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terça-feira, 2 de julho de 2013

MAIS DO MESMO OU O PLEBISCITO DA DILMA



Dizia Benjamin Constant no seu clássico livrinho Princípios de Política que as ideias têm consequências. Uma defeituosa definição do que é democracia, por exemplo, pode nos conduzir ao contrário do que pretendemos e dar ensejo ao despotismo. Em momentos de grande turbulência social, faz-se necessário lembrar o sentido das palavras. É o que Constant pretendia fazer com o seu livro, que foi redigido ao ensejo das tensas jornadas que preencheram os “cem dias”, aquele período em que o Imperador Napoleão, deposto e preso na Ilha de Elba, fugiu do seu cativeiro e deu a volta por cima, voltando ao poder. Silvestre Pinheiro Ferreira, o nosso bravo pensador do liberalismo no início da trajetória do Brasil independente, fez algo semelhante entre 1813 e 1819, ao redigir as suas Cartas sobre a revolução brasileira, dirigidas a Dom João VI, nas quais, à maneira de Constant, fixava o sentido exato das palavras e elaborava a proposta que deu ensejo à passagem da monarquia absoluta para a constitucional.

Nos atuais momentos de confusão tanto nas ruas quanto nos gabinetes oficiais, é imprescindível que nos tomemos o trabalho de definir claramente as ideias. A primeira coisa consiste em identificar os modelos de governança que estão sobre o tapete. Dois arquétipos, a meu ver, contrapõem-se subliminarmente na presente conjuntura. O primeiro, inspirado em Jean-Jacques Rousseau, entende o poder como questão de unanimidade e a política como a forma de tornar realidade esse ideal. Nesta proposta não há limites para a soberania do povo, que seria absoluta. 

O segundo, inspirado em John Locke, entende o poder como dissenso necessário entre os vários tipos de interesses presentes na sociedade, para, a partir daí, construir as instituições num grande processo de consensos. A questão da soberania do povo é limitada à representação dos seus interesses materiais no Legislativo. Mas a soberania tem limite e não pode açambarcar a totalidade da vida das pessoas. Os estudiosos filiam o primeiro modelo a Platão e à sua tentativa de construir a pólis com fundamento na unanimidade, a ser implantada pela ação reguladora do rei filósofo. O segundo modelo estaria mais do lado de Aristóteles e da política do possível na politéia, que buscava o justo meio, na estruturação de uma denominada pelo Estagirita classe média.

Ora, para Rousseau a “felicidade geral da nação” depende da construção da unanimidade e do banimento do dissenso. É sabido que tal modelo inspirou a grande tsunami dos tempos modernos, a Revolução Francesa, com a sua sequela de terror e de cabeças cortadas com eficiência pela guilhotina. Tal é o modelo de que se louvaram as várias revoluções populares levadas a efeito pelos bolcheviques na Rússia e pelos comunistas na China e alhures, ao longo do século XX. É o arquétipo que encantou aos petistas e que, no âmbito latino-americano, tomou carona na “revolução bolivariana” do finado coronel Chávez, na Venezuela. Diante do clamor das ruas, a presidente Dilma, seguindo a pauta traçada pelo diretório petista, apresenta mais do mesmo que o PT tem dado aos brasileiros ao longo da última década: a hegemonia partidária, construída em assembleias sem fim que já chegam votadas pela militância e em discussões que propõem o plebiscito que dará origem a todos os entendimentos de que o país carece.

Ora, sabemos sobejamente que o que o governo propõe é farinha do mesmo saco de evidências totalitárias. Os espíritos que buscam a unanimidade propõem sempre essa tal consulta popular, como na Cuba de Fidel ou no Segundo Império francês presidido pelo corrupto Luís Bonaparte, que se tornou eficiente administrador de “plebiscitos” ou “consultas diretas à população”. O próprio Rousseau, aliás, no oitavo capítulo do seu Contrato Social, assinalava o caminho das pedras para a conquista da unanimidade: a consulta plebiscitária, na qual, o Legislador que governa, mediante perguntas habilmente formuladas, consegue que o povo diga o que ele quer. Como a convicção fundamental é a de que o melhor para todos consiste na unanimidade ao redor de quem governa, qualquer meio para conseguir esse estado de entropia coletiva é válido: desde o terrorismo de Estado até o plebiscito.

Não nos enganemos. O que os milhares de jovens e cidadãos de todos os matizes disseram nas ruas na última semana de Junho é que estão cansados da monocórdia proposta petista de buscar, em tudo, a hegemonia partidária, colocando o Brasil como simples apêndice do PT. O que o milhão e meio de brasileiros que se manifestaram queriam era o fim da hegemonia partidária, bem como a busca por um entendimento real entre os variados interesses que compõem a Nação brasileira. Ou o governo da presidente Dilma realmente escuta a voz dos cidadãos deste país ou abrirá a porta para um clima de instabilidade ainda pior.

É claro que no núcleo duro do PT já está pronta a saída se as coisas não derem certo: Lula já! Mas será que os alquimistas do Partido já chegaram à convicção de que esse medicamento, pior do que a doença, é o que a sociedade brasileira quer?

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