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segunda-feira, 10 de maio de 2010

SIR ISAAC NEWTON (1642-1727): A AXIOMATIZAÇÃO DA MECÂNICA NUMA PERSPECTIVA CINEMÁTICA

Embora Newton não tivesse sido um filósofo, no entanto a sua obra, no terreno da física e da matemática, impactou de tal forma a filosofia, que levaria a uma reformulação da Teoria do Conhecimento no contexto da perspectiva transcendental, abandonando de vez a antiga perspectiva realista. Dois pensadores do século XVIII desincumbiram-se dessa tarefa: David Hume e Immanuel Kant. Por este motivo, vale a pena estudar os aspectos básicos da vida e da obra de Newton.


Isaac Newton nasceu em Woolsthorpe, condado de Lincolnshire, Inglaterra, em 1642. Ainda criança perdeu o pai, tendo-se casado a sua mãe, em segundas núpcias, com um pastor. Com 18 anos de idade, ingressou na Universidade de Cambridge. Ali trabalhou ao longo de sua vida. Em 1665 colou grau de Bacharel of Arts and Sciences, tendo-se doutorado em física e matemáticas em 1668. Com a idade de 26 anos começou a sua carreira de catedrático na Universidade. Com motivo da peste negra, que assolou a Europa em 1666, o nosso autor teve de se refugiar na sua casa, na zona rural de Woolthorpe, durante vários meses, tendo aproveitado o tempo para iniciar as suas pesquisas científicas.

Hugh Mattew Lacey sintetiza assim as atividades de Newton ao longo deste período: “Newton desenvolveu o teorema do binômio, que ficaria conhecido pelo seu nome, e o método matemático das fluxões, que originaria o cálculo infinitesimal e integrado, considerado a mais importante inovação da história da matemática, desde os gregos antigos. O método das fluxões considera cada grandeza finita como engendrada por um movimento ou fluxo contínuo, tornando possível calcular áreas limitadas, total ou parcialmente, por curvas, bem como os volumes das figuras sólidas. A essas duas contribuições seguiram-se duas outras, concebidas também, nos aspectos essenciais, no retiro forçado em Woolthorpe: uma teoria sobre a natureza da luz e as primeiras idéias sobre a atração gravitacional. A primeira mostra que a luz branca é constituída pela união das chamadas sete cores fundamentais do espectro. A segunda explica que a Lua mantém-se em órbita graças à força gravitacional” [Hugh Mattew Lacey, “Newton, vida e obra”, in: Sir Isaac Newton, Princípios matemáticos da filosofia natural – Trechos selecionados. Tradução de Carlos Lopes de Mattos e Paulo Rubén Mariconda, São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 144].

Em 1672, Newton foi eleito membro da Royal Society.  Três anos depois, enviou a essa academia as suas anotações sobre a reflexão e as cores da luz. Em 1685 apresentou à Royal Society os dois primeiros livros da sua obra principal, os Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, que foram publicados dois anos depois. Em 1689 Newton foi eleito para o Parlamento como deputado pela Universidade de Cambridge. Em 1703 foi eleito presidente da Royal Society. No ano seguinte, publicou o seu tratado de Óptica. Recebeu o título de Cavaleiro de mãos da rainha Ana da Inglaterra, em 1705. Faleceu em Londres, em 1727.

As obras mais significativas de Newton foram as seguintes: Método de Fluxões (1671), Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (1687, publicado em inglês em 1729), Óptica (1704), Arithmetica Universalis (1707). Obras de Newton publicadas postumamente: Cronologia dos Antigos Reinos (1728), O Sistema do Mundo (17028), Observações sobre as Profecias de Daniel e o Apocalipse de São João (1733).

Principais elementos da física newtoniana.

Poderíamos sintetizá-los em 13 pontos:

1 - Newton deitou as bases da física moderna, que tinha sido esboçada por Galileu. O sábio inglês efetivou a axiomatização da mecânica. É bem verdade que não da forma de um sistema não contraditório de proposições. Mas, certamente, no sentido de um conjunto de proposições evidentes (ou que julgamos aceitáveis), precedidas por uma série de definições básicas, em virtude das quais os termos utilizados nos axiomas ganham o seu sentido, sendo que daí pode ser deduzido o conjunto da mecânica.

O pensador achava-se diante de um amontoado enorme de conceitos e de princípios, que configuravam um caos epistemológico. Newton introduziu ordem e coerência nesse contexto, tomando como inspiração Os Elementos de Euclides. Os estudiosos consideram que a construção newtoniana não é tão aprimorada quanto a euclidiana. No entanto, cabe-lhe o inegável mérito de ter sistematizado, com simplicidade e elegância, os princípios básicos da física moderna.

2 - Os princípios da física newtoniana são constituídos pelos três axiomas ou leis do movimento, que podem ser sintetizados da seguinte maneira: Primeira lei do movimento (denominada também de princípio da inércia): todo corpo persiste no seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme, enquanto não for obrigado, pela ação de forças, a modificar esse estado. Segunda lei do movimento: a mudança da quantidade de movimento é proporcional à força motriz que age e é produzida seguindo a linha reta na a qual a força trabalha. Terceira lei do movimento: toda ação é acompanhada de uma reação do mesmo tamanho e de direção oposta.

3 – Das três leis do movimento Newton tira os seguintes postulados: Princípio da conservação da quantidade de movimento: num sistema fechado, a quantidade de movimento total é constante. Princípio da relatividade da mecânica clássica: num sistema fechado, o centro de gravidade se movimenta segundo um movimento retilíneo uniforme e os movimentos recíprocos das partes não se modificam quando se imprime ao sistema um movimento retilíneo uniforme.

4 – Há, na matéria, uma força que a capacita para oferecer resistência; daí se segue que cada corpo, enquanto depende de si próprio, persiste no seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme. Essa força é denominada por Newton também de vis inertiae (força de inércia).

5 – O movimento inercial dos corpos se dá no contexto do espaço absoluto. Numa concessão que fez à imaginação metafísica (recordemos que Newton era um fervoroso comentarista dos livros sagrados), o sábio inglês definiu o espaço absoluto como sensorium Dei (órgão sensorial de Deus, mediante o qual o Ser Supremo se relaciona com os corpos extensos). Isso ensejou acirrado debate com outros pensadores da época, notadamente com Leibniz. O nosso autor, importante figura do mundo intelectual britânico, não se engajou pessoalmente na polêmica com o filósofo prussiano, tendo sido representado nesse debate por Clarke.

6 – Vis impressa ou força é uma ação que se exerce sobre um corpo, com vistas a modificar a sua posição de repouso ou de movimento retilíneo uniforme. A mudança efetivada pela força pode afetar a magnitude da velocidade, bem como a direção da mesma.

7 - A quantitas motus (medida do movimento) é o produto da velocidade multiplicada pela massa (quantitas materiae). Newton define a massa como o produto do volume pela densidade. A quantitas motus é a quantidade de movimento, mv, que Descartes tinha denominado de impulso.

8 – Num corpo já em movimento, o novo movimento, que lhe é comunicado por uma força, se junta ao que já possuía (se recebe a força no mesmo sentido do movimento original), ou se subtrai ao mesmo (se recebe a força em sentido inverso). Uma força aplicada a um corpo, lhe comunica uma quantidade de movimento. Duas forças são entre si como as quantidades de movimento que elas comunicam ao mesmo tempo.

9 – A força, para Newton, é uma realidade física, apreendida unicamente como fenômeno. Ela consiste numa ação exercida sobre um corpo e pode ter diversas origens (choque, pressão, atração). Mas o cientista britânico fica longe de se perguntar qual é a natureza oculta dessa força, qual a sua essência. Somente lhe interessa o ponto de vista cinemático que apreende a realidade “como aparece”, ou no terreno fenomenal. É a partir daí que se constrói, em Newton, a física ou ciência da natureza.

10 – Aplicação dos três axiomas ou leis do movimento aos corpos celestes, mediante a aplicação do princípio geral da gravitação, que é formulado assim: Toda vez que há duas partes de matéria no Universo, elas exercem, uma sobre a outra, uma força de atração cujo tamanho é proporcional às quantidades de matéria (massas) dessas partes, e inversamente proporcional ao quadrado da sua distância mútua. Torna-se possível, a partir desse princípio, explicar todos os movimentos do Universo de forma matemática e reunir um grande número de fenômenos num princípio universal. O cálculo infinitesimal foi criado por Newton para tornar possível a representação matemática das variáveis que, no Universo, constituem todos os movimentos do mesmo. Caminho bem diferente do trilhado por Leibniz para formular o cálculo infinitesimal, que deveria traduzir, matematicamente, a harmonia cósmica.

11 – Significação do Princípio da Gravitação Universal para a história do pensamento: Graças a esse princípio, todas as oposições entre diferentes categorias de movimento (naturais e forçados, terrestres e celestes) são superadas, e não há mais diferença essencial entre o lançamento de uma pedra e o movimento da lua, por exemplo. O movimento de um planeta é representado como a resultante do movimento retilíneo uniforme seguindo a tangente, em relação à trajetória que teria se fosse subtraído a toda força exterior e ao movimento de queda em relação à Terra.

12 – Forte oposição, nos séculos XVII e XVIII, às leis de Newton: Como frisa o cientista e filósofo belga Jean Ladrière, “O pensamento físico achava-se então em pleno mecanicismo. A matéria era representada como constituída por partículas (átomos) e qualquer ação de uma força era entendida como movimentos dessas partículas. Rejeitava-se, então, qualquer modo de ação diferente do representado pelas forças de choque. Admitiam-se unicamente as ações por contato, e não se poderia admitir uma força que agisse à distância, através do espaço vazio, sem intervenção de um meio intermediário, mediante o qual a ação pudesse se propagar. Ora, a força da gravitação age à distância, de forma instantânea, sem intermediários” [Ladrière, Elements de critique des sciences et de cosmologie. Louvain: Université Catholique de Louvain, 1967, p. 145].

13 – A filosofia da natureza de Newton, precursora da Perspectiva Transcendental: as forças da natureza não devem ser consideradas, segundo o pensador britânico, como causas profundas do movimento. Trata-se de conceitos matemáticos. Quando se diz que um centro atrai, não se pretende formular a verdadeira natureza da ação de uma força. O peso é devido, a bem da verdade, a uma causa que lhe confere as propriedades que possui. Mas, frisa Newton, eu não posso deduzir fenômenos dessa causa e não posso pretender formular hipóteses a partir daí, sejam elas de tipo metafísico ou mecânico; essas hipóteses não têm lugar na filosofia natural (ou seja, na física). A filosofia natural deve deduzir as propriedades dos fenômenos e generalizá-las por indução. Basta com saber que a gravitação existe, que ela age segundo as leis que conhecemos e que ela é suficiente para dar conta dos movimentos do Céu e da Terra.

Um comentário:

  1. Ao reverenciar o Sol como Reitor do Universo, Newton lavrava a legitimidade do Leviathan Jaime II se sobrepor aos indivíduos.
    Recalcitrantes ao idealismo platônico, os ingleses o refutaram no lustro posterior, preferindo a Revoluçao Gloriosa.

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