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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

ANTÔNIO PAIM - COMPETIÇÃO ELEITORAL NA RÚSSIA

"Leviatã", tela do pintor espanhol Goya (1812). Símbolo do gigantismo estatal patrimonialista.

É divulgado, a seguir, mais um significativo estudo do professor Antônio Paim, acerca das possibilidades de consolidação de uma abertura para a saída do Patrimonialismo na Rússia, mediante o reforço de Partidos situados à direita do espectro político. O velho centralismo grão-russo parece que ainda é a grande dificuldade.

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A industrialização da União Soviética levaria os responsáveis pela planificação a se apropriar  das técnicas utilizadas no Ocidente para promover projeções consistentes relativas à evolução da demanda. Assim, enquanto a ortodoxia desprezava a existência de ciência econômica ocidental (isto é, conhecimento comprovadamente isento de ideologia), os planejadores trataram de aprender a utilizar técnicas de gestão produzidas pelo keinesianismo e mesmo procedimentos desenvolvidos por multinacionais ocidentais. E, assim, emergiu uma corrente liberal em economia. (1)
        Entretanto, nada de parecido ocorreria em matéria política. A ortodoxia desqualificava sistematicamente, como achando-se a serviço da burguesia internacional (portanto dos inimigos figadais da experiência soviética), especialmente as doutrinas liberais mas igualmente a vertente consolidada no Ocidente do socialismo democrático. Deste modo, quando se deu o fim da União Soviética, as correntes políticas mais fortes seriam aquelas bafejadas pelo poder central e remanescentes do Partido Comunista.  

        Decorridos vinte e cinco anos dessa experiência e tais correntes permanecem como as forças dominantes na Duma (Parlamento).

        Num quadro destes, corresponderia a grande progresso o simples estabelecimento de condições favoráveis à competitividade entre correntes. Mesmo essa simples pretensão não está sendo de fácil concretização dado o poder catalisador da milenar tradição de forte governo central. Sem embargo de que hajam sido efetivadas tentativas de criação de organizações partidárias de inspiração contrária à dominante. Cumpre portanto avaliar as reais possibilidades de que se criem, na Federação Russa, condições favoráveis à consolidação de competição eleitoral.
      
                       Resultados Eleitorais

       Das eleições parlamentares de 2011 resultou a seguinte composição da Duma:

                                    Partido                       Cadeiras   %
                                  Rússia Unida                   315          66
                                  Comunista                          57         13
                                  Liberais Democratas          40           9
                                   Rússia Justa                       38           8
                                      Outros (1)                             --            4
                                          Total                         450         100
                                  (1) Agremiações que não alcançaram 5%.
    
      As eleições presidenciais dão-se de modo autônomo. As últimas realizaram-se em 2012, apresentando os seguintes resultados:
         
                    Partido           Candidato                     Votos
                                                                                   milhões  %
                    Rússia Unida    Vladimir Putin                45,0      63,6%
                    Comunista       Guennadi Ziuganov         12,3       18,3  
                    Independente  Mikhail Prokhonov             5,7        7,9
            Liberal Democrata   Vldimir Jirinovski             4,5        6,3
                    Rússia Justa      SergueiMironov                2,8        3,9
                                                     Total                        70,6     100,0

        Onze candidatos não obtiveram registro
   
      Em abril de 2012 foram radicalmente simplificados os procedimentos para criação de partidos políticos. O número de eleitores que deve instruir o pedido foi reduzido de 40 mil para 500. Novidade então introduzida diz respeito à possibilidade de registro político para movimentos sociais. O governo criou a Frente Nacional Popular que passará a atuar conjuntamente com o Partido Rússia Unida, que, como se indicou, detém maioria na Duma. Essa Frente, por sua vez, congrega diversos movimentos inclusive sindicatos. A manobra parece consistir em abrir caminho para a reconquista da maioria de dois terços, que vigorava antes da eleição de 2011.

          Caracterização das agremiações

      Rússia Unida é a denominação da agremiação governamental. O Partido Comunista proclama-se herdeiro do antigo PCUS, inclusive do stalinismo, bem como adepto do marxismo leninismo. Entretanto, seu líder (Guennadi Ziuganov; nascido em 1944)) aboliu da doutrina o ateísmo e aproximou-se da Igreja Ortodoxa Russa. Surgiu também uma espécie de dissidência comunista. Temos em vista a auto-denominada Patriotas da Rússia. Surgiu em 2005 com a pretensão de alcançar a “união de todas as forças da oposição do país sob a bandeira do patriotismo, com base nas teses socialistas, social-democratas e centristas”. Nas eleições anteriores, obteve menos de 1% dos votos e não conseguiu representação no Parlamento. Vale a pena detalhar o que pretende efetivamente: nada mais nada menos que a reestatização das empresas que considera “ilegalmente privatizadas”. É elucidativo indicar a origem de seu artífice e fundador (Guennadi Semiguin): deputado integrante da bancada comunista. Era dirigente de empresa estatal.

       Embora não deva ser surpreendente a presença, na Federação Russa, de saudosistas do regime comunista, depois de 70 anos de União Soviética, certamente não se pode acalentar nenhuma esperança de que possam, de algum modo, contribuir para a diversificação do quadro político.

       Vejamos como se caracterizam as demais organizações partidárias.

       Além das citadas (Liberais Democratas e Rússia Justa), concorreram ao pleito outras organizações que não conseguiram os 5% exigidos pela legislação a fim de que alcançassem o direito de representar-se no Parlamento. Figura, nessa lista, Partido Social Democrata, criado por Mikhail Gorbachov, em 2001. Corresponde à fusão das diversas agremiações existentes com esse nome. Apesar de que tenha alcançado a adesão de doze mil membros ativos, não conseguiu assento no Parlamento. Gorbachov afastou-se em 2004, à vista de que o presidente em exercício (Konstantin Titov) tivesse firmado acordo para apoiar o partido governista (Rússia Unida). No Leste Europeu, em geral --e provavelmente também na Federação Russa--, essa opção pela social democracia não tem revelado a compreensão de que envolve o abandono da utopia da sociedade sem classes e, mais relevante, a adesão  à economia de mercado. Na prática, tem sido entendida como forma (moderada) de preservar o controle do Estado sobre a economia.

      Segue-se agremiação que porta esta estranhíssima denominação: Partido Nacional Bolchevista. Mereceria a caracterização de parte de conhecido escritor francês, Emmanuel Carrère, na obra intitulada Limonov, nome da personagem que a lidera. Ao tempo em que documenta o alto grau de liberdade alcançada pelo país desde Gorbachov, Carrère retrata  a perplexidade que se tem apoderado de contingentes expressivos da população(e não só entre os jovens) diante da novidade representada pelo consumismo. A propaganda soviética mascarou amplamente o grau de pobreza a que o país viu-se então arrastado e da generalizada escassez de produtos de consumo de massa, como se dava no Ocidente.

        O  Partido Liberal Democrata da Rússia obedece à liderança de Vladimir Jirinovski (nascido em 1946), personalidade extremamente controvertida, porquanto em tempos eleitorais aparece como opositor do governo, passando a bancada parlamentar eleita a apoiar as políticas governamentais, na maioria dos casos. De certa forma, esse comportamento explica-se pela circunstância de que considera os Estados Unidos como inimigo da Rússia, no fundo, saudosista dos tempos da guerra fria, o que o leva a secundar a ação do lobby norte-americano em favor de sua restauração. Analistas explicam essa aparente contradição pelo nacionalismo extremado que revela cotidianamente.

      Tem se candidatado à Presidência da Federação Russa, alcançando votação expressiva em alguns pleitos, embora muito oscilante, como se indica a seguir: eleições de 1991, 6,2 milhões de votos; 1996, 4,3 milhões; 2000, 2,0 milhões; 2008, 7,0 milhões (9,5% do total).

       A opção pelos Liberais Democratas, originária da Inglaterra, deve ter resultado de que, tendo como agremiação mais destacada o Partido Liberal do Canadá (maior agremiação política do país que, entre outras coisas, vem de ganhar as eleições de 2015, no embate com os conservadores, há dez anos no poder) tem assegurada certa visibilidade generalizada. Assim, criou organização internacional que parece muito atuante. Vale dizer: deve tratar-se de uma opção fortuita porquanto sendo o nacionalismo o grande vetor, nada seria mais incompatível com uma opção liberal que o alheamento da característica central de nossa época: a globalização.

      Os próprios analistas russos são os primeiros a reconhecer que não se trata de nenhuma escolha de caráter ideológico. É opinião difundida de que os seus eleitores “se sentem atraídos pelo carisma de seu principal líder: o populista, demagogo e brilhante orador Vladimir Jironovski. Ele é capaz de angariar votos de protesto e convertê-los em lugares no Parlamento --no entanto assim que tomam posse, os integrantes da sigla assumem uma posição de apoio total ao governo.”

       O aparecimento dessa corrente na Inglaterra resultou da hegemonia no Partido Trabalhista, na década de oitenta, da esquerda radical, enfrentada e fragorosamente derrotada por Margareth Thatcher. A mencionada hegemonia provocou uma grave crise no trabalhismo inglês pelo fato de haver, em Congresso Extraordinário, realizado em 1981, retirado à bancada parlamentar a prerrogativa de escolher o líder, candidato a tornar-se Primeiro Ministro. A atribuição passou a conferência específica onde as Trade Unions teriam poder decisório. A decisão provoca o afastamento da corrente liderada por David Owen, que então fundou o Partido Social Democrata. Seria com essa nova agremiação que o Partido Liberal fundiu-se em 1988, dando origem ao Partido dos Liberais Democratas.

       No Parlamento Europeu essa vertente acha-se representada pelo Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformadores (sigla européia ELDR), que detém pouco mais de dez por cento das cadeiras. A principal liderança é exercida pela agremiação inglesa. Aderentes dos outros países são os Partidos Liberais tradicionais, a exemplo do Partido Liberal Alemão.

        Quanto à Rússia Justa consiste de partido criado pelo governo, tendo apoiado a candidatura de Medevedev (2008). Adiante passou à oposição. Apresenta-se como social democrata de tendência moderada. Faz parte da Internacional Socialista. Como foi indicado, concorreu com candidato próprio às eleições presidenciais de 2012 (candidato Serguei Mironov).

                          Evidências da caracterização
                                 precedente

         Qual seria,  a nosso ver, o traço comum a esse conjunto de partidos políticos? Parece-nos que gravitam em torno do poder central, isto é, não correspondem de fato a organizações concorrentes, com propostas diversificadas.

          Louvando-nos da experiência disponível na matéria (basicamente ocidental), o capitalismo é que se tem revelado como ingrediente capaz de promover a diversificação dos interesses. Com a Revolução Industrial, a própria elite dirigente (formada a partir da propriedade agrícola) vai defrontar-se com setor disposto a enfrentar o seu monopólio da representação política e conquistar espaço independente (Reforma Eleitoral Inglesa de 1832). A hipótese de que os trabalhadores urbanos, surgidos com a mencionada Revolução Industrial, não tinham interesses próprios --e se lhes fosse franqueado o direito e voto iriam marchar a reboque da monarquia--, seria desautorizada pelo comportamento das Trade Unions na segunda metade do século XIX (na primeira metade ocuparam-se de quebrar máquinas, em defesa da manufatura, sendo reprimidos e derrotados pelo curso histórico). E assim sucessivamente até que se chegou ao sufrágio universal.

       O segundo traço característico dessa experiência corresponde ao aprendizado de identificar-se com as propostas políticas que, de algum modo, correspondessem ao interesse dos novos grupos sociais emergentes. A difusão da propriedade (e também da melhoria dos rendimentos do trabalho), progressivamente iria levar os grupos sociais emergentes a identificar o grande inimigo comum: o imposto, os gastos públicos. Desse ponto de vista, a relação gastos públicos/PIB na Federação Russa é alta: 42,5% do PIB (Estados Unidos, 35,7% em 2014).

        Dispomos de várias indicadores do desenvolvimento capitalista da Federação Russa. Vale dizer: do lado da sociedade constatam-se melhorias flagrantes dos padrões de renda e da emergência de afluente classe média, inexistente no passado histórico da Rússia. Citemos alguns exemplos: renda per capita da ordem de US$ 20 mil anuais (OCDE, US$25,9 mil); nível de emprego das pessoas entre 15 e 64 anos de idade: 6,9% (OCDE, 6,5%); 94% dos adultos completaram a educação secundária (OCDE, 65%). A taxa de desemprego é bem mais favorável que a da Europa Ocidental, concorrendo com os resultados alcançados presentemente pelos Estados Unidos (2015, 5%): Federação Russa: 2014, 5,8%. São equiparáveis o número dos que vivem abaixo da linha da pobreza (Federação Russa, 11%), se bem que os padrões ocidentais são muito mais elevados, isto é, os pobres norte-americanos têm padrões de vida e renda de setores da classe média brasileira.

       Naturalmente nem todos os indicadores são equiparáveis. A diferença de níveis de remuneração ainda permanece muito alta. Entre os russos, os melhor remunerados ganham em média oito vezes mais que os de menor remuneração. Em compensação, a participação eleitoral é bastante satisfatória (65% nas últimas eleições; OCDE, 68%).

       Para completar a informação: a Federação Russa, segundo o Censo de 2010, tem 143 milhões de habitantes; previsão do PIB para 2015, US$3,6 trilhões.

       Na caracterização precedente deixamos de focar ao movimento capitaneado por Mikhail Prokhonov, pela circunstância de que destoa integralmente do conjunto, sendo uma proposta abertamente concorrente à política dominante, liderada pelo Kremlin e pelo Partido Rússia Unida. Explica-se a precaução pelo fato de que tenha obtido apenas 8% dos votos; seu líder está longe de ter o perfil de um dirigente político típico (trata-se de grande empresário), a par de que os analistas não lhe apontam melhores perspectivas. Com essa ressalva, procedamos ao registro das indicações disponíveis.
        O candidato presidencial Mikhail Prokhonov aparece, nos resultados eleitorais (oficiais) como “independente” mas na verdade tem o patrocínio do Partido Causa de  Direita. Prokhonov é Presidente do grupo Onexim (fundo de  investimento privado no valor de 19,5 bilhões de dólares). O grupo empresarial que lidera compreende uma das maiores mineradoras do país (Polyus Goild). Em seus negócios imobiliários andou às voltas com a família Safra no Brasil. É classificado como o 24º homem mais rico do mundo (2008).

         Com esse perfil bilionário certamente não faz o gênero do líder político. Pode talvez vir a ter sucesso se constituir uma equipe que venha a adquirir perfil eleitoral e apresente plataforma política exeqüível e atraente.

          Analistas russos entendem que a proposta eleitoral da Causa de Direita não é popular entre a população porquanto apresenta-se como se pretendesse angariar o apoio apenas do empresariado. Advoga a liberdade para se fazer negócios, a retração do papel do Estado nos assuntos econômicos, a aposta em suas próprias forças e não na ajuda do Estado. Tem angariado apoio entre representantes da classe média (em formação) e empresários de pequeno porte. Parece-lhes que esse grupo abstinha-se da participação eleitoral ou votava com o governo. Dificilmente corresponderiam a segmento relevante do eleitorado. Eventual sucesso exigiria a capacidade de   angariar outros apoios, o que provavelmente requer prazos algo dilatados.

          Causa espécie a completa ausência no debate político da figura dos entes federativos. Formalmente, existe a Assembléia Federal (pela Constituição e 1993 substituiu o antigo Soviéte Supremo dos tempos do comunismo). Na prática, está longe de ser, de fato, Câmara Alta com papel relevante na elaboração legislativa. Deve haver problemas no relacionamento federativo como se pode deduzir do conflito com a Chechenia. Agremiação política que pretenda de fato diferenciar-se do que seria do interesse político do Kremlin, certamente teria que ter uma política federativa diferenciada.

          Outra componente da proposta política concorrente deveria ser o processo de constituição do Welfare, que inexistia sob os soviéticos. A julgar pelas indicações tornadas públicas pelos seguidores de Yegor Gaidar, têm claro as diferenças entre os sistemas europeu e norte-americano, este  baseado em dois pontos de apoio: rendimento mínimo de caráter universal, sustentado por imposto, seguindo-se os Fundos de Pensões que asseguram a manutenção dos padrões de vida alcançados pelo trabalho, no curso da existência, mas da responsabilidade individual. Na Federação Russa funcionam Fundos de Pensões, mas o debate sistemático dos avanços (e dos problemas emergentes) não se torna público.

         Deste modo, limitadas as propostas da Causa de Direita às apontadas, dificilmente produzirá alterações como as requeridas pelo atual panorama político vigente na Federação Russa.

NOTAS
(1) Antonio Paim - Emergência na Rússia de corrente liberal em economia.   
   Pensadordelamancha.blogspot.com.br
                                                                                  


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