenvolvimento econômico. Os resultados das avaliações mensais eram divulgados, no final de cada mês, por um jornal de ampla circulação na cidade correspondente (El Tiempo, de Bogotá e El Colombiano, de Medellín).
As avaliações efetivadas pelo Movimento se tornaram pauta para os governantes municipais e para as plataformas dos novos candidatos, dando ensejo à continuidade de projetos, entre uma administração municipal e outra. Passaram a ser eleitos novos atores políticos, desvinculados dos Partidos tradicionais (Liberal e Conservador), provenientes do meio empresarial, operário ou universitário. (Na última campanha presidencial, os ex-prefeitos Antanas Mockus, Sérgio Fajardo, Enrique Peñalosa e Lucho Garzón integraram as duas chapas mais votadas). De outro lado, aumentou a autoestima dos habitantes de ambas as cidades, bem como a participação cidadã.
Movimento Como Vamos passou a ser adotado por outras cidades colombianas, dando ensejo ao Projeto “Rede de Cidades Como Vamos”. No início de 2007, cinco cidades integravam esse Movimento: Bogotá, Medellín, Cali, Barranquilla e Cartagena de Índias.
III - A influência da experiência colombiana no Brasil e como poderá ser dinamizada, entre nós, a Política de Segurança Pública.
Da experiência colombiana, com certeza, podemos tirar algumas lições práticas, em face dos projetos de pacificação denominados de UPPs, no Rio de Janeiro, e que, se forem complementados com as ações sociais que não foram efetivadas, poderão servir de vitrine para projetos de pacificação em outras cidades. Eis as principais recomendações:
1 – Urgência de sanear os organismos policiais, a fim de recuperar a credibilidade deles entre os cidadãos. No Rio de Janeiro, o grande problema ainda existente reside, justamente, na presença da denominada “banda podre” da polícia, que esvazia ações tendentes a erradicar o narcotráfico, beneficiando os bandidos com informações prévias e, o que é pior, achacando-os para favorecer a agentes corruptos, fazendo com que a população passe a desconfiar sistematicamente dos homens da lei. Falhas dessa natureza terminaram por empanar uma ação excelentemente bem planejada, como foi a que se realizou no Complexo do Alemão em 2010.
2 – Necessidade urgente de revisar a legislação existente, a fim de que se assinalem os caminhos pelos quais as Forças Armadas podem participar de ações contra o terrorismo imposto pelo narcotráfico. As condições de luta contra o inimigo mudaram radicalmente no final do século passado e no início deste milênio, com a presença, na atual conjuntura, de novos atores internos, ligados a redes terroristas. Tal é o caso dos narcotraficantes que, pela sua capacidade de fogo e pela mobilidade nas nossas fronteiras e no interior do país, deixaram de ser apenas um inimigo da polícia e se transformaram em núcleos terroristas a serem combatidos com força maior. Ouço de muitas pessoas a seguinte queixa: se as nossas Forças Armadas participam, com eficácia, de ações de combate aos marginais em países como o Haiti, por que não podem fazer o mesmo no nosso país, quando isso se torne necessário? O episódio de ocupação do Morro do Alemão mostrou que a presença das Forças Armadas, em certas circunstâncias, é necessária. Falta, porém, definir, na atual Intervenção Federal, um quadro legal que dê sustentação a essas ações.
Os governos civis que se seguiram ao regime militar não cumpriram a contento com as exigências de vigilância de fronteiras, a fim de coibir a entrada de armas e entorpecentes provenientes dos países vizinhos. No caso das armas, o freio às importações irregulares de armamento moderno proveniente dos Estados Unidos ainda não tem um esquema realmente eficiente.
É essencial, para garantir a proteção de fronteiras, equacionar as medidas essenciais que as Forças Armadas identificaram como urgentes para vigiar a imensa fronteira seca, de 16 mil quilômetros, que separa o Brasil dos seus vizinhos hispano-americanos, notadamente os da área andina, produtores da pasta base de coca. Os repetidos pedidos dos chefes militares no sentido de que se aumentem os recursos para investimento em vigilância de fronteiras, (como os relativos ao projeto SISFRON, do Exército), foram contingenciados de forma criminosa pelos sucessivos governos, especialmente os petistas. Assim, as nossas fronteiras terrestres são mais uma esponja do que uma efetiva barreira para a entrada de armamentos e narcóticos. Nesse mesmo item entra o descaso para com a criação e provimento de pessoal de postos fronteiriços da Polícia Federal, para vigiar os rios amazônicos e outros pontos por onde entram armamentos, entorpecentes e insumos para o refino de cocaína.
3 – Falta definir, no Brasil, uma política de alcance nacional que identifique e equacione o deslocamento interno dos criminosos. Ações tópicas, como as desenvolvidas na última década no Rio de Janeiro (e em outras áreas metropolitanas), conduziram, de fato, a uma interiorização da criminalidade. A zona da Mata mineira, o interior nordestino, o interior amazônico, o interior paulista, o interior paranaense, bem como os municípios interioranos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul têm sido vítimas dessa mobilidade dos narco-terroristas que, combatidos nas áreas metropolitanas, passaram a migrar para áreas menos policiadas. O aumento acelerado do índice de criminalidade causado pela migração dos traficantes de crak e cocaína, nas pequenas e médias cidades do interior brasileiro, mostra que algo há de falho na atual situação das políticas de segurança pública. A fronteira de exportação de narcóticos desde o Brasil transferiu-se, das regiões sul e sudeste, para o Norte e o Nordeste, com a consequente onda de violência em cidades que não tinham infraestrutura de segurança pública.
4 – Na estratégia desenvolvida para aplicar políticas públicas de pacificação em áreas urbanas, é importante levar em consideração que a ação policial tem de estar acompanhada, ao mesmo tempo, das intervenções sociais que visem a devolver aos cidadãos a autoestima. O exemplo de Bogotá e Medellín, nesse aspecto, é fundamental e constitui um caso eficiente de educação para a cidadania a serviço da pacificação. A ação policial, sozinha, não é suficiente para devolver às pessoas o sentimento de segurança. Deve haver um conjunto de ações eficientemente coordenadas, como aconteceu nas cidades colombianas.  A respeito, frisava o prefeito de Medellín Sérgio Fajardo: “As pessoas precisam entender, com estas políticas, que o Estado veio para ficar e para lhes servir”.
5 – É necessária a colaboração efetiva da sociedade civil na concretização das políticas de segurança pública e de pacificação. No que tange à influência do “Movimento Como Vamos” no Brasil, foi criada, em 2008, a Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis. Fazem parte dela: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Holambra (SP), Ilha Bela (SP), Ilhéus (BA), Januária (MG), Maringá (PR), Niterói (RJ), Peruíbe (SP), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA), Ribeirão Bonito (SP), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), São Luis (MA), São Paulo (SP), Teresópolis (RJ) e Vitória (ES).
No âmbito dos países hispano-americanos, a rede “Como Vamos” também recebe o nome de Rede Cidadã por Cidades Justas e Sustentáveis. Integram a rede na América Latina: Barranquilla, Bogotá, Cali, Cartagena e Medellín (Colômbia), Buenos Aires (Argentina), Lima (Peru), Quito (Equador) e Santiago (Chile). Participam dessa rede, também, as cidades brasileiras mencionadas anteriormente.
Essa participação é fundamental, notadamente no terreno do estudo das políticas de segurança, por parte de Universidades e centros de pesquisa. Ainda é modesta a colaboração dos nossos centros de estudos superiores nesse terreno. Em face de uma questão polêmica como a legalização de determinadas drogas, fazem falta estudos que esclareçam a população, acerca da forma em que essas políticas têm sido implementadas em outros contextos (Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Finlândia, Portugal, Espanha e Uruguai), para evitar que soluções inadequadas tornem o problema de consumo de tóxicos ainda mais complexo.
6 – É necessário, outrossim, que todos os poderes públicos, no plano estadual, federal e municipal, bem como as três ramas do poder, executivo, legislativo e judiciário, assumam uma posição coordenada, em face do combate ao narco-terrorismo, de acordo com a defesa do estado de direito e dos direitos humanos. É grave, para a sociedade, a posição díspar dos poderes públicos em face de tão importante questão. A anistia concedida pelo ex-presidente Lula a notório terrorista, já condenado pela justiça de um Estado estrangeiro no qual são respeitados os direitos humanos, constitui um vexame para a opinião pública civilizada e endereça uma mensagem aos terroristas, no sentido de que as nossas instituições toleram esse tipo de crime. Na Colômbia, em face da agressividade do terrorismo, houve uma sintonia dos poderes públicos. Somente assim a sociedade colombiana conseguiu se sobrepor aos violentos, na guerra contra os narcotraficantes.
7 – A sociedade civil precisa se convencer, no Brasil, de que uma adequada política de segurança pública é cara e precisa ter fundos claramente destinados, com duração continuada. Os colombianos pagaram para ter Forças Armadas e Policiais competentes. Hoje elas chegam a um número realmente grande de profissionais da defesa, bem armados, bem remunerados e treinados, que chega perto dos 400.000 efetivos, incluindo os 50.000 membros da Polícia Nacional. A Colômbia organizou o maior exército das Américas, depois do norte-americano. Um “imposto de guerra” foi aprovado no início da década passada para cobrir os gastos necessários. Os fundos são geridos com transparência mediante a vigilância continuada da “Fiscalía” (que na Colômbia desempenha as funções do Ministério Público). As Forças Armadas colombianas, no contexto do “Plano Colômbia”, passaram a dispor de apoio satelital americano para garantir a vigilância de fronteiras, bem como a segurança interna. E contam com armamento de última geração como os helicópteros de combate Black Hawk. Se destacam, no que tange às aeronaves de combate, os Tucanos T29 brasileiros, aparelhados com aviónica israelense.
8 – Um item mereceu especial dedicação na Colômbia, tanto de parte do governo central, quanto dos governadores e prefeitos: a instauração de uma rede nacional e local de inteligência a serviço da Polícia Nacional e das Forças Armadas. Os golpes espetaculares desferidos pelo Exército colombiano e pela Polícia contra os guerrilheiros das FARC, nas últimas duas décadas e meia, são fruto da paciente organização das redes de informação no seio do Estado colombiano. É inconcebível que a polícia de um importante Estado brasileiro como o Rio de Janeiro não tenha aplicado em políticas de inteligência praticamente nada ao longo dos últimos anos. Os meliantes, decerto, estão muito mais informados do que as forças da ordem. Nesse ponto, a atual intervenção federal no Rio trabalha certamente com muito cuidado. O serviço de informações é, na guerra contemporânea contra o narcoterrorismo urbano, um item de primeira necessidade.
9 – É inaceitável que, no Brasil, os marginais do PCC e de outras siglas sanguinárias sejam os que efetivamente controlam os presídios. Uma ação forte e rápida de inteligência e de repressão deve ser deslanchada pelas Forças da Ordem para tolher o abuso praticado pelos criminosos no sistema prisional brasileiro. Uma organização criminosa como o PCC tem bala na agulha: constitui, em rendimentos anuais milionários, a 6ª “empresa” brasileira, por cima da Volkswagen. Isso é fruto do descaso das autoridades em face do sistema prisional e do combate ao crime organizado. Uma ação complexa de inteligência é necessária para desmontar essa empresa da morte e retornar para o Estado o controle eficaz das prisões. A legislação penal deve também ser revisada. O regime de progressão de penas no Brasil é muito benéfico para os criminosos, que se beneficiam, também, com a retórica pseudodemocrática dos defensores dos direitos humanos, que num suicídio cultural só olham para os bandidos sem enxergar os direitos tolhidos dos cidadãos pela marginalidade. A reformulação do sistema prisional é urgente. Como urgente é também o plano para dotar de recursos necessários a renovação nessa área.
10 - Por último, levando em consideração que já há várias cidades brasileiras que integram a experiência iniciada na Colômbia com o Movimento “Como Vamos” (Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis), seria interessante que houvesse eventos que avaliassem essa experiência e divulgassem os resultados obtidos, a fim de que essas realizações pudessem servir a outras cidades preocupadas com as questões da segurança pública. Alguma entidade de alcance nacional (como a Confederação Nacional do Comércio, por exemplo), poderia, com a colaboração dos Ministérios da Segurança Pública e das Cidades, se tornar a força aglutinadora das experiências urbanas em relação ao movimento “Como Vamos”. A questão do consumo de entorpecentes por parte dos jovens tem sido levantada no seio do Movimento “Como Vamos”, na Colômbia, tendo chegado as lideranças cívicas a assinalar saídas para esse problema, tanto na prevenção do consumo com campanhas de comunicação que alertam para o perigo das drogas, como na revisão dos índices de tráfico e micro tráfico de drogas nos bairros.

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Endereços na web do Movimento “Como Vamos”, em algumas cidades brasileiras e colombianas:

www.nossasaopaulo.org.br [atualmente está fora do ar]











[1] VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Da guerra à pacificação – A escolha colombiana.  Campinas: Vide Editorial, 2010, 165 p.
[2] Cf. “As múltiplas caras da violência armada”, pesquisa divulgada em abril de 2006 pelo Centro de Recursos para Análise de Conflitos (CERAC) e Small Arms Survey (projeto de pesquisa independente da Universidade de Genebra, na Suíça).

[3] As duas Unidades Especializadas das Forças Armadas colombianas eram a AFEUR (Agrupación de Fuerzas Especiales Antiterroristas Urbanas) com 14 Unidades distribuídas no Território Nacional e aproximadamente 450 homens e o GAULA (Grupo de Acción Unificada por la Libertad Personal), com 21 Unidades, 253 oficiais e 944 homens. Um intenso trabalho de inteligencia precedia a qualquer ação desses agrupamentos de Forças Especiais. O primeiro agrupamento visava ações anti-terroristas e o segundo se focava nos seqüestros de pessoas.
[4] O Tratado de Extradição contemplava a prisão, em penitenciárias americanas, dos traficantes que liderassem a exportação de entorpecentes, notadamente cocaína e heroína, para os Estados Unidos. A Colômbia deixou claro, nas negociações, que um tratamento eficaz contra a violência do narcotráfico deveria incluir este item. A colaboração da agência americana antidrogas, a DEA, foi decisiva na eliminação em Medellín, em 1993, de Pablo Escobar.
[5] Convém esclarecer que, na Colômbia, como em outros países da América espanhola, os indígenas conservaram a sua autoridade local, elegendo o Prefeito que por sua vez indica os seus secretários dentre os habitantes do município. Nessas regiões (que o direito espanhol denominava de Resguardos), também passaram a ser eleitos deputados estaduais e federais, bem como alguns senadores, segundo a nova Constituição colombiana que foi aprovada em 1991.